William Lane Craig
Traduzido e adaptado por Wagner Kaba
Depois de uma avaliação de conhecimentos recentes sobre a historicidade da ressurreição de Jesus Cristo, o professor William Craig afirma que “as aparições após a ressurreição, a tumba vazia e a origem da fé cristã – tudo aponta inevitavelmente para uma conclusão: a ressurreição de Jesus”.
Fonte: “Contemporary Scholarship and the Historical Evidence for the Ressurrection of Jesus Christ”, Truth I (1985): 89-95.
Willian Lane Craig é doutor em filosofia pela Universidade de Birmingham, na Inglaterra, e em teologia da Universidade de Munique, e atualmente é professor-pesquisador de filosofia na Escola de Teologia Talbot. É membro de nove sociedades de profissionais, entre as quais a Academia Americana de Religião, a Sociedade de Literatura Bíblica e a Associação Filosófica Americana, e escreve artigos para New Testament Studies, Journal for the Study of the New Testament, Journal of the American Scientific Affiliation, Gospel Perspectives, Philosophy e outras publicações acadêmicas. Escreveu vários livros, entre eles A Veracidade da Fé Cristã e Filosofia e Cosmovisão Cristã (em co-autoria), ambos publicados pela Editora Vida Nova.
“O homem”, escreve Loren Eisley, “é o Órfão Cósmico”. Ele é a única criatura no universo que pergunta “Por quê?” Os outros animais têm instintos que os guiam, mas o homem aprendeu a fazer perguntas. “Quem eu sou?” “Por que estou aqui?” “Para onde vou?”.
Desde o início das civilizações, quando o homem moderno desfez-se dos grilhões da religião, ele tem tentado responder essas questões sem referência a Deus. Mas as respostas que vieram não eram reconfortantes, mas negras e terríveis. “Você é um subproduto acidental da natureza, o resultado de uma situação casual em que o momento encontrou a oportunidade. Não há nenhuma razão para a sua existência. Tudo com que você se depara é morte. Sua vida não é nada mais que uma centelha na escuridão infinita, uma centelha que aparece, cintila e morre para sempre”.
O homem moderno pensou que, ao despojar-se de Deus, teria se libertado de tudo que o sufocava e reprimia. Porém, em vez disso, descobriu que, ao matar Deus, teria também matado a si próprio.
Em comparação a esse quadro do pensamento moderno, a esperança tradicional cristã da ressurreição adquire ainda maior brilho e significado. Ela diz ao homem que ele não é órfão afinal de contas, e sim imagem e semelhança de Deus, Criador do universo; nem que seu destino é a morte, porque através da ressurreição escatológica ele pode viver na presença de Deus para sempre.
Essa é uma esperança maravilhosa. Mas, naturalmente, uma esperança que não é fundamentada em fatos não é esperança, mas mera ilusão. Por que a esperança cristã da ressurreição escatológica parece ao homem moderno nada mais do que um mero desejo? A resposta está na convicção cristã de que um homem foi revivido por Deus da morte como o precursor e exemplo de nossa própria ressurreição escatológica. Esse homem foi Jesus de Nazaré e sua ressurreição histórica da morte constitui o fundamento factual sobre o qual a esperança cristã é baseada.
Quais são os fatos que dão credibilidade aos relatos do Novo Testamento sobre a ressurreição de Jesus? Parece-me que eles podem ser adequadamente agrupados em três pontos: as aparições após a ressurreição, a tumba vazia e a origem da fé cristã. Tomemos cada ponto resumidamente:
Primeiro, as aparições após a ressurreição. Sem dúvida, o principal impulso para a reconsideração da tradição das aparições foi a demonstração, por Joachim Jeremias, de que em 1 Coríntios 15:3-5 Paulo está citando uma antiga fórmula cristã a qual ele recebeu e passou a seus discípulos. De acordo com Gálatas 1:18, Paulo esteve em Jerusalém três anos depois de sua conversão em uma missão de pesquisa de fatos, durante a qual ele reuniu-se com Pedro e Tiago por cerca de duas semanas e provavelmente recebeu a fórmula a essa época, se não antes. Uma vez que Paulo foi convertido no ano 33 DC, isto significa que a lista de testemunhas começa dentro dos primeiros cinco anos depois da morte de Jesus. Portanto, é frívolo considerar essas aparições apenas como lendas. Podemos tentar explicá-las como alucinações, se desejarmos, mas não podemos negar que ocorreram. A informação de Paulo torna indubitável que em ocasiões diferentes vários grupos e indivíduos viram Jesus vivo depois da morte. De acordo com Norman Perrin, o falecido crítico do Novo Testamento da Universidade de Chicago: ‘Quanto mais estudamos a tradição referente às aparições, mais firmemente a pedra sobre a qual elas são baseadas começa a aparecer.” Esta conclusão é virtualmente irrefutável.
Porém, ao mesmo tempo em que o conhecimento bíblico chegou a uma nova compreensão da credibilidade histórica da informação de Paulo, deve-se admitir que o ceticismo referente às tradições sobre as aparições nos evangelhos persiste. Esse ceticismo que persiste parece-me inteiramente injustificado. É baseado em uma antipatia preconceituosa contra as aparições relatadas nos evangelhos serem físicas. Mas as tradições sublinhando essas histórias sobre a aparição podem ser tão confiáveis quanto as de Paulo. Para que essas histórias sejam lendárias em sua essência, um período de tempo muito considerável deve ser necessário para a evolução e desenvolvimento das tradições, até que os elementos históricos tenham sido suplantados pelos não históricos. Esse fator é tipicamente negligenciado na ciência do Novo Testamento, como A.N. Sherwin-White aponta em Roman Law and Roman Society in the New Testament. O professor Sherwin-White não é um teólogo, é um eminente historiador do período Grego e do Romano, aproximadamente contemporâneo do Novo Testamento. De acordo com o professor Sherwing-White, as fontes para a história Romana são geralmente influenciadas e removidas em pelo menos uma ou duas gerações ou mesmo séculos dos eventos que narram. Além disso, ele diz que os historiadores reconstroem com fidelidade o que realmente aconteceu. Ele recrimina críticos do Novo Testamento por não perceberem que recursos de incalculável valor eles têm nos evangelhos. Os escritos de Heródoto fornecem um caso teste para a taxa de acumulação lendária, e os testes mostram que mesmo duas gerações é um espaço de tempo muito curto para permitir que tendências lendárias atinjam e esgotem o cerne dos fatos históricos. Quando o professor Sherwin-White considera os evangelhos, ele afirma que para elas serem lendas, a taxa de acumulação lendária teria que ser “inacreditável”, mais gerações seriam necessárias. Todos os estudiosos do Novo Testamento concordam que os evangelhos foram anotados e circularam na primeira geração, durante toda a vida das testemunhas oculares. De fato, um importante novo movimento de ciência bíblica argumenta persuasivamente que alguns dos evangelhos foram escritos perto dos anos 50 DC. Isto os torna tão antigos quanto a carta de Paulo aos Coríntios e, dada sua segurança semelhante à tradição anterior, eles deveriam ter o mesmo peso de credibilidade histórica de Paulo. É instrutivo notar nesta conexão que nenhum evangelho apócrifo apareceu durante o primeiro século. Eles não apareceram até depois da geração de testemunhas oculares que tinham morrido. Eles são melhores candidatos ao posto de “ficção lendária” do que os evangelhos canônicos. Havia simplesmente pouco tempo para aumento significativo de lendas à época da composição dos evangelhos. Assim, considero sem base o ceticismo atual com relação às tradições das aparições nos evangelhos. A nova consideração sobre o valor histórico da informação de Paulo precisa ser acompanhada por uma reavaliação das tradições do evangelho também.
Segundo, a tumba vazia. Outrora encarado como uma ofensa à inteligência moderna e um embaraço à teologia cristã, a tumba vazia de Jesus veio a assumir seu lugar entre os fatos geralmente aceitos sobre o Jesus histórico. Permitam-me rever brevemente algumas das evidências envolvendo esta conexão.
1. A confiabilidade histórica da história do enterro dá suporte à tumba vazia. Se o relato do enterro é correto, então o local do túmulo de Jesus foi conhecido para judeus e cristãos da mesma forma. Neste caso, é uma inferência muito curta para a historicidade da tumba vazia. Porque se Jesus não tivesse ressuscitado e o local do enterro fosse conhecido:
1. Os discípulos nunca poderiam ter acreditado na ressurreição de Jesus. Porque no primeiro século judaico a idéia de que um homem poderia ser ascendido da morte enquanto seu corpo permanecia na tumba era simplesmente uma contradição em termos. Nas palavras de E. E. Ellis, “É muito improvável que os antigos Palestinos Cristãos pudessem conceber alguma distinção entre ‘ressurreição’ e ‘ressurreição física, com túmulo vazio’. Para eles, uma ressurreição sem um túmulo vazio teria tido tanto sentido quanto um círculo quadrado”.
2. Mesmo se os discípulos tivessem acreditado na ressurreição de Jesus [sendo esta falsa], é duvidoso se eles teriam conseguido algum seguidor . Enquanto o corpo estivesse enterrado na tumba, um movimento cristão baseado na crença na ressurreição de um homem morto seria uma loucura impossível.
3. As autoridades judaicas teriam exposto o caso inteiro. A mais rápida e mais certa resposta contra a proclamação da ressurreição de Jesus teria sido simplesmente para apontar ao seu túmulo sobre a encosta.
Por estas três razões, a precisão da história do enterro sustenta a historicidade da tumba vazia. Infelizmente para aqueles que desejam negar a tumba vazia, porém, a história do enterro é uma das mais historicamente corretas tradições que temos concernentes a Jesus. Muitos fatores cercam este julgamento. Para citar somente alguns poucos:
1. O enterro é mencionado na terceira linha da fórmula cristã antiga citada por Paulo em 1 Coríntios 15:4.
2. É parte da antiga história da paixão pré-Marcos, a qual Marcos usou como uma fonte para seu evangelho.
3. A própria história carece de qualquer traço de desenvolvimento lendário.
4. A história concorda com a evidência arqueológica a respeito dos tipos e localizações de tumbas existentes no dia de Jesus.
Por essas e outras razões, a maioria dos estudiosos são unânimes no julgamento de que a história do enterro é fundamentalmente histórica. Mas se for o caso, então, como eu expliquei, a inferência de que a tumba foi encontrada vazia não está longe da verdade.
1. O testemunho de Paulo sustenta o fato da tumba vazia. Aqui dois aspectos da evidência de Paulo podem ser mencionados:
1. Na fórmula citada por Paulo, a expressão “ele ressuscitou” seguindo a frase “ele foi enterrado” implica na tumba vazia. Um primeiro século judaico não poderia pensar de outra maneira. Como E. L. Bode observa, a noção da ocorrência de uma ressurreição espiritual enquanto o corpo permanece na tumba é uma peculiaridade da moderna teologia. Para os judeus eram os restos do homem na tumba que tinham sido elevados; portanto, eles preservaram cuidadosamente os ossos em ossuários até a ressurreição escatológica. Não deve haver nenhuma dúvida que tanto Paulo quanto a antiga fórmula cristã que ele cita pressupõem a existência da tumba vazia.
2. A frase “no terceiro dia” provavelmente aponta para a descoberta da tumba vazia. Muito resumidamente, o ponto é que desde que ninguém realmente testemunhou a ressurreição de Jesus, como os cristãos vieram a datar este como “o terceiro dia?” A mais provável resposta é que eles fizeram assim porque este foi o dia da descoberta da tumba vazia pelas mulheres seguidoras de Cristo. Portanto, a própria ressurreição veio a ser datada nesse dia. Assim, na antiga fórmula cristã citada por Paulo, temos evidências extremamente antigas para a existência da tumba vazia de Jesus.
2. A história da tumba vazia é parte da história da paixão pré-Marcos e é portanto muito antiga. A história da tumba vazia foi provavelmente o fim da fonte constituída pela paixão de Marcos. Como Marcos é o mais antigo de nossos evangelhos, esta fonte é por isso ela própria muito antiga. Na verdade o comentador R. Pesch afirma que é uma fonte inacreditavelmente antiga. Ele produz duas linhas de evidência para essa conclusão:
1. O relato de Paulo sobre A Última Ceia em 1 Coríntios 11:23-5 pressupõe o relato de Marcos. Desde que as próprias tradições de Paulo são muito antigas, a fonte constituída por Marcos deve ser ainda mais antiga.
2. A história da paixão pré-Marcos nunca se refere ao sumo sacerdote pelo nome. É como quando eu digo “O Presidente está oferecendo um jantar na Casa Branca” e todos sabem sobre quem estou falando, porque é o homem que no momento está no ofício. Similarmente, a história da paixão pré-Marcos se refere ao “sumo sacerdote” como se ele ainda estivesse no poder. Desde que Caifás tomou posse em 18-37 DC, isto significa que nos últimos a fonte pré-Marcos deve vir de dentro dos sete anos DC. Essa fonte portanto remonta para os primeiros poucos anos da sociedade de Jerusalém e é portanto uma antiga e confiável fonte de informação histórica.
3. A história é simples e carece de desenvolvimento lendário. A história da tumba vazia é descolorida pelos temas teológicos e apologéticos que seria características de um relato lendário mais antigo. Talvez o modo mais vigoroso de apreciar este ponto seja compara-lo com os relatos da tumba vazia encontrados em evangelhos apócrifos do segundo século. Por exemplo, no evangelho de Pedro uma voz soa do céu durante a noite, a pedra rola na porta da tumba, dois homens descem do céu e entram na tumba. Então três homens são vistos saindo da tumba, dois sustentando um terceiro. As cabeças desses dois homens empurram as nuvens, mas a cabeça do terceiro homem atravessa as nuvens. Então uma cruz sai da tumba e uma voz pergunta: “Você pregou para aqueles que dormem?” E a cruz responde: “Sim”. Na Ascensão de Isaías, Jesus sai da tumba sentado sobre os ombros dos anjos Miguel e Gabriel. Assim é como as lendas reais parecem: diferentemente dos relatos evangélicos, são coloridas por temas teológicos.
4. A tumba provavelmente foi achada vazia por mulheres. Para entender este ponto é preciso recordar dois fatos sobre as regras para mulheres na sociedade judaica:
1. As mulheres ocupavam um baixo degrau na escada social judaica. Isto é evidente em expressões de rabinos, tais como “Antes deixem as palavras da lei serem queimadas do que entregues a mulheres” ou “Feliz é aquele cujos filhos são do sexo masculino, mas infortunado aquele cujos filhos são do sexo feminino”.
2. O testemunho de mulheres era considerado tão sem valor que a elas não era permitido nem mesmo servir como testemunhas legais em uma corte de lei. Assim, quão extraordinário deve parecer que foram mulheres que descobriram a tumba vazia de Jesus. Certamente nenhuma lenda posterior teria feito os discípulos homens descobrirem a tumba vazia. O fato de que mulheres, cujo testemunho era sem valor, sejam, preferencialmente aos homens, as principais testemunhas da tumba vazia, é sublinhado pelo fato de que, goste-se ou não, elas foram as descobridoras da tumba vazia e os evangelhos apuradamente narram isto.
5. A mais antiga polêmica judaica pressupõe a tumba vazia. Em Mateus 28, encontramos a tentativa cristã de refutar a mais antiga polêmica judaica contra a ressurreição. Essa polêmica afirmava que os discípulos roubaram seu corpo e o levaram embora. Os cristãos responderam a isso citando a história do guarda na tumba, mas a polêmica se manteve, afirmando que o guarda caíra no sono. Agora o aspecto mais notável dessa disputa não é a historicidade dos guardas, mas antes a pressuposição de ambas as partes de que o corpo havia desaparecido. A resposta dos judeus mais antigos à proclamação da ressurreição foi uma tentativa de explicar ao povo a tumba vazia. Portanto, a evidência dos adversários dos discípulos fornece evidência em apoio à tumba vazia.
Alguém poderia ir além, mas talvez já tenha sido dito o suficiente para indicar por que o julgamento da ciência foi revertido ele próprio sobre a historicidade da tumba vazia. De acordo com Jakob Kremer, “Em alto grau, muitos exegetas sustentam firmemente a tumba vazia” e ele fornece uma lista, à qual seu próprio nome foi aposto, de trinta e oito proeminentes estudiosos oferecendo apoio. Eu posso pensar em pelo menos dezesseis mais nomes que ele não mencionou. Portanto, hoje é largamente reconhecido que a tumba vazia de Jesus é um fato histórico simples. Como D. H. Van Daalen afirmou, “É extremamente difícil apresentar objeção à tumba vazia com bases históricas; aqueles que negam esse fato o fazem com base em teorias teológicas e filosóficas”. Mas teorias podem simplesmente ter que ser reformuladas à luz de fatos históricos.
Finalmente, nós podemos voltar-nos àquele terceiro ponto de evidência sustentando a ressurreição: a própria origem da fé cristã. Mesmo os mais céticos estudiosos admitem que os mais antigos discípulos por fim acreditaram que Jesus tinha sido ascendido da morte. De fato, eles ligaram quase tudo a isso. Sem crença na ressurreição de Jesus, o Cristianismo nunca poderia ter vindo a existir. A crucificação teria sido mantida como a tragédia final na vida desventurada de Jesus. A origem do Cristianismo depende na crença desses mais antigos discípulos que Jesus tinha sido ascendido da morte. A questão agora inevitavelmente se põe: como se explica a origem dessa crença? Como R. H. Fuller insiste, mesmo os mais céticos críticos devem pressupor algum misterioso X para manter seus estudos em andamento. Mas a questão é… o que era esse X?
Se alguém nega que Jesus realmente ressuscitou do reino dos mortos, então deve explicar a crença dos discípulos de que ele ressuscitou, tanto nos termos das influências judaicas como nos das influências cristãs. Mas, claramente, essa crença não pode ser resultado das influências cristãs, porque àquela época ainda não havia nenhum cristianismo! Uma vez que a crença na ressurreição de Jesus foi o fundamento para a origem da fé cristã, não pode ser uma crença gerada como resultado dessa fé.
Mas nem pode a crença na ressurreição ser explicada como resultado das influências judaicas. Para ver isto nós precisamos voltar um momento. No Antigo Testamento, a crença judaica na ressurreição dos mortos no dia do julgamento é mencionada em três lugares (Ezequiel 37, Isaías 26, 19, Daniel 12.2). Durante o período de tempo entre o Antigo e o Novo Testamento, a crença na ressurreição floresceu e é freqüentemente mencionada na literatura judaica daquele período. No dia de Jesus, a festa judaica dos Fariseus se sustenta na crença na ressurreição, e Jesus ladeou-se com eles nesse escore em oposição à festa dos Saduceus. Então a idéia da ressurreição em si não foi nada nova.
Mas a concepção judaica da ressurreição diferia em dois importantes, fundamentais aspectos da ressurreição de Jesus. No pensamento judaico a ressurreição (1) sempre ocorria depois do fim dos tempos, não dentro da história, e (2) envolvia todo o povo, não apenas um indivíduo isolado. Em contradição a isto, a ressurreição de Jesus era tanto dentro da história como de uma pessoa individual.
Com relação ao primeiro ponto, a crença judaica foi sempre a de que, ao fim da história, Deus elevaria os mortos justos e os receberia em Seu Reino. Existem exemplos no Antigo Testamento de ressuscitações de mortos, mas essas pessoas morreriam novamente. A ressurreição para a eterna vida e glória ocorreria depois do fim dos tempos. Nós encontramos essa perspectiva judaica nos próprios evangelhos. Portanto, quando Jesus assegura a Marta que seu irmão Lázaro viverá novamente, ela responde: “Eu sei que ele voltará novamente na ressurreição do último dia” (João 11.24). Ela não tem idéia de que Jesus está perto de trazê-lo de volta à vida. Similarmente, quando Jesus conta a seus discípulos que renascerá dos mortos, eles pensam que ele quer dizer “no fim dos tempos” (Marcos 9.9-13). A idéia de que uma verdadeira ressurreição poderia ocorrer anteriormente à condução por Deus ao Reino dos Céus no fim dos tempos era completamente estranha a eles. O célebre estudioso alemão do Novo Testamento Joachim Jeremias escreve:
“O judaísmo antigo não conhecia sobre uma ressurreição antecipada como um evento da história. Em nenhuma parte da literatura pode-se encontrar nada comparável à ressurreição de Jesus. Certamente ressurreições de mortos eram conhecidas, mas sempre se tratavam de ressuscitações, o retorno à vida terrena. Em nenhum lugar na literatura posterior judaica é mencionada a ressurreição para a doxa (glória) como um evento da história”.
Os discípulos, portanto, confrontados com a morte e ressurreição de Jesus, teriam somente ficado na expectativa da ressurreição no dia final e teriam provavelmente mantido cuidadosamente a tumba de seu mestre como um relicário, onde seus ossos poderiam manter-se até a ressurreição. Eles não poderiam surgir com a idéia de que ele tinha já ascendido.
Quanto ao segundo ponto, a idéia judaica de ressurreição foi sempre de uma ressurreição geral dos mortos, não de um indivíduo isolado. Era o povo, ou a espécie humana como um todo, que Deus faria ascender na ressurreição. Mas na ressurreição de Jesus, Deus fez ascender somente um único homem. Além disso, não havia a idéia da ressurreição do povo de alguma forma depender da ressurreição do Messias. Isto era simplesmente totalmente desconhecido. Ainda que é precisamente o que se diz ter ocorrido no caso de Jesus. Ulrich Wilckens, um outro proeminente crítico alemão do Novo Testamento, explica:
“Em nenhuma parte os textos judaicos falam da ressurreição de um indivíduo que tenha ocorrido antes da ressurreição dos justos no fim dos tempos, nem é diferenciada e separada por isso; em nenhuma parte a participação dos justos na salvação ao fim dos tempos depende de estes serem pertencentes ao Messias, o qual foi ascendido à frente de todos como o Primeiro dos Elevados por Deus”. (1 Coríntios 15:20)
É portanto evidente que os discípulos não teriam, como resultado das influências ou passado judaico, aparecido com a idéia de que Jesus sozinho tinha sido ressuscitado dos mortos. Eles esperariam ansiosamente por aquele dia quando Ele e todos os justos de Israel seriam elevados por Deus à glória.
A crença dos discípulos na ressurreição de Jesus, portanto, não pode ser explicada como resultado nem de influências cristãs nem de judaicas. Por eles próprios, os discípulos nunca teriam aparecido com a idéia da ressurreição de Jesus. E lembrem: eles eram pescadores e coletores de taxas, não teólogos. O misterioso X está ainda desaparecido. De acordo com C. F. D. Moule, da Universidade de Cambridge, aqui está uma crença que nada em termos de influências históricas anteriores pode explicar. Ele argumenta que temos uma situação na qual um grande número de pessoas agarrou-se firmemente a sua crença, a qual não pode ser explicada em termos do Antigo Testamento ou dos Fariseus, e essas pessoas firmaram-se nessa crença até que os judeus finalmente expulsaram-nos da sinagoga. De acordo com o professor Moule, a origem dessa crença deve ter sido o fato de que Jesus realmente ressuscitou dos mortos:
“Se o aparecimento dos nazarenos, um fenômeno inegavelmente atestado pelo Novo Testamento, abre um grande buraco na história, um buraco do tamanho e forma da ressurreição, o que o historiador secular propõe para acabar com isso? O nascimento e rápido crescimento da Igreja Cristã permanecem um enigma insolúvel para cada historiador que se recusa a aceitar seriamente a única explicação oferecida pela própria igreja”.
A ressurreição de Jesus é portanto a melhor explicação para a origem da fé cristã. Considerados conjuntamente, esses três grandes fatos históricos – as aparições da ressurreição, a tumba vazia e a origem da fé cristã – parecem apontar para a ressurreição de Jesus como a explicação mais plausível.
Mas naturalmente tem havido outras explicações para relatar as aparições da ressurreição, a tumba vazia e a origem da fé cristã. No julgamento da ciência moderna, porém, tais explicações têm falhado em oferecer um relato plausível dos fatos do caso. Isto pode ser observado através de uma rápida revisão das principais explicações que têm sido apresentadas:
A. Os discípulos roubaram o corpo de Jesus e mentiram sobre as aparições da ressurreição. Esta explicação caracterizava a mais antiga polêmica judaica anticristã e foi revivida na forma de uma teoria de conspiração do Deísmo do décimo oitavo século. A teoria tem sido unanimemente rejeitada por estudiosos críticos e sobrevive somente na imprensa popular. Para citar somente duas considerações decisivas contra ela: (i) é moralmente impossível acusar os discípulos de Jesus por tamanho crime. Quaisquer que fossem suas imperfeições, eles eram certamente homens e mulheres bons e honestos, não impostores. Nenhuma pessoa que leia o Novo Testamento sem preconceitos pode duvidar da evidente sinceridade desses antigos crentes. (ii) É psicologicamente impossível atribuir aos discípulos a frieza e astúcia necessárias para tamanho ardil. À época da crucificação, os discípulos estavam confusos, desorganizados, amedrontados, duvidosos e sobrecarregados com o luto – não estavam emocionalmente motivados ou equipados para planejar tal fraude. Assim, explicar a tumba vazia e as aparições da ressurreição por uma teoria de conspiração parece fora de questão.
B. Jesus não morreu na cruz, e sim foi retirado e colocado vivo na tumba, onde ele reviveu e escapou para convencer os discípulos de que ele tinha sido elevado dos mortos. Essa teoria da morte aparente foi emitida pelos racionalistas alemães do final do décimo oitavo ao início do décimo nono século e foi inclusive abraçada pelo pai da moderna teologia, F. D. E. Schleiermacher. Hoje, porém, a teoria foi inteiramente desconsiderada: (i) seria virtualmente impossível medicamente para Jesus ter sobrevivido aos rigores de sua tortura e crucificação, muito menos não ter morrido pela exposição de seu corpo na tumba. (ii) A teoria é religiosamente inadequada, já que um Jesus semimorto necessitando desesperadamente de atenção médica não teria despertado a veneração pelos discípulos, sendo exaltado como o Senhor Elevado aos Céus e Vencedor da Morte. Além disso, desde que Jesus nessa hipótese sabia que não teria realmente triunfado sobre a morte, a teoria o reduz a um charlatão o qual enganou os discípulos, levando-os a crer que teria ascendido, o que é absurdo. Essas razões sozinhas tornam a teoria da morte aparente insustentável.
C. Os discípulos tiveram alucinações de Jesus depois de sua morte, a partir das quais eles enganadamente inferiram sua ressurreição. A teoria da alucinação tornou-se popular durante o décimo nono século e se manteve até a primeira metade do século vinte. Novamente, porém, há bons fundamentos para rejeitar essa hipótese: (i) com base na psicologia, é implausível supor tais alucinações em cadeia. Alucinações são geralmente associadas a doenças mentais ou drogas; mas no caso dos discípulos, aparentemente não há antecedentes psicobiológicos. Os discípulos não tiveram nenhuma antecipação de que veriam Jesus vivo novamente; tudo que eles poderiam fazer era esperar para reunir-se a ele no Reino de Deus. Não havia fundamentos que os levassem a alucinar sobre Jesus vivo após a morte. Além disso, a freqüência e variação de circunstâncias desmentem a teoria da alucinação: Jesus foi visto não uma, mas muitas vezes, não por uma pessoa, mas por muitas, não somente por indivíduos, mas também por grupos, não em um local e circunstância, mas em muitos, não somente por crentes, mas por céticos e não crentes também. A teoria da alucinação não pode ser plausivelmente alargada para aceitar tal diversidade. (ii) Alucinações não poderiam em nenhum caso levar à crença na ressurreição de Jesus. Como projeções da mente de alguém, as alucinações não podem conter nada que já não esteja na mente. Mas temos visto que a ressurreição de Jesus diferiu da concepção judaica em duas formas fundamentais. Dada sua forma de pensamento judaica, os discípulos, tivessem eles que alucinar, teriam projetado visões de Jesus glorificado no peito de Abraão, onde os mortos justos de Israel morariam até a ressurreição escatológica. Portanto, alucinações não teriam gerado crença na ressurreição de Jesus, uma idéia que ia frontalmente contra o modo judaico de pensamento. (iii) As alucinações não podem responder pela inteira extensão da evidência. Elas são oferecidas como explicação das aparições da ressurreição, mas deixam a tumba vazia inexplicada, e portanto não servem como resposta completa e satisfatória. Assim, parece que a hipótese da alucinação não é mais bem sucedida do que as teses anteriores descartadas em fornecer uma plausível contra-explicação dos dados acerca da ressurreição de Cristo.
Assim, nenhuma das contra-argumentações pode responder pela evidência tão plausivelmente como a própria ressurreição. Alguém poderia perguntar: “Bem, então, como os estudiosos céticos explicam os fatos das aparições da ressurreição, a tumba vazia e a origem da fé cristã?” O fato é que eles não explicam. A ciência moderna não reconhece nenhuma explicação alternativa plausível sobre a ressurreição de Jesus. Aqueles que se recusam a aceitar a ressurreição como um fato da história são simplesmente auto-confessadamente órfãos de alguma explicação.
Estes três grandes fatos – as aparições da ressurreição, a tumba vazia e a origem da fé cristã – todos apontam inevitavelmente a uma conclusão: a ressurreição de Jesus. Hoje o homem racional dificilmente pode ser censurado se ele acredita que naquela primeira manhã de Páscoa um milagre divino ocorreu.
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