(The Lord of Heaven)
Biografia do Autor
Embora de ascendência escocesa, Sir Robert Anderson nasceu em Dublin (Irlanda), em 29/05/1849. Seu pai, Mathew Anderson, exercia a função de “Crown Solicitor” (Solicitador da Coroa) na capital irlandesa, tendo sido um eminente presbítero na Igreja Presbiteriana da Irlanda.
Em 1863, Sir Robert foi convocado para o Tribunal Irlandês. Em 1865, ele começou a assessorar o governo irlandês no interrogatório de prisioneiros e na preparação de documentos legais. Em 1873, ele casou-se com Lady Agnes Moore, irmã do Duque de Drogheda, um verdadeiro acerto nos dois sentidos.
Em 1877, o seu conhecimento especial nos meandros da conspiração o levou a ser nomeado Agente Irlandês do Escritório Nacional e, em 1886, quando Londres estava apavorada com o caso de “Jack, o Estripador”, ele foi trabalhar na Scotland Yard como Comissário Assistente da Polícia Metropolitana e Chefe do Departamento de Investigação Criminal.
Nesse tempo, Arthur Conan Doyle estava divertindo Londres com as suas história sobre Sherlock Holmes, mas eram Sir Robert e sua turma que estavam libertando a cidade dos crimes e dos criminosos, tanto que, segundo registros da época, a criminalidade diminuiu consideravelmente em Londres. Sir Robert ocupou esse cargo até 1901, quando foi sagrado Cavaleiro e se aposentou, aos 60 anos de idade.
W. H. Smith declarou na Casa dos Comuns que Sir Robert “havia desempenhado os seus deveres com grande habilidade e perfeita fidelidade ao público. Raymond Blathwayt em sua obra “Great Thoughts” (Grandes Pensamentos), escreveu: “Sir Robert Anderson é um dos homens a quem o país, mesmo sem conhecer, tem um grande débito”.
Ele foi especialmente ligado aos maiores mestres do seu tempo, incluindo James M. Gray. C. I. Scoffield, A. Dixon e E. W. Bullingger.
Às 11 horas do dia 15 de novembro de 1918, ele passou, calmamente, à presença do Senhor que ele tanto amava.
Como autor o seu nome prevalecerá entre as futuras gerações. Seus livros em geral: “Criminals and Crimes” (Criminosos e Crimes), “Side Light on the Home Rule Movement” (O Lado Claro do Movimento do Governo do Lar) e “The Lighter Side of My Official Life” (O Lado Mais Claro de Minha Vida Oficial), tratando principalmente das coisas temporais, talvez não consigam sobreviver. Porém os seus volumes de Estudos Bíblicos, os quais tratam das “coisas eternas”, esses hão de perdurar.
Prefácio e Índice:
Alguns anos atrás, o autor foi solicitado a mediar o Comitê de uma das nossas Sociedades Missionárias, entre alguns dos seus agentes mais jovens, cuja fé havia sido perturbada pela habilidade muçulmana quanto à veracidade da Filiação Divina de Cristo. Embora não fosse um desconhecedor da literatura que versa sobre este assunto, ele não conseguiu encontrar livro algum que pudesse resolver definitivamente essa questão e o projeto de escrever este livro lhe foi sugerido. E numa correspondência recente revelada, de fato, por aqueles que negam a Divindade do Senhor, supõe-se que essa verdade depende de textos especiais, os quais explicitamente ensinam a mesma. Estas páginas têm o propósito de buscar e revelar a doutrina da Filiação e chamar a atenção para alguns dos testemunhos indiretos da Escritura sobre a Divindade de Cristo.
Este não é um livro controverso, mas um estudo bíblico. Se a pesquisa do mesmo for de ajuda para alguns, como escrever o mesmo tem sido para o autor, terei alcançado esse objetivo.
O autor também deseja aqui reconhecer a ajuda recebida na preparação do livro. Ao Bispo Durham, em especial, ele se diz agradecido pela gentil e valiosa crítica e pelos conselhos recebidos. Seus esforços foram também facilitados pela amiga, Miss A. R. Habershon, a qual, além da voluntária ajuda oferecida, cuidou da concordância do Novo Testamento relativa aos títulos do Senhor Jesus Cristo.
Convém ainda mencionar que nestas páginas as referências escriturísticas não especificam quais as versões por nós utilizadas, salvo quando se deseja chamar atenção especial à leitura citada.
A Segunda Edição
A publicação deste livro tem-me trazido provas contundentes de que ele se fazia necessário. Grande número de homens tem ficado carente de obras eruditas sobre este assunto tão importante, enquanto meros tratados populares deixam de convencer os mais letrados. Contudo, nestas páginas não será encontrada coisa alguma que um fiel estudioso da Bíblia não possa conseguir, ao mesmo tempo em que elas contêm o essencial para satisfazer a todos os que aceitam a autoridade de Cristo como o Mestre Divino, ou a autoridade da Escritura como a revelação de Deus.
E sendo este o esquema do livro, deixei de citar os escritos dos teólogos e minha concordância com antigas controvérsias foi usada somente no sentido de me capacitar a combater as heresias que as provocaram.
Seria de esperar que tantos que têm estado repetindo habitualmente os credos concordassem com a doutrina da Divindade de Cristo, mas, infelizmente, eles são agnósticos com relação à mesma. E para mim tal descoberta é ainda mais chocante, pelo fato de que suas dúvidas parecem receber confirmação através da linguagem e das exatas fórmulas que usam para estabelecer a questão de uma vez para sempre.
Pois a frase “as pessoas da Trindade” aparentemente fornece uma significação totalmente diferente daquela que as palavras originais pretendiam exprimir. E aos iletrados ela sugere erro, levando-os a se tornarem presa fácil da propaganda unitarista.
Conforme nos diz o Dicionário de Latim, a palavra “persona” quer dizer “personagem”, significando “uma máscara especialmente usada pelos atores, cobrindo-lhes toda a cabeça, variando conforme os papéis a serem representados”. E segundo o Dicionário de Inglês de Oxford, nossa palavra “persona” significa: 1. - papel desempenhado ou assumido em um drama, ou coisa assim, ou também na vida real; parte desempenhada, função em desempenho, ofício, capacidade. 2. - Um ser individual.
Desse modo, podemos ver quão próxima a clássica significação de “pessoa” pode ser desviada de “persona” no Latim, e que tênue afinidade ela tem com a significação comum e popular da palavra. E, contudo, sua significação comum tem uma influência definitiva sobre as mentes, quando ela fala das “Pessoas da Trindade”.
A Divindade não deve ser assemelhada a um triunvirato agindo em uníssono. Deus é UNO. Contudo, Ele tem-se manifestado como o Pai, o Filho e o Espírito Santo, tendo a Sua majestosa manifestação acontecido através do Filho. Na vida de Cristo Ele foi manifestado em carne. A leitura um tanto duvidosa de 1 Timóteo 3:16 de modo algum afeta a força da passagem. (E, sem dúvida alguma, grande é o mistério da piedade: Deus se manifestou em carne, foi justificado no Espírito, visto dos anjos, pregado aos gentios, crido no mundo, recebido acima na glória). A declaração de que o “Homem de Nazaré” foi manifestado em carne não seria em nada melhor do que uma grandiloqüente banalidade. Quando se lê [em algumas edições]: “Aquele que foi manifestado em carne”, claro que este “Aquele” se refere a Deus. Estas palavras são referentes a João 1:18: “Deus nunca foi visto por alguém. O Filho unigênito, que está no seio do Pai, esse o revelou”, onde lemos que o Filho revelou Deus.
As pessoas nos perguntam no que crêem aqueles que têm o hábito de repetir os credos: “Como pode o Filho ser Deus, se Ele orava a Deus e falava sobre Deus como sendo uma pessoa distinta de sua própria personalidade?” Eis aqui uma real dificuldade e não devemos explicar “esse mistério de Deus”, devendo aceitar que um mistério é algo que não se pode explicar. Por incrível que pareça, os “homens que lideram a Igreja” concordam plenamente com as superstições de sua “religião” que pretende ser “cristã” e, no entanto, hesitam em aceitar os mistérios da fé cristã, segundo a autoridade da Palavra de Deus. É com grande humildade que arrisco a opinião de que, em seu zelo pela verdade, os Pais ortodoxos iam a extremos desconhecidos, quando analisavam e definiam a Divindade. Mas, seja como for, é certo que as formulações daquele tempo criaram dificuldades a muitos devotos do seu próprio tempo.
Na presença do “mistério de Deus”, o qual nos é entregue expressamente, não podemos penetrar, sendo o nosso papel simplesmente aceitar o que “está escrito”. Mas tentemos aceitar o que realmente foi escrito. Agora me recordo da ajuda recebida, muitos anos atrás, quando minha atenção foi chamada para o texto grego de João 1:1. A lição foi aprendida durante uma viagem de trem, tendo sido meu professor um amigo católico, o qual era um dos juizes da Corte Suprema de Sua Majestade, tendo sido ele quem me apontou a presença do artigo grego numa cláusula e sua ausência na outra cláusula da familiar passagem (entregue no Grego). Aqui falha o idioma inglês, mas se pudéssemos usar a palavra “Divindade” como sinônimo de “Deus”, qualquer um poderia notar a diferença entre a declaração da palavra para “Divindade” e a outra declaração de que “o Verbo” era a própria Divindade.
É claro que os unitaristas amenizam a força da mesma. Mas até mesmo nos dias em que a linguagem da Escritura é tratada com relaxada liberdade, a significação das palavras seguintes não pode evadir-se. Ela nos diz: “Todas as coisas foram feitas por ele, e sem ele nada do que foi feito se fez” (João 1:3). Ora, se o Criador de todas as coisas não é Deus, a linguagem perdeu todo o seu significado.
De fato, o paganismo clássico pode até recair na ilusão de um Deus subordinado, concepção que a iluminação nos leva a rejeitar, e a heresia ariana jamais teria alicerçado tanto terreno na Igreja Patrística, com as mentes de tantos Pais corrompidas pelo paganismo do seu primeiro treinamento. De fato, aprendemos na 1 Coríntios 8 que até mesmo os cristãos que gozavam o benefício do direto ensino apostólico não estavam totalmente a salvo do erro pagão referente a este assunto.
Devemos ter em vista, ao ler esse capítulo, que no verso 6 lemos: “Todavia para nós há um só Deus, o Pai, de quem é tudo e para quem nós vivemos”, e esse é um texto chave para os unitaristas. Mas logo somos levados, enfaticamente à continuação do verso: “e um só Senhor, Jesus Cristo, pelo qual são todas as coisas, e nós por ele”.
Contudo, este ensino tem sido usado junto com os erros pagãos, os quais têm prevalecido. E, em vista do contexto imediato, é impossível que o Apóstolo Paulo tenha pretendido ensinar que o Senhor Jesus Cristo foi apenas uma criatura. Pois a frase seguinte (“pelo qual são todas as coisas”) declara meridianamente a verdade que é mais amplamente revelada em Colossenses 1:15-17, que Jesus Cristo é o Criador do universo [Glória ao nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo!] E se isso não garante a Sua Divindade, mais uma vez dizemos que as palavras nada significam.
Aquele “pelo qual são todas as coisas” obviamente é Deus. Qualquer pessoa, portanto, que rejeitar que Jesus Cristo é Deus, deve aceitar a existência de dois deuses. O crente lê a passagem à luz das palavras: “Eu e o Pai somos um” (João 10:30). Mesmo assim, há quem diga que estas palavras devem ser entendidas com o mesmo sentido de Sua oração ao Pai em benefício do Seu povo”: “Para que todos sejam um” (João 17:22). Claro está que até mesmo uma criança pode entender a diferença entre a “perfeita unidade” e a “unidade essencial”. Quando Hooker escreveu: “Nosso Deus é um, ou, de preferência, é absolutamente único”, ele não estava falando uma simples banalidade, mas a verdade divina sobre o Deus que conhecemos como o Pai, o Filho e o Espírito Santo.
A oração do Senhor Jesus, na noite em que foi traído, aponta o tempo futuro em que a unidade do Seu povo com Deus será tão perfeita como a unidade do Pai com o Filho. E isso é totalmente diferente da unidade essencial. Essa unidade dEles irá se apossar, corporal ou individualmente, para criar mundos, perdoar pecados ou dar vida àqueles a quem desejarem dar. Estas supremas prerrogativas de Divindade pertencem exclusivamente ao Senhor Jesus Cristo e não há como escapar ao dilema em que isso nos coloca. Se não existem dois deuses, então devemos admitir que o Pai e o Filho são UM.
Contudo, alguém poderia argumentar: “Então, como se explica isso?” Sem esperar para dar a resposta, eu logo diria: “Eis o mistério de Deus”. “Ninguém viu o Pai senão o Filho”.
A força desta afirmação é intensificada pelas frases seguintes: “Quem me vê a mim vê o Pai” (João 14:9) “e ninguém conhece quem é o Filho senão o Pai, nem quem é o Pai senão o Filho, e aquele a quem o Filho o quiser revelar.” (Lucas 10:22).
A verdade da Paternidade é um mistério revelado em Cristo; a verdade da Filiação continua sendo um mistério não revelado, o qual transcende a nossa razão e deve ser aceita pela fé. Quando ensinamos nossos filhos, muitas vezes observamos que o que para nós parece tão claro está acima de sua compreensão infantil. Mesmo assim, falhamos em reconhecer que a verdade divina deve estar acima da capacidade de nossas mentes finitas. Será que podemos perscrutar e encontrar Deus? Será que podemos descobrir a perfeição do Todo Poderoso? A controvérsia ariana admite que podemos. A heresia lida com textos isolados e a heresia ariana, como já vimos, ignora até mesmo o contexto das palavras sobre as quais ela se embasa. Vamos a outro exemplo chocante: Diante do túmulo de Lázaro, “Jesus chorou” (João 11:35). No mesmo instante, Ele levantou os olhos para o alto e orou: “Pai, graças te dou, por me haveres ouvido. Eu bem sei que sempre me ouves, mas eu disse isto por causa da multidão que está em redor, para que creiam que tu me enviaste” (João 11:41-42). Qual a prova dada aqui de Sua humanidade e de que a sua relação com Deus era a de um homem dependente do Pai divino? Sim, certamente, mas no mesmo instante e no mesmo cenário, Ele havia dito: “Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em mim, ainda que esteja morto, viverá” (João 11:25). Nenhum gentio, talvez, possa entender o que realmente significavam estas palavras para um judeu devoto. Se a pessoa que as pronunciasse não fosse Divina, na mais lata expressão do termo, os homens que O crucificaram estariam obedecendo ao mais claro dos comandos da lei de Deus, levando-O à morte.
Quando disse isso, admitimos que o Senhor falou realmente as palavras que aqui lhe são atribuídas. Pois essas palavras são endereçadas aos cristãos. E se os Evangelhos não são registros divinamente autenticados do Seu ministério, a fé cristã deve ceder lugar ao agnosticismo, passando a ser apenas uma superstição. E conquanto rejeitando a teologia gnóstica, de que as palavras de nosso Senhor eram às vezes a expressão da verdade divina, enquanto outras vezes, de erro judaico, devemos observar que como essas palavras em particular estavam em tão violenta oposição a todo o pensamento judaico, elas devem, até mesmo conforme aquela hipótese profana, ser aceitas como divinas. Com algumas pessoas as doutrinas religiosas parecem estar guardadas em “containeres” à prova d’água. Desse modo, as verdades divinas podem ser guardadas junto com o erro humano, mesmo que este entre em conflito com as mesmas. Contudo, a verdade é apenas uma e quando uma parte da mesma é assaltada, a totalidade corre perigo. Se, por exemplo, deixarmos de lado a Divindade de Cristo, que é a verdade fundamental do Cristianismo, a doutrina da Reparação é anulada. Isso porque em todo o conjunto das falsas religiões não existe uma superstição mais tola e grotesca do que a morte de um líder religioso, de quem se espera a remissão dos pecados do mundo. Infelizmente, nos dias de hoje, a necessidade de Expiação é amplamente ignorada. Isso porque a concepção comum de pecado se tornou tão obsoleta que praticamente foi anulada. Daí que a Divindade do Senhor passou a ser vista de maneira tão leviana. Os homens se contentam com a crença vaga numa reconciliação trazida através de algum modo indefinido, como, por exemplo, uma vida perfeita e uma morte auto-sacrifical. E até mesmo essa crença tem sido perdida por aqueles que adotam a ilusão de que nosso Senhor pertencia a uma linhagem humana mais. Para esse tipo de gente Aquele que morreu pelos homens deveria Ele próprio também ser homem.
Contudo, se Ele fosse apenas homem, Sua morte não teria valor algum, pois segundo o Bispo Durham: “Um Salvador que não fosse Deus seria uma ponte interrompida no final.”
Devemos estar alerta quanto a outro erro. A concepção popular sobre um “homem divino", um “homem deus”, meio humano e meio divino, como os salvadores do paganismo no mundo antigo [Crença que se restabelece através dos ensinos da Nova Era]. O Senhor Jesus Cristo é “Verdadeiro Homem” e também “Verdadeiro Deus”. Ele se apresentou como Homem, mas é o “Filho de Deus” na mais lata acepção do termo. Ele é o único "Verdadeiro Deus” que o mundo jamais há de conhecer. Em João 1:18 lemos: “Deus nunca foi visto por alguém. O Filho unigênito, que está no seio do Pai, esse o revelou”. Foi Ele quem morreu por nós, pois “Àquele que não conheceu pecado, [Deus] o fez pecado por nós; para que nele fôssemos feitos justiça de Deus” (2 Coríntios 5:21). E a quem indagar como isso pôde acontecer, damos a resposta do Bispo Butler: “Todas as conjecturas a respeito disso, quando não absurdas, devem ser incertas... Ninguém pode queixar-se da falta de informação, a não ser que possa provar que esteve em busca da mesma.” Deus abdicou de Sua Soberania e nossa fé deve aceitar isso como verdade divina, porque “Está Escrito”. Mas tudo depende da Divindade de Cristo e, como disse Atanásio, há muito tempo, “Ao contender por esta verdade estamos contendendo por todos nós”.
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Capítulo 1
Introdução: A Questão em Vista
O Professor Harmack escreveu: “A divindade de Cristo é agora admitida, mas Sua Divindade é negada - Renan citado - a Universidade de Tübingen - The Schmiedel School - O Novo Testamento ensina a Divindade de Cristo - A crucificação comprova que o Senhor afirmou a Sua Divindade. A Resposta do Unitarismo.
Capítulo 2
A Significação de “Filho” na Escritura
Significação comum da palavra - Sua significação figurada - Distinção entre Filho (Son) e Filho (Child), ignorada na Versão Autorizada - O cristão como tal é apenas “Child” e não é chamado “Son” - Passagens ilustrativas citadas - Personalidade do Apóstolo João - Significação do nome de Barnabé.
Capítulo 3
O Filho do Homem...
A significação deste título - O uso que o Senhor fez do mesmo - Ele conota a glória celestial - Ele não se refere ao Seu nascimento humano - Como Filho do Homem Ele é Senhor do Sábado, perdoa pecados e tem todo o julgamento em Suas mãos - Como e quando veremos Deus.
Capítulo 4
O Filho de Deus
Cristo, o Mistério de Deus - Incidente na Câmara Francesa - Uma definição não escriturística de Filiação - O “Filho Unigênito” - Significação deste termo - Seu uso na Escritura - Perversão na Defesa de Paulo da Ressurreição ilustra o perigo de tentar “explicar” esses mistérios - O nascimento virginal - O Senhor proclama a Sua Divindade.
Capítulo 5
O Testemunho do Primeiro Evangelho
Características distintas do Quarto Evangelho - Mateus e João comparados - O Sermão do Monte foi uma proclamação de Sua Divindade - Em Mateus 11, 16 e 24, o Senhor afirma que é Deus - O Dr. Ederschein e Isaías 53 - Silly Billy sobre a Trindade.
Capítulo 6
Testemunho do Quarto Evangelho
As omissões do Quarto Evangelho, uma evidência de inspiração - O propósito do Quarto Evangelho - A concepção ariana de um Deus subordinado conforme o paganismo - Passagens de João ilustrando a afirmação do Senhor de Sua Divindade - Sua Divindade comprovada pela ressurreição de Lázaro e pelos milagres dos apóstolos.
Capítulo 7
O Testemunho de Tiago e de Hebreus
Ederschein citou uma ilustração deste - Caráter, valor e data da Epístola de Tiago e o seu testemunho da Divindade do Senhor - Testemunho de Hebreus - Conexão de Paulo com Hebreus - Se Cristo não é Deus Ele deve ser uma criatura - Evidência indireta da Divindade - A fé dos primeiros discípulos.
Capítulo 8
O Testemunho do Apóstolo Paulo
O testemunho do Espiritualismo à inspiração - O testemunho de um profeta - Os sofrimentos do Apóstolo Paulo - Seu apedrejamento em Listra - Seu “espinho na carne” - Seu regresso a Jerusalém - Sua personalidade e antecedentes dão peso ao seu testemunho sobre a Divindade - Citações de suas Epístolas.
Capítulo 9
O Testemunho de Apocalipse
A unidade da Escritura exemplificada no Livro de Apocalipse - Importância deste livro - Ele refuta a religião de um “Cristo segundo a carne” - Ataques hodiernos à Sagrada Escritura - As visões apocalípticas atestam a Divindade - A única alternativa sustentável declarada na linguagem da “Nova Teologia”.
Capítulo 10
Por amor do Seu Nome
O Senhor afirma Sua Divindade e honra divina - Prevalecente irreverência ao nomeá-Lo - Cristandade copiando os exorcistas judeus - As cartas da Rainha Vitória - A maneira pela qual o Senhor é nomeado nos Evangelhos - E nas epístolas - A prática de Paulo e de Pedro - Um breve apelo à reverência.
Capítulo 11
A Revelação da Graça e a Vida Futura
A promessa no Éden - a revelação primeira e as antigas mitologias - A aparente falta de credibilidade do Cristianismo - A fé que vence o mundo - Crenças convencionais e a fé legítima - O Cristianismo organizado fracassou - A revelação cristã aparentemente falsificada pelos fatos - a explanação de sua graça - Graça, uma verdade desperdiçada na Sinagoga de Nazaré - O dia da Graça e o Dia da Vingança - Ação condenatória ao pecado aguarda o Dia do Julgamento - Um pandemônio e uma destruição pelo fogo - Que a Igreja vai converter o mundo é uma lenda grotesca - A Volta de Cristo é a única esperança, tanto para a igreja como para o mundo - Conclusão.
Apêndices:
Ao capítulo 4
O argumento de Ário e a resposta ao mesmo - Falsas referências sobre a expressão “Filho Unigênito” - O “nascimento virginal” não é mencionado nas epístolas - Significação da palavra “primogênito” (prototokos) e as passagens em que este termo ocorre.
Ao Capítulo 10
Publicações ilustrativas : uma sílaba de endereços, uma obra teológica, uma circular do editor e um livro de meditação diária - caráter racionalista das obras teológicas modernas - Irreverência ao Nome do Senhor - A prática dos Pais e as epístolas - Comentário sobre a prática prevalecente - Celebrando “a morte do Senhor, até que Ele venha” - Nossa hinologia - “Salvo pela Graça de Jesus”.
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Capítulo 1
Introdução - A Questão Em Foco
“O grande filósofo inglês, John Stuart Mill, observou, em algum lugar, que a humanidade não pode ser tão freqüentemente relembrada de que um dia existiu um homem chamado Sócrates. Isso é verdade; contudo, é muito mais importante que a humanidade seja relembrada, sempre e sempre, que um Homem chamado Jesus, em certo tempo esteve com ela”.
Estas são as declarações públicas de uma obra bem conhecida, provinda da pena de um dos maiores racionalistas vivos. Mas neste século 20 essa lembrança tem-se tornado anacrônica. A infidelidade tem mudado o seu campo, mesmo não se podendo negar os fatos da vida de Cristo. A pergunta que prevalece nos dias atuais é a que se relaciona à Sua personalidade. Quem e o que foi o Grande Mestre, cujo advento mudou a história mundial?
Como resultado das controvérsias que giraram em torno disso, nos séculos passados, o Credo da Cristandade proclamou a Sua Divindade. Contudo, hoje em dia, esse Credo foi atirado num vaso de fundição e o objetivo real do racionalismo cristianizado, disfarçado sob um hábito de terminologia cristã, tem sido provar que o “Jesus Cristo”, que um dia habitou entre nós, era simplesmente um homem. E o grande problema das eras passadas tem agora assumido uma nova e súbita fase. Pois o que foi antigamente motivo de controvérsia unitarista já não está em disputa. A Divindade de Cristo tem sido atualmente reconhecida até pelo infiel: “Descansa agora, em glória!” exclama Renan, numa explosiva e entusiástica declaração. “A obra está completa. A Divindade está estabelecida... Entre Ti e Deus os homens já não farão distinção.” De fato, isso é aceito até mesmo pela apostasia básica, a qual tem-se mascarado sob o nome de “Nova Teologia”.
Pois, nos disseram: Deus é “imanente” na natureza humana e todos nós somos Seus filhos. Portanto, o título do Nazareno à Divindade, não é apenas indisputável, mas considerado preeminente, embora não exclusivo. Todo príncipe de sangue é um personagem real. Mas nem mesmo o Príncipe de Gales, exclusivo em sua posição, possui o poder ou a dignidade do reinado. A parábola não carece de interpretação. A questão, hoje em dia, não é a Divindade de Cristo, mas Sua Deidade. Na Era das Trevas, que já se foi, quando a confissão de crenças heréticas significava sofrimento e perda, os homens pensavam profundamente, antes de se evadirem das malhas aprisionadoras da “ortodoxia”. Eles sabiam que isto significava “ter a mente preparada”. Mas a frouxidão tem sido a marca característica do pensamento religioso, nesta era sombria e leviana. As frases captadas nos púlpitos modernos ou na imprensa popular são aceitas sem qualquer rejeição mental. E as “crenças históricas” são atiradas para longe, sem o menor constrangimento ou drama de consciência.
E, contudo, tendo observado a transcendente importância e solenidade das questões aqui em pauta, observamos que tal leviandade é simplesmente intolerável. Pois as “crenças históricas” são verdadeiras e um homem chamado Jesus Cristo, em Sua Segunda Vinda, vai gerar a maior crise mundial.
Pois, enquanto para os racionalistas o Grande Mestre foi “um homem chamado Jesus Cristo”, os cristãos mantêm a Sua Divindade. Além do mais, esta crença está embasada nos escritos dos seus primeiro discípulos e se as crenças dos apóstolos e de outros escritores do Novo Testamento sobre um assunto de tão suprema importância não refletem o ensino de nosso Senhor e do Espírito Santo, que foi enviado para os guiar a toda a verdade, a fé cristã não passa de mera superstição.
Que o Novo Testamento ensina a Divindade de Cristo é tão inegável a ponto de até mesmo o infiel aceitar esse fato, impondo a si mesmo a tarefa de negar o testemunho dos escritores. Nos dias de Baur, isso foi conseguido, quando insistiram em que o mais sagrado de todos os livros não havia sido escrito pelos homens que os intitularam, mas numa data muito posterior. Contudo, hoje em dia tem sido proclamado que exatamente porque os seus discípulos foram os seus escritores, esses livros não são confiáveis, pelo fato de não serem fruto de testemunhas imparciais.
São essas as maneiras empregadas pelos que atacam a Bíblia. A Universidade de Tübingen admitiu explicitamente que se o Novo Testamento tivesse sido escrito pelos contemporâneos do Senhor, a evidência seria válida. Mas a Universidade Schmiedel, hoje em dia, insiste em que exatamente porque os seus escritores foram os seus discípulos, eles não foram imparciais e, portanto, a evidência divina deve ser rejeitada. Em resumo, qualquer pessoa que tivesse crido em suas afirmações jamais deveria ser ouvida como aprovação às mesmas.
concepção de um tribunal que agisse segundo este princípio seria considerada um “livro de tolice” ou uma farsa a ser exibida num palco. Essa é uma teoria de evidência desconhecida em qualquer comunidade civilizada - antiga ou moderna. E não menos absurda ela seria, quando aplicada à história. Suponhamos, por exemplo, que a vida da Rainha Vitória fosse escrita no sistema de exclusão de tudo que proviesse daqueles que a conheceram e serviram!
Então, como fica essa questão? Sobre o assunto em foco o testemunho dos discípulos é tão claro que até mesmo o infiel reconhece que ele deveria merecer aceitação, uma vez confirmado por uma evidência independente. Contudo, nenhuma evidência comprobatória é mais convincente do que as testemunhas hostis; sendo que o fato de que o Senhor afirmou a Sua Divindade está incontestavelmente estabelecido pela ação dos Seus inimigos. Deveríamos nos lembrar que os judeus não eram uma tribo de selvagens ignorantes, mas um povo altamente instruído e intensamente religioso. E foi sobre essa exata acusação, sem qualquer voz dissidente, que a morte de Cristo foi decretada pelo Sinédrio - o seu grande concílio nacional, composto de eminentes líderes religiosos, inclusive de homens do tipo de Gamaliel e do seu grande pupilo, Saulo de Tarso. Que Ele era da casa real de Davi ficou comprovado pelas genealogias oficiais. Que Ele operou grandes milagres foi universalmente reconhecido, e nem mesmo os Seus inimigos negaram que todos os Seus atos e, salvo num ponto vital, todas as Suas palavras, eram dignos de reivindicações messiânicas. Como, então, pode ser contabilizado àqueles bons homens - homens que tinham zelo por Deus - o fato de terem-No condenado à morte como blasfemador? A resposta é indubitável. Não foi pelos Seus grandes feitos que Ele foi ameaçado de apedrejamento, mas porque Lhe disseram: “Porque sendo homem te fazes Deus”. E sob essa acusação, repito, é que Ele foi desarraigado. Se essa acusação fosse falsa, por uma perversão de Suas palavras, Ele, como um judeu devoto, tê-las-ia repudiado com indignada firmeza, enquanto Sua concordância às mesmas é inequívoca.
“Não foi assim”, objetaria o unitarista, “A acusação não foi que Ele tenha se declarado Deus, mas de ter Ele se auto-nomeado Filho de Deus e pela resposta que Ele deu, que ainda iria sentar-se à direita de todo o poder, estava de acordo com todo o Seu ensino. A exata afirmação de Sua Filiação era em si mesma um reconhecimento de que Ele ocupava um lugar subordinado, ocupado soberanamente pelo Seu Pai e Seu Deus.”
Devemos concluir, então, que a crucificação de Cristo foi devida a um mal entendido, que qualquer um de nós poderia ter esclarecido, se pudesse ter conseguido uma audiência no Sinédrio, naquele dia fatal? A alternativa a tão absurda sugestão é que a afirmação de Sua Filiação era essencialmente uma afirmação de Sua Divindade. E isto exige um exame de extremo interesse e importância, com respeito ao uso e à significação da palavra “filho” no Novo Testamento.
Capítulo 2
A Significação de “Filho” na Escritura
É desnecessário focalizar passagens onde a palavra “filho” é usada para descendentes remotos, como, por exemplo, no Primeiro Evangelho, a frase familiar de “filhos de Israel”, ou quando o Senhor declarou que ao construir os túmulos dos profetas, os judeus deram testemunho de que eram “filhos” dos seus assassinos. Muito menos devemos observar as numerosas ocorrências da palavra em sua principal e comum acepção. Contudo, tal é a influência da Bíblia Inglesa sobre os nossos hábitos de pensar e falar, que quando lemos que Tiago e João eram “filhos do trovão”, a frase nos parece tão natural como quando lemos que eles eram filhos de Zebedeu. Refiro-me à nossa King James Bible, pois, quando apareceram as tais versões revisadas, as pessoas se inclinaram a ressentir-se contra frases não familiares como “filhos da câmara nupcial” e “filhos da desobediência”, etc. Contudo, a distinção entre filho “son” e filho “child” é de suma importância, e quando a ignoram nas novas versões, os tradutores, algumas vezes, obscurecem e, até mesmo, pervertem a verdade vital.
No Sermão do Monte, por exemplo, o Senhor é levado a dizer que ao amar os seus inimigos os homens podem se tornar “filhos de Deus”. Contudo, isso se opõe totalmente ao ensino cristão. É pelo nascimento, e somente através do nascimento, que pode ser criado o relacionamento entre pai e filho. Além do mais, o Senhor ali estava se dirigindo aos Seus discípulos, os quais, de fato, haviam experimentado o novo nascimento e, portanto, já eram filhos de Deus. Também foi a eles que o Senhor disse: “... Amai a vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem; para que sejais filhos do vosso Pai que está nos céus” (Mateus 5:44). Também a Versão Autorizada diz: “Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus...” (João 1:12) uma declaração não menos inexata. Assim, de fato, nos tornamos filhos de Deus (e “children” é a palavra aqui usada), mas “filiação” conota o que os filhos deveriam ser: “todos os que são guiados pelo Espírito de Deus, esses são filhos de Deus” (Romanos 8:14).
Para muitas pessoas essa declaração pode parecer chocante, mas a verdade pode ser facilmente confirmada que, no Novo Testamento, os crentes em Cristo, como tais, nunca são denominados “filhos de Deus”. Em outras palavras, que a frase jamais ocorre como um mero sinônimo de “filhos de Deus”. As palavras de Gálatas 3:26 podem ser uma exceção à regra, mas de fato elas representam uma chocante ilustração do fato, pois quando o Apóstolo escreve: “Porque todos sois filhos de Deus pela fé em Cristo Jesus”, ele usa a palavra “filho” num sentido peculiar, com o objetivo de marcar a diferença entre a posição de filhos menores e os que atingem a maioridade. Nesta dispensação cristã o povo de Deus já não pode ser tratado como “menor”, “debaixo de tutores e curadores”, mas é considerado maior, atingindo o status de filho.
Em Hebreus 12:8, novamente a palavra “filho” ocorre num sentido igualmente estranho ao nosso uso no Inglês, pois ela assinala a distinção entre o legítimo e o ilegítimo descendente, ao qual é negado o status de filho. Estas duas passagens são tão excepcionais que a palavra “filho” é empregada para indicar caráter ou natureza. E deve-se notar que quando a palavra é empregada neste sentido ético, nenhum parentesco é envolvido, a não ser, talvez, remotamente, e por meio de uma figura poética. Os gálatas gentios, por exemplo, jamais poderiam reivindicar serem “filhos de Abraão”, nem o Apóstolo quis dizer isso, mas ele disse que “mesmo não sendo descendentes de Abraão”, eles, pela fé, são feitos “filhos de Abraão”. A palavra aqui é usada em sentido figurado, do mesmo modo como “filhos do trovão”.
Esta frase deveria nos ensinar a distinguir entre o tradicional “São João” e o apóstolo que leva o seu nome. Um era uma criatura terna e humana, enquanto o “discípulo amado” era um homem audacioso e másculo, o qual usava palavras fortes e contundentes. Pois para ele, os que odeiam são assassinos e os que minimizam o Senhor Jesus Cristo, ou negam a Sua glória, são mentirosos e anticristos. E se nos lembrarmos que o seu irmão, o apóstolo Tiago, era um homem da mesma fibra, podemos entender por que a sua morte tanto agradou aos judeus, quando ele caiu vitima da malignidade de Herodes.
Se José foi chamado “filho da consolação”, podemos supor que ele era um recipiente de consolo muito especial; mas quando lemos que o Apóstolo lhe deu o sobrenome de Barnabé, logo entendemos que ele era um homem possuidor de espírito intensamente compassivo.
Do mesmo modo, a expressão “filhos da ira” seria “filhos de Belial”; mas quando a Epístola aos Efésios nos diz que “por natureza somos filhos da ira”, as palavras servem para expressar nossa condição ou destino. Então, mais uma vez a frase “filhos da desobediência” descreve que os homens estão essencialmente de acordo com a sua natureza.
O fato do Apóstolo exortar os efésios a andarem conforme “filhos (children) da luz”, enquanto “filhos (sons) da luz” em sua palavra aos tessalonicenses, parece indicar que, pelo menos, neste caso as palavras são usadas como sinônimos. Mas um exame das passagens vai deixar claro que aqui, como em toda parte, elas têm significados distintos. Uma declaração descreve a condição normal e o ambiente do cristão, enquanto a outra diz respeito ao seu caráter e natureza. Há um duplo paralelismo:
“Vede prudentemente como andais” corresponde a “Andai como filhos da luz”. Mas “todos vós sois filhos da luz” corresponde a “Vós sois luz no Senhor”.
Isso deve nos lembrar das palavras do Senhor, quando explicou a parábola do servo negligente: “... os filhos deste mundo são mais prudentes na sua geração do que os filhos da luz” (Lucas 16:8), a comparação que Ele faz não é entre o céu e a terra, mas entre os que pertencem moralmente à economia mundana e aqueles que têm a luz do Senhor. Contudo, em outra passagem na qual o Senhor fala de “filhos do mundo”, e “filhos da ressurreição”, o contraste é meramente entre a nossa condição na economia presente e o que seremos, quando chegarmos ao outro mundo. Ele então usa essa frase nos dois sentidos. Em um caso “filhos deste mundo” (ou desta era) inclui todos os que pertencem a esta economia, no sentido de estarem nela inseridos, enquanto que, na parábola, Ele inclui os que são dela.
Isso não nos parecerá estranho, se colocarmos em mente que na Escritura as palavras têm uma significação oriental e figurada. A verdade é que, mesmo em sentido literal, deveria ser possível, por exemplo, quando o apóstolo Pedro apela aos judeus como “filhos dos profetas”. Sua audiência, é claro, deveria incluir alguns dos reais descendentes dos profetas, mas as palavras que ele acrescentou: “e da Aliança”, deixam claro que esse pensamento não estava em sua mente. Ao dirigir-se aos judeus como “filhos dos profetas e da Aliança”, ele estava apelando aos mesmos, como herdeiros das esperanças e promessas, das quais a Aliança e os profetas falaram. Desse modo, novamente quando o Apóstolo Paulo denuncia Elimas, o mágico, como “filho do diabo”, seus ouvintes orientais iriam entender suas palavras como descrevendo o caráter e a natureza do homem.
E neste mesmo sentido foi que o Senhor rotulou o típico proselitismo dos fariseus usando a expressão “filhos do inferno”.
Capítulo 3
O Filho do Homem
Essa inquirição preliminar vai nos ajudar a apreciar a expressão “Filho” nos títulos do nosso Divino Senhor, primeiro quanto à Sua nomeação de “Filho do Homem”. Seria esta, como dizem os racionalistas e os judeus, um mero hebraísmo, nada significando além do fato de que Ele era humano?
O leitor inglês falha na significação a que nos conduzem as palavras no original, conquanto ela seja reconhecida pelos eruditos. E quanto aos que desejam fugir da mesma, esses dizem que o Senhor falou no idioma Aramaico da Palestina e, nesse dialeto, eles asseguram, a frase não poderia ter o significado a ela atribuído pelos cristãos. Contudo, deixemos de lado discussões desse tipo. Pois as palavras são como os contabilistas, para os quais os valores são fixados pelos que os usam, não podendo haver dúvida quanto à significação que o Senhor deu a Si mesmo, no que se refere ao Seu título favorito.
Quando, por exemplo, Ele exclamou: “As raposas têm covis, e as aves do céu têm ninhos, mas o Filho do homem não tem onde reclinar a cabeça” (Mateus 8:20), Ele deixou claro o contraste implícito, nestas Suas palavras, entre o mais elevado e o mais inferior. As criaturas mais inferiores tinham o seu habitat, enquanto Ele, “O primogênito de toda a criação” (Colossenses 1:15), era um carente [um “sem teto”]. Essa é a primeira ocorrência da frase no Novo Testamento e, na Escritura, a primeira ocorrência é especialmente significativa. É certo que a última vez em que Ele usou este título foi em Sua defesa perante o Sinédrio, tendo sido o seu propósito declarar-se “Filho do Homem” segundo a visão de Daniel 12, afirmando a Sua reivindicação à glória celestial. Pois, enquanto a primeira visão do capítulo 7 de Daniel (e também a do capítulo 2) se referia aos governos terrenos e à sua relação com Israel e ao seu Messias, a visão do capítulo 12, na qual Ele é apresentado como o “Filho do Homem” vindo do céu, revela uma soberania maior e uma glória mais elevada. Em muitos tratados eruditos a questão em pauta é se este é um título apenas messiânico, e em muitos deles essa questão se aprofunda numa inquirição se os judeus o consideravam assim. Contudo, as palavras do Senhor diante do Sinédrio apontam claramente para a conclusão sugerida pelo Seu uso desse título, na passagem já citada, tendo sido a Sua rejeição como o Messias que O levou a declarar-se “Filho do Homem”.
Essa conclusão é confirmada na visão de Estevão, durante o seu martírio. O assassinato deste mártir foi a rejeição definitiva do povo ao seu Messias. Ele foi o mensageiro enviado pelo Rei, a fim de comunicar que Ele já não estaria mais reinando sobre esse povo. E quando os olhos de Estevão se fecharam para este mundo, eles se abriram para a glória celestial descrita em Daniel 12 - “O Filho do homem que estava em pé, à mão direita de Deus!” (Atos 7:56).
Não foi pelo Seu nascimento humano que Ele se tornou “Filho do Homem”. De fato, esse nascimento foi o cumprimento da promessa implícita no Seu nome, mas o “Filho do Homem”, conforme Ele declarou explicitamente, “desceu do céu”, conforme Ele disse: “Que seria, pois, se vísseis subir o Filho do homem para onde primeiro estava?” (João 6:62). Quando, porém, Ele disse que “o Filho do Homem veio buscar e salvar o que se havia perdido” (Lucas 19:10) e “Veio dar a sua vida em resgate de muitos” (Mateus 20:28; Marcos 10:45), a fé corresponde inteligentemente às palavras daquele entre os mais nobres hinos da Igreja: “Quando decidiste tornar-Te homem, não rejeitaste o ventre da virgem”, pois o nascimento virginal era apenas um estágio inicial no cumprimento de Sua missão.
Ele não foi o “Filho da Virgem”, mas o “Filho do Homem”, o qual declarou ser “o Senhor do sábado” e “ter o poder de perdoar pecados”. E conforme a linguagem de nossas versões inglesas, é como “Filho do Homem “que lhe será dada a prerrogativa do julgamento. Ele disse que “... o Pai a ninguém julga, mas deu ao Filho todo o juízo... E deu-lhe o poder de exercer o juízo, porque é o Filho do homem” (João 5:22,27). Mas uma referência ao original revela que neste verso a palavra sugere que o Seu propósito era enfatizar que, pelo fato de ser Ele homem é que fora nomeado para ser o juiz dos homens.
A revelação de “Filho do Homem” leva o cristão espiritual, que tenha aprendido a observar a oculta harmonia da Escritura, a recordar a história da criação: “Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança” (Gênesis 2:26).
(Nota: (Oitenta vezes a expressão “Filho do Homem” acontece na boca do Senhor. Mas aqui, e somente aqui, ela é “anarthrous”. O Bispo Middleton confirma em sua obra “O Artigo Grego”, p. 246, que a ausência dos artigos não faz diferença; e ele diz que ao dizer ‘agora, pela primeira vez, Cristo reivindicou esse título’, em todos os outros lugares Ele o assumiu”. Porem, mais do que certo seria esta uma razão válida, apenas se fosse a primeira vez, ou a última, em que Ele usou essas palavras).
O “tipo”, conforme os biólogos iriam chamar, não é a criatura do Éden, mas Aquele, cuja semelhança fora programada segundo a criatura. Isto sugere a solução do “mistério”. Somos apenas homens e, conquanto os anjos contemplem a face de Deus, nenhum homem jamais O viu nem poderá vê-Lo, pois segundo Paulo, na 1 Coríntios 15:50, “a carne e o sangue não podem herdar o reino de Deus”. Mesmo assim, sendo homens, iremos habitar na glória celestial, quando for cumprida a maravilhosa promessa: “E verão o seu rosto” (Apocalipse 22:4).
Como pode ser explicado este aparente paradoxo? “Carne e sangue” não são essenciais à humanidade. A verdade é que “visto como os filhos participam da carne e do sangue, também ele participou das mesmas coisas, para que pela morte aniquilasse o que tinha o império da morte, isto é, o diabo” (Hebreus 2:14). Ele assumiu um corpo físico, visto como “há corpos celestes e corpos terrestres” (1 Coríntios 15:40). O corpo terrestre pertence ao primeiro homem, o qual é da terra. O corpo celeste pertence ao segundo homem, o Senhor, o qual é do céu. O Senhor do Céu é verdadeiro homem e é como homem que Ele agora está assentado no Seu trono de glória. Contudo, o Seu corpo não é humano. Ele é apenas a tenda, a vestimenta externa que O reveste. “Jesus Cristo é o mesmo, ontem, e hoje, e eternamente” (Hebreus 13:8), o mesmo homem que um dia percorreu as estradas da Galiléia e as ruas de Jerusalém. Ele está entronizado como homem, mas não como “carne e sangue”, pois ao subir aos céus Ele mudou suas vestes.
Também nós seremos transformados. “E, assim como trouxemos a imagem do terreno, assim traremos também a imagem do celestial”
(1 Coríntios 15:49). O modelo do corpo terreno é o de Adão, o homem do Éden. Mas o Senhor vai nos dar um corpo glorificado. Pois o triunfo da Redenção não será apenas restaurar-nos à condição perdida por Adão através do pecado, mas a de conduzir-nos à perfeição da “nova criação”, da qual o Senhor do Céu é o cabeça. Nossos olhos espirituais não estão fixos na bênção do Éden, mas na glória do Monte Santo, pois, “quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele; porque assim como é o veremos” (1 João 3:2). Devemos ter em mente, portanto, a distinção tão claramente expressa na Escritura, entre a glória essencial do Senhor, como “Filho do Homem”, e no que Ele se transformou, em virtude do Seu nascimento virginal. E isso não é tudo. Devemos nos lembrar ainda que, por causa da sua humilhação, Ele foi elevado à Sua posição de glória, acima de tudo o que é revelado nas Escrituras Hebraicas, ou até mesmo nos ensinos doutrinários dos evangelhos. Ele “esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens; e, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até à morte, e morte de cruz” (Filipenses 2:7-8). Por causa de Sua oração, na noite em que foi traído, como poderíamos entender isso? “E agora glorifica-me tu, ó Pai, junto de ti mesmo, com aquela glória que tinha contigo antes que o mundo existisse” (João 17:5). Uma glória mais alta é inconcebível e essa glória Lhe pertencia por direito. Então, qual a significação que pode ser dada ao fato de que Ele foi elevado à mais alta glória em virtude da cruz? Existe apenas uma possível explicação, a saber, que, como homem, Ele foi assim exaltado. Não que como “Filho do Homem” Ele, por direito de herança, tenha voltado ao lugar onde antes estivera, mas como o crucificado no calvário Ele foi entronizado em toda a glória divina.
Isso deve explicar o que a tantos parece difícil. O Apóstolo João não foi apenas “o discípulo amado”, mas também um dos três que presenciaram a Sua glória no Monte da Transfiguração. Como, então, aquela visão de glória serviu apenas para excitar uma admirável adoração, levando os discípulos a orar pelo seu prosseguimento, enquanto João ficou tão completamente extasiado pela visão do Senhor em Patmos? Ele escreve: “E eu, quando vi, caí a seus pés como morto” (Apocalipse 1:17). Pode ser que, enquanto no Monte Santo a visão foi do “Filho do Homem” vindo em Seu Reino, na visão em Patmos Ele se revelou em toda a Sua suprema glória. Ele foi exaltado, como “o que vivo e fui morto, mas eis aqui estou vivo para todo o sempre” (Apocalipse 1:18). Ele era “um semelhante ao Filho do homem, vestido até aos pés de uma roupa comprida, e cingido pelos peitos com um cinto de ouro. E a sua cabeça e cabelos eram brancos como lã branca, como a neve, e os seus olhos como chama de fogo; e os seus pés, semelhantes a latão reluzente, como se tivessem sido refinados numa fornalha, e a sua voz como a voz de muitas águas. E ele tinha na sua destra sete estrelas; e da sua boca saía uma aguda espada de dois fios; e o seu rosto era como o sol, quando na sua força resplandece” (Apocalipse 1:13-16). É assim exaltado que o cristão é convocado a conhecê-Lo e adorá-Lo. Não que haja muitos Cristos, mas “... sobre a sua cabeça havia muitos diademas” (Apocalipse 19:12). Não que esteja perdido para nós o Senhor Jesus nascido em Belém e morto no Calvário. “e ele pôs sobre mim a sua destra, dizendo-me: Não temas; Eu sou o primeiro e o último” (Apocalipse 1:17) foi o que registrou o vidente, na cena em que ele cai como morto diante de tão excelsa glória. Contudo, mesmo que em Sua destra Ele tivesse sete estrelas, era a mesma mão amorosa que havia repousado sobre o Apóstolo, nos dias de Sua humilhação. E embora a Sua voz fosse “uma grande voz, como de trombeta” (Apocalipse 1:10), as palavras eram as mesmas que o discípulo amado estivera acostumado a ouvir, durante o Seu ministério de 40 dias, dAquele que estivera morto e agora estava vivo.
Essa glória suprema Lhe pertencia, repito, por direito inerente, pois “não teve por usurpação ser igual a Deus, mas esvaziou-se a si mesmo” (Filipenses 2:6,7), ou seja, Ele se desvencilhou de tudo por amor aos homens.
A inferência da “mais alta crítica” racionalista é que durante a Sua estada na terra, Ele era de fato um mero homem e, portanto, sujeito à ignorância e ao erro, que prevalecia entre os judeus do Seu tempo. E isso, além de tudo, não simplesmente em assuntos comuns, mas na esfera que mais vitalmente dizia respeito ao Seu ministério e à Sua missão.
É estranho que até mesmo homens não espirituais possam deixar de ficar chocados diante de tal profanação e, mais estranho ainda, é que até mesmo um conhecimento superficial dos Evangelhos não os possibilite a constatar essa falsidade.
(Nota: - Aqui estão as palavras do livro texto padrão dessa seita: “Cristo manteve as noções judaicas do Seu tempo, com respeito à divina autoridade e revelação do Velho Testamento” - (Hasting’s Bible Dictionary - Artigo sobre o Velho Testamento, p. 601).
Pois a antítese tão freqüentemente enfatizada em Seu ensino não foi entre o divino e o humano, mas entre o Pai e o Filho. Nem foi esse o limite de Sua auto-renúncia. Ele não apenas “esvaziou-se a si mesmo”, para vir ao mundo, como ainda foi “achado na forma de homem”. E mesmo assim Ele declarou que perdoava pecados, que era Senhor do sábado, e num momento em que deveria estar na maior fraqueza e vergonha, Ele declarou a Pedro: “Ou pensas tu que eu não poderia agora orar a meu Pai, e que ele não me daria mais de doze legiões de anjos?“ (Mateus 26:53). Nessa conjuntura, seria essa a atitude e a linguagem de “um judeu do Seu tempo”? À medida em que lemos esses relatos, verificamos estar na presença divina do “Filho do Homem”. Contudo, Ele Se humilhou a ponto de desistir até mesmo de Sua liberdade como homem, renunciando não meramente a fazer Sua vontade própria, mas até mesmo a Se expressar em Suas próprias palavras. O mais santo entre os homens não poderia, assim, merecer confiança, quando, em Seu trato com os cativos da Babilônia Deus precisou de um profeta, o qual jamais falaria as mesmas palavras divinamente recebidas. Ele deixou Ezequiel mudo. Dois julgamentos já se haviam abatido sobre a nação: primeiro a servidão, depois o cativeiro na Babilônia. Mas eles foram admoestados que, se continuassem rebeldes, um terceiro julgamento, mais terrível ainda, iria atingi-los - aquele das desolações dos setenta anos; e até aquele dia em que Jerusalém, em sua empáfia e orgulho, foi desolada, a boca de Ezequiel foi fechada, até que lhe sobreveio o Espírito Santo e Deus lhe deu as palavras que deveriam ser proferidas. Mas a auto-renúncia do Filho de Deus foi tão absoluta e sem reservas, que Ele pôde usar a mesma linguagem, conforme João 5:19: “Na verdade, na verdade vos digo que o Filho por si mesmo não pode fazer coisa alguma, se o não vir fazer o Pai; porque tudo quanto ele faz, o Filho o faz igualmente”. Ele também disse em João 12:48-50: “Quem me rejeitar a mim, e não receber as minhas palavras, já tem quem o julgue; a palavra que tenho pregado, essa o há de julgar no último dia. Porque eu não tenho falado de mim mesmo; mas o Pai, que me enviou, ele me deu mandamento sobre o que hei de dizer e sobre o que hei de falar. E sei que o seu mandamento é a vida eterna. Portanto, o que eu falo, falo-o como o Pai mo tem dito”. Seriam estas as palavras de alguém que “manteve as noções judaicas do seu tempo?” Por mais cegos que estivessem os judeus do seu tempo, não o estariam como alguns ministros e professores das universidades “cristãs” de hoje. Pois os judeus puderam reconhecer que “Ele falava com autoridade”. Dos escribas eles costumavam receber um ensino definitivo e dogmático, embasado “na lei e nos profetas”. Mas ali estava Alguém que ficava à parte e os ensinava de uma esfera totalmente diferente. As palavras dos apóstolos e evangelistas eram “inspiradas”, mas as palavras Dele eram as próprias palavras de Deus, no sentido mais elevado. Pois não era um mero corpo de ensino que se tornava divino, mas a exata linguagem, através da qual ele era entregue. Desse modo, em Sua oração ao Pai, na noite em que foi traído, Ele não só pôde dizer: “Dei-lhes a tua palavra”, (João 17:14) como dizer: “Porque lhes dei as palavras que tu me deste” (João 17:8).
Tão completa foi a Sua auto-renúncia e submissão que, além do que o Pai lhe dera para falar, Ele nada sabia e ficou silencioso. Com referência à Sua vinda em glória, por exemplo, Ele declarou: em Mateus 24:36: “Mas daquele dia e hora ninguém sabe, nem os anjos do céu, mas unicamente meu Pai”. Isso excedia à Sua autoridade, pois o Pai não Lhe havia permitido falar sobre isso. Mas quando falava, Ele o fazia com autoridade: “Portanto, o que eu falo, falo-o como o Pai mo tem dito...falo como meu Pai me ensinou” (João 8:50, 28).
Que maravilha, então, que Ele tenha repetido isso, pois as palavras ganharam enorme força por serem parte da mesma verdadeira sentença, que Ele usou para falar do Seu retorno: “O céu e a terra passarão, mas as minhas palavras não hão de passar” (Mateus 24:35). E que maravilha, também, que Ele tenha declarado que o Seu retorno vai causar uma crise mundial.
Capítulo 4
O Filho de Deus
Já vimos, então, que “Filho do Homem” é um título messiânico, no sentido de que este Lhe pertence por ser o Messias de Israel. Vimos ainda que o Senhor assumiu essa mais alta glória, quando Suas reivindicações messiânicas foram rejeitadas e, finalmente, muito ao contrário do que aqui está implícita uma filiação de pai humano, o título é totalmente independente do Seu nascimento humano. Ele foi não apenas o homem nascido em Belém, mas também o “Filho do Homem” que desceu do céu, “Homem” num sentido mais elevado do que o nascimento humano poderia conferir-Lhe.
Ao falar dEle como o homem de Belém e Nazaré, estamos caminhando, como se diz, na parte sagrada, reservada exclusivamente ao povo da Aliança. E quando nos detemos em Sua glória como o “Filho do Homem”, parece que temos ultrapassado o primeiro véu do tabernáculo, além do qual ninguém, a não ser os sacerdotes ungidos, poderia penetrar. Contudo, Ele não é apenas o “Filho do Homem”, mas é também o “Filho de Deus”. E aqui chegamos ao segundo véu, o qual desvenda o mistério do Santo dos Santos. E se nos atrevermos a retirar esse véu, tenhamos cuidado de fazê-lo com a devida reverência e no espírito da profecia, a qual vamos relembrar aqui: “Quem ascendeu ao céu ou quem desceu? ...Qual o seu nome e qual o nome do seu filho, você poderia dizer... “Nada acrescentes às suas palavras, para que não te repreenda e sejas achado mentiroso” (Provérbios 3):6)”. Então, aqui estão algumas palavras do Filho de Deus: “Todas as coisas me foram entregues por meu Pai, e ninguém conhece o Filho, senão o Pai; e ninguém conhece o Pai, senão o Filho, e aquele a quem o Filho o quiser revelar.” (Mateus 11:27). NINGUÉM CONHECE O FILHO SENÃO O PAI. Em outra ocasião Ele disse mais definitivamente ainda: “Ninguém sabe quem é o Filho senão o Pai”... Isso é absoluto e, à luz destas palavras, lemos a declaração do Apóstolo: “o mistério de Deus o Pai, e de Cristo” (Colossenses 2:2).
Quem dera que isso tivesse sido relembrado no passado. Pois a verdade de Cristo tem sofrido mais do zelo errôneo dos Seus eruditos e devotos do que da ignorância e malícia dos seus inimigos hereges e profanos. Existem verdades das quais podemos nos apropriar e essas podemos publicar, por assim dizer, em nossa própria cunhagem. Mas diante de uma verdade tão solene, tão misteriosa e transcendental, nossa parte consiste em simplesmente aceitar o que está escrito e conservar as exatas palavras através das quais elas foram reveladas.
Um incidente na Câmara Francesa deveria nos ensinar aqui uma lição, “porque os filhos deste mundo são mais prudentes na sua geração do que os filhos da luz” (Lucas 16:8). O problema aconteceu em certo distrito, cujo general no comando havia comunicado uma ordem ao Escritório de Guerra, em suas próprias palavras. E quando Ministro da Guerra desafiou o Parlamento a puni-lo, a resposta foi esta: “Ele cometeu um erro. Será removido por ter parafraseado uma ordem, a qual tinha o dever de apenas ler.” Os homens têm pecado gravemente, ao parafrasear as palavras nas quais o mistério de Deus foi revelado. A filiação de Cristo tem sido, assim, definida e explicada nos termos usados para expressar a geração de seres humanos, proporcionando, desse modo, ao judeu uma desculpa a mais para a sua descrença e aos muçulmanos uma chance para suas blasfêmias. [E o que dizer das versões parafraseadas das bíblias modernas, hem?].
Como o título de “Filho do Homem” não significa ter sido Ele gerado por um homem, mas que Ele é a exata personificação da humanidade e não deveríamos interpretar o Seu título de “Filho de Deus” no mesmo princípio? Não é Ele chamado o “unigênito Filho de Deus”? Tão inexata é, de fato, a entrega de nossas versões inglesas modernas.
Etimologicamente “unigênito” como palavra deveria ser equivalente em Inglês à palavra grega aqui usada; mas ao que nos concerne, não é a etimologia da palavra, mas a sua significação. A linguagem do Novo Testamento é amplamente embasada na versão grega do Velho Testamento e essa palavra é usada na Septuaginta para representar um termo hebraico de afeição - termo no qual não há, de modo, algum, sugestão de “procriação”. Ele denota simplesmente “exclusividade” e, por transição natural, tem o significado de “único” e, então, excessivamente amado.
Em seis de cada doze ocorrências, a versão Septuaginta tem “beloved” (amado), a palavra exata pela qual Jesus foi exaltado do céu em Seu batismo e, novamente, no Monte da Transfiguração. E em cada uma dessas seis passagens, nossos tradutores ingleses traduzem como “único”. Em uma passagem do Salmo 48:6, ela é tomada, tanto na Bíblia Grega como na Inglesa, com a significação de “solitário” e em Provérbios 4:8, ela é entregue como um termo afetuoso. Nas quatro passagens restantes, (Juízes 11:84; Salmos 22:20; 25:16 e 35:17), a Septuaginta o traduz como “monogenes”. A primeira destas passagens nos diz que a filha de Jefté era sua filha única. No Salmos 25:16 a palavra vem como “solitário”. Nos Salmos 22:20 e 35:17, a palavra usada é “darling” (querido) [Na Fiel é “predileta”].
Então, quanto ao uso de “monogenes” no Novo Testamento, em três das nove passagens onde o termo ocorre, a significação do mesmo é ”filho único” (Lucas 7:12;8:42 e 9:38), em Hebreus 11:17 como “unigênito”. Sugerimos que os nossos tradutores considerem essa frase inglesa como “afetuoso”, pois Isaque, embora muito amado por seu pai, não era, contudo, filho único [a não ser o filho único da promessa]. Em outras passagens onde o termo ocorre, ele designa o Filho unigênito: (João 1:14,18; 3:16; e 1 João 4:9).
A visão que temos da primeira destas passagens irá influenciar a nossa leitura das demais. “e vimos a sua glória, como a glória do unigênito do Pai.” Então, os revisores têm dado uma tradução literal do texto. E à parte das controvérsias, todos certamente deveriam entender que a glória de Cristo foi a mesma que o Pai daria ao Seu Filho único. Contudo, os comentadores o traduzem de modos diferentes, embora a frase “unigênito do Pai” seja usada, tanto no Grego como no Inglês, e a significação da palavra entregue como “unigênito” seja reconhecida como “único” e “amado”.
Esse é obviamente o pensamento predominante em cada passagem onde a palavra é aplicada ao Senhor. E pode ser averiguada com a confiança em que, a não ser pelas controvérsias de outros tempos, nenhum outro significado teria sido atribuído ao mesmo.”As palavras são os contabilistas dos homens sábios e o dinheiro, dos tolos”. E nesta esfera, acima de todas as outras, elas nos advertem que fiquemos longe da tolice [1 Timóteo 6:10].
(Nota: - O Grimm’s Lexicon nô-la entrega assim: “o único de sua espécie, única”; e acrescenta: Assim Dele fala João, não por causa de geração divina, mas porque Ele é por natureza, ou essencialmente o Filho de Deus”. O Deão Alford diz: “No uso do Novo Testamento ele significa o único Filho” (Greek Testament, Corn.) Bloomfield diz, referindo ao “Amado” de Efésios 1:6: “Ele não deve ser comparado com o ‘monogenes’ de João 1:14, 18; 3:16 e 1 João 4:9, onde o sentido é ‘único e muitíssimo amado’”
A significação de uma palavra é estabelecida pelo seu uso e, tendo em vista o uso escriturístico da palavra aqui em foco, é certo que o dogma ao qual ela está associada deve estar embasado em algum outro fundamento. E embasá-lo sobre o Seu título de “Filho” é, como já vimos, ignorar a significação daquela palavra. Mas como se pode exigir que a Sua filiação seja explicada? Os mistérios da revelação cristã têm isso em comum com os dogmas supersticiosos que têm sido criados, usando-a como base, exigindo aceitação no campo transcendental. Mas aqui termina a analogia, pois embora essas verdades da revelação possam estar acima da razão, ao contrário das superstições, elas nunca vão de encontro à mesma. Contudo, enquanto para o “religioso cristão” a voz da Igreja encerra qualquer controvérsia, e ele se recusa a discutir dogmas do seu credo, o cristão parece ter tão pouca confiança na Palavra de Deus que está sempre ansioso para “explicar” os mistérios de sua fé.
Um claro exemplo do perigo dessa tendência é demonstrado na defesa do Apóstolo Paulo sobre a ressurreição: “Como ressuscitarão os mortos? E com que corpo virão? (1 Coríntios 15:35). Em resposta a esta indagação, ele tenta explicar o mistério: “Insensato! o que tu semeias não é vivificado, se primeiro não morrer?”. (1 Coríntios 15:36). As palavras seguintes são o germe e o grande modelo da “apologia” do Bispo Butler. “Se, argumenta o Apóstolo, não podemos explicar os processos mais familiares da natureza, como por exemplo, o crescimento do trigo que resulta do grão morto e sepultado na terra, como esperar que se possa explicar a ressurreição dos mortos?”
Contudo, se existe um Deus vivo - um Deus Todo Poderoso - não há qualquer improbabilidade no pensamento da ressurreição. E assim, quando levado diante dos juizes pagãos de Cesaréia, o Apóstolo exclamou: “Pois quê? julga-se coisa incrível entre vós que Deus ressuscite os mortos?” (Atos 26:8). E no mesmo espírito bem podemos indagar: por que deveria ser considerada uma coisa inacreditável que o próprio Deus tivesse se manifestado aos homens? Pois, se reconhecemos, como todas as pessoas mentalmente sãs devem reconhecer, a razoabilidade de uma tal revelação, a única pergunta se relaciona com a maneira da mesma.
E a julgar pelos nossos “dicionários e enciclopédias bíblicos”, parece que a nossa decisão sobre essa questão dependeria se o comando divino nos aconselha a ser “sábios e prudentes”. Que Deus trovejou a Sua Lei no Sinai e gravou-a em pedra, o escoteiro “sábio e prudente” vê isso como uma lenda supersticiosa. E que o Seu “Filho unigênito” O revelou, eles rejeitam como misticismo. Se, de fato, em vez de viver numa remota província e entre pessoas supersticiosas - e isso aconteceu na terra e com o povo da Aliança - o Cristo tivesse submetido suas reivindicações a comitês de eruditos científicos em Roma e Atenas, e o “Livro Azul” contendo o registro dos Seus milagres atestados estivesse diante deles, os “sábios e prudentes” iriam acreditar Nele. Mas os cristãos são tão declaradamente simples, que até mesmo se esse “Livro Azul” estivesse disponível, eles ainda iriam preferir o Novo Testamento. E no Novo Testamento eles descobrem que, quando nos dias do Seu ministério, os “sábios e prudentes” O rejeitaram, “Naquela mesma hora se alegrou Jesus no Espírito Santo, e disse: Graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, que escondeste estas coisas aos sábios e inteligentes, e as revelaste às criancinhas; assim é, ó Pai, porque assim te aprouve” (Lucas 10:21). Isso não significa que as “criancinhas” não sejam inteligentes, mesmo sendo geralmente mais ágeis do que os idosos, mas que são crédulas, aceitando como verdade tudo que lhes dizem e, se nesse espírito nos entregamos ao estudo da Bíblia, ficaremos contentes em aceitar a revelação divina sobre Cristo, sem tentar explicar os seus mistérios. Mas nunca ficamos contentes em agir como crianças e isso é deplorável! Pois exatamente como os mistérios da Reparação são “explicados” na linguagem de mercado e da corte judicial, assim também os mistérios da Encarnação são “explicados” de maneira profana!
Porém aqui vou me examinar: “Não sou tão tolo a ponto de imaginar que só os iletrados conseguem embasar o Seu título de ‘Filho de Deus’ sobre o nascimento virginal”. Mas a maioria dos cristãos é constituída de “iletrados”! A primeira ocorrência no Novo Testamento do título completo de “Filho de Deus” é a confissão do Apóstolo Pedro em Mateus 16:16: “...Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo.” Teria sido essa confissão devida à súbita apreciação do fato de que a Mãe do Senhor era uma virgem? A sugestão é tão penosa quanto grotesca. Poderia ser atestado pela “carne e sangue” sobre os conhecidos princípios da evidência. Mas quanto à verdade de Sua Filiação, o Senhor declarou: “...porque to não revelou a carne e o sangue” (v. 17). E assim aconteceu com todos os ONZE, até o fim. Durante todo o Seu ministério Ele havia estado sob constantes interrogatórios, mas de Suas palavras, na última ceia, eles tiraram a conclusão, conforme João 16:30: “Agora conhecemos que sabes tudo, e não precisas de que alguém te interrogue. Por isso cremos que saíste de Deus”. Não por causa do Seu nascimento humano, mas porque Ele era o Filho de Deus por direito imanente. Pois Sua “vinda de Deus” não aponta para a manjedoura de Belém e nem para a data da natividade, mas para uma eternidade, no trono do Pai. Esta é a verdade sobre a qual se estriba a fé cristã, “e esta é a vitória que vence o mundo, a nossa fé... Qualquer que confessar que Jesus é o Filho de Deus, Deus está nele, e ele em Deus”. (1 João 5:4,15). Não existe aqui uma inferência ao nascimento virginal, mas uma revelação do Pai celestial.
Então, se o Seu título de “Filho de Deus” não depende do Seu nascimento virginal - e se é fato de vital importância que a palavra “unigênito” seja usada por Ele somente em relação à Sua ressurreição dos mortos, qual seria, então, a sua significação? A única a ser dada seria a mesma entregue aos que aceitaram os Seus ensinos, os que estiveram entre Ele, enquanto Ele viveu e morreu. Exatamente por ser o “Filho de Deus” é que Ele reivindicou a Sua Divindade. Seus discípulos entenderam isso e O adoraram como Deus. E os que se recusaram a crer Nele desse modo, crucificaram-nO como blasfemador.
Capítulo 5
O Testemunho do Primeiro Evangelho
Os evangelhos podem ser estudados como sendo registros divinamente inspirados do ministério, ou como uma progressiva revelação de Cristo. Não que os ensinos do Senhor fossem divididos cronologicamente em seções, mas é que nos livros que contêm o registro inspirado dos Seus ensinos existe uma definida e sistemática “progressão doutrinária”. O propósito do Primeiro Evangelho (Mateus), por exemplo, é registrar a Sua missão messiânica ao povo da Aliança e ele nada contém, além do que diz respeito a essa missão.
Um perfeito conhecimento espiritual da Escritura talvez seja necessário, a fim de capacitar-nos a reconhecer em Marcos Sua revelação como o Servo de Jeová; mas não se pode negar a proeminência que a humanidade de Cristo mantém no Terceiro Evangelho (Lucas); e o caráter distintivo do Quarto (João), como a revelação do Filho de Deus, é universalmente reconhecido.
Mas embora os Evangelhos se apresentem com quatro feições diferentes, existe apenas um Cristo.
Conquanto o Quarto Evangelho tenha sido escrito apenas para revelá-Lo como o “Filho de Deus”, ele O apresenta também como o Messias de Israel, o Servo de Jeová e o Filho do Homem. Pois esse é o sistema divino na revelação progressiva. O que ainda vai ser revelado é raramente antecipado, mas o que já foi revelado, é incorporado e prossegue. “Veio para o que era seu, e os seus não o receberam”. (João 1:11). Esta breve sentença no início do Quarto Evangelho resume a história de sua missão messiânica, conforme é registrada no Primeiro Evangelho. E quando lemos: “o Verbo se fez carne, e habitou entre nós, e vimos a sua glória, como a glória do unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade” (João 1:14), logo recordamos o Seu nascimento virginal. Não é preciso esclarecer a maneira como este aconteceu, pois já foi dito e tudo quanto resta é entregar a revelação completa do “Filho de Deus’. Apenas o título completo “o Filho de Deus” não deve ser encontrado nos evangelhos anteriores, exceto na confissão de Pedro, na misteriosa homenagem que lhe é prestada pelos demônios, e na acusação sob a qual o Sinédrio O condenou por blasfêmia. Essa acusação provou que Ele havia usado o título em Seu ministério. Mas o Espírito Santo, ao inspirar os registros do ministério, reservou a revelação do mesmo ao Apóstolo, cuja peculiar receptividade o levou a se tornar conhecido entre os irmãos como “o discípulo a quem Jesus amava”. E o propósito do seu Evangelho é expressamente declarado no final do mesmo, falando dos feitos do Senhor: “Estes, porém, foram escritos para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome” (João 20:31), para todos saberem que “Jesus”, o homem nascido em Belém, é o Cristo - o Messias de Israel - e que Ele é o Filho de Deus.
Mas embora o Evangelho de João tenha características tão distintas, ele é apenas um avanço na revelação progressiva, e não, como dizem alguns, um distanciamento de tudo o que havia sido escrito antes. A ilusão de que os outros evangelistas não ensinam a Divindade de Cristo provoca tremenda cegueira, pois não sendo essa verdade confirmada em parte alguma como um dogma, ela está mais que evidente nos registros do ministério do Senhor. Prova abundante disso pode ser encontrada em cada um dos evangelhos anteriores, mas para esse fim basta que se apele ao Evangelho de Mateus.
Tomemos por exemplo o Sermão do Monte. Sobre os Dez Mandamentos lemos: “E veio Moisés, e chamou os anciãos do povo, e expôs diante deles todas estas palavras, que o SENHOR lhe tinha ordenado” (Êxodo 19:7). Na Escritura elas têm uma solenidade especial. Qual foi, então, a atitude do Senhor em relação às mesmas? “Ouvistes que foi dito aos antigos: Não matarás” (Mateus 5:21). Esta fórmula Ele repete cinco vezes. Então, o que pretendia Ele, revogar ou depreciar a lei do Sinai? Longe disso! As palavras são prefaciadas pela declaração de que a Lei é eterna. Mas no relato das “Bem-Aventuranças” Ele fala com mesma autoridade divina do Monte do trovão e do fogo: está é a explanação de suas palavras: Os profetas hebreus falavam da parte de Deus e a expressão “Assim diz o Senhor” prefaciava todas as suas pregações. Embora o Apóstolo Paulo tivesse recebido abundantes revelações, insistindo em que suas palavras tinham autoridade divina, essa autoridade, dizia ele, vinha do fato de que elas eram “mandamentos do Senhor”. Ele próprio se considerava nulo e quase não havia ênfase do seu ego no que ele pregava. Palavras eram geralmente inseridas para marcar a sua insignificância. Em Colossenses, por exemplo, sua maravilhosa epístola, na qual a revelação de Cristo alcança o ápice, nada existe ali que eleve o seu ego, a não ser quando ele afirma ser apenas um servo do Senhor. Já no ensino do Senhor o ego se manifesta com proeminência e a expressão “Eu, porém, vos digo!” substitui a comum “Assim diz o Senhor!”.
Sobre a lei do Sinai e Suas próprias palavras Ele declarou: “O céu e a terra passarão, mas as minhas palavras não hão de passar”. (Mateus 24:35). Em Marcos 13:31 Ele diz: “Passará o céu e a terra, mas as minhas palavras não passarão”. Não matarás, não cometerás adultério, não furtarás ... são palavras dirigidas aos pecadores que ele viera resgatar.
E quando vier o grande “telos”. (Nota de rodapé - (1 Coríntios 15:24,28). Esse “telos” no Grego não é o fim, conforme o sentido da palavra inglesa. Ela não traz a conotação de “término”, mas de resultado, como o final de uma jornada é a chegada ao nosso destino; a realização de um objetivo por nós estabelecido) “Depois virá o fim, quando tiver entregado o reino a Deus, o Pai, e quando houver aniquilado todo o império, e toda a potestade e força”... E, quando todas as coisas lhe estiverem sujeitas, então também o mesmo Filho se sujeitará àquele que todas as coisas lhe sujeitou, para que Deus seja tudo em todos”. Quando o primeiro céu e a primeira terra tiverem passado, então será estabelecido “o tabernáculo de Deus com os homens, pois com eles habitará, e eles serão o seu povo, e o mesmo Deus estará com eles, e será o seu Deus” (Apocalipse 21:3). Então as palavras do Sinai serão apenas a lembrança de um passado maligno, enquanto as palavras do ministério do nosso glorioso Senhor e Salvador hão de permanecer como eterna herança do Seu povo. Inteiramente de acordo com isso, vemos o registro no capítulo 11 de Mateus, focalizando as cidades onde foi realizada a maior parte de suas obras, quando Ele disse que haverá menos rigor para Sodoma, cidade que conhecemos como tendo sido exemplo de infâmia. Mas o que teria feito Cafarnaum? Ele ali havia realizado grandes obras, ensinara em suas ruas, ali residira, tanto que ficou conhecida como Sua própria cidade. Tudo isso prova que em Cafarnaum não devia haver qualquer hostilidade púbica contra o Seu ministério.
Contudo, os seus habitantes “não se arrependeram” e isso era tudo. Sodoma esbanjava desprezo pela Lei Moral entregue estrondosamente no Monte Sinai, mas Cafarnaum deixou de arrepender-se ao ouvir as palavras de Cristo. Por isso Ele disse que o pecado de Cafarnaum era mais grave do que as flagrantes e terríveis iniqüidades de Sodoma. Se as Suas palavras não fossem tão divinas como as do Sinai, o grau de profanação aqui seria memorável.
Mesmo assim, aqui e ali, Ele adotou Sua posição de dependência e sujeição, chamando Deus de Seu Pai, e de Senhor do céu e da terra... A mais absoluta sujeição, aqui e sempre. Contudo, nenhuma sujeição, quer por palavras ou por atos, através do Seu ministério. Notem os termos através dos quais Ele se dirigia ao Pai: “Senhor do céu e da terra”, mas nunca “o Seu Senhor”. Notem ainda o seguinte: Embora fosse Ele o “primogênito de toda a criação”, Aquele para quem e por quem todas as coisas foram criadas, que estava com Deus e era Deus, ao vir ao mundo Ele abdicou de todos os Seus direitos e de toda a Sua glória. E a resposta do Pai foi reinvesti-Lo de tudo a que Ele havia renunciado. Não como nos diria a “Nova Teologia” - após o Seu regresso ao céu, pois até então Ele não pôde reassumir a Sua glória - mas aqui mesmo, no tempo e no cenário de Sua humilhação e rejeição, Ele pôde exclamar: “Todas as coisas me foram entregues por meu Pai...” Antecipando, no mesmo instante, a ansiedade, com tais palavras que excitam o entendimento de Sua personalidade: “Ninguém conhece o pai senão o Filho...”
Outra declaração enfática é a seguinte: “Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei” (Mateus 11:28). Se tais palavras procedessem dos homens mais importantes, mais santos e melhores, nós as receberíamos com indignação. Mas são as palavras Daquele por quem todas as coisas foram criadas, Daquele que falou no Sinai e conhece a gravidade e a penalidade do pecado. Daquele a quem foi confiado todo o julgamento e pode antecipar os decretos do Grande Dia. Daquele - não nos esqueçamos disso - que tendo tomado parte na carne e sangue - conhece nossas canseiras e nossa obras. E quando os homens espirituais se ancoram em Suas palavras, com pensamentos como estes inundando os seus corações, eles não se assentam para engendrar uma cristologia; eles caem de joelhos aos Seus pés, em adoração.
Muitas outras passagens deveriam ser citadas para nos conduzir à mesma conclusão: “Edificarei a minha igreja” (Mateus 16:18); “onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, aí estou eu no meio deles.” (Mateus 18:20); “eis que eu vos envio profetas, sábios e escribas; a uns deles matareis e crucificareis; e a outros deles açoitareis nas vossas sinagogas e os perseguireis de cidade em cidade”. (Mateus 23:34). Duas ou mais declarações como estas, enfatizando amplamente o ego, teriam o gosto de profanação, caso o declarante não fosse Deus. No Segundo Sermão do Monte (Mateus 24 e 25) a mesma conclusão é inevitável. Ali não se encontra a expressão: ”Assim diz o Senhor...” para autenticar Suas palavras, quando Ele considera o grande drama do futuro e fixa o curso dos eventos e os destinos dos homens. Como já vimos, Ele nunca fala de Deus como sendo o Seu Senhor, mas sempre e sempre declara ser o Senhor do povo de Deus. E se não O conhecêssemos como o nosso Deus e Grande Salvador, isso seria por demais incompreensível, para não dizer terrivelmente profano. Os versos finais do Primeiro Evangelho registram as palavras que Ele falou no Monte da Galiléia (Mateus 16:18 e 23:34), o qual Ele escolheu como local de ajuntamento para os seus discípulos, após a Sua ressurreição dos mortos.
É um enigma que qualquer pessoa que aceite o registro como Escritura Sagrada possa negar ou duvidar de Sua Divindade. Tal pessoa deve ter a mente desgovernada. Quem poderia ser Este que tem “todo o poder no céu e na terra?” (Mateus 18:18). Quem é Este que comissiona os Seus discípulos a ensinar os seus mandamentos? Quem é Este que lhes garante: “E eis que eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos” (Mateus 28:20).
E Este é apenas o ornamento visível. Os judeus reconhecem que o Pai é Deus, que o Espírito Santo é Deus. Quem é, portanto, Este que reivindica igualdade com Eles, colocando o Seu Nome no mesmo nível de ambos, tomando a precedência como homem, como poderíamos dizer, diante do Espírito Santo?
Certa vez tive o privilégio de me encontrar com o Dr. Edersheim de Oxford e durante a nossa conversa, ele deixou-me impressa a declaração de que, quando expomos a verdade da Trindade “diante de um judeu, devemos apelar às suas próprias Escrituras”. E para exemplificar as suas palavras, ele citou os versos de Isaías 53. Jeová, diz a profecia, tornou-se o Salvador do Seu povo. Mas como? O Anjo de Sua presença os salvou. A palavra de Moisés foi: “Eis que vos envio um anjo diante de vós; acautelai-vos para dar ouvidos à sua voz”. Se pudesse haver dúvida sobre Quem é aqui o Anjo indicado, então ela seria desfeita pelos termos, nos quais a promessa foi renovada: “Minha presença irá diante de vós”. Daí as palavras do profeta: “O anjo de Sua presença”. Notem o seguinte: “Mas eles se rebelaram e envergonharam o seu Santo Espírito”; então temos Jeová, o Anjo de Sua presença e o Espírito Santo como o Trino Deus da Aliança, na dispensação do Velho Testamento. E no Novo Testamento temos o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Mudou a nomenclatura, mas o Deus é o mesmo.
Alguns, de fato, argumentariam que, em vista do Filho jamais ser designado no Velho Testamento, Sua personalidade começou na encarnação. Contudo, se esse argumento fosse válido, o mesmo aconteceria em relação ao Pai, pois a revelação do “Pai” aguardou a vinda do “Filho”. E se aqueles que adoram o Pai, o Filho e o Espírito Santo são, com justiça, acusados de adorar três deuses, então os que reconhecem o Pai e o Espírito Santo deveriam sofrer a acusação de adorar dois deuses.
(Nota: - 1 - Êxodo 23:20,21, devendo o verso 22 merecer exame. É a voz do Anjo, mas é Deus quem fala - Êxodo 33:14. Comparar as palavras de Estevão em Atos 7:61. A figura da paternidade de Deus ao Seu povo é ocasionalmente usada nos Salmos e nos Profetas, mas o Pai não é encontrado no Velho Testamento. Foi Cristo quem O revelou”.)
Mas como se explica esse mistério? É bom que se reconheça, clara e enfaticamente, que neste assunto não somente as heresias que detrataram a igreja professa, nos primeiros séculos, mas muitas das discussões por elas suscitadas, admitiram que pela pesquisa podemos descobrir Deus e conhecer o Todo Poderoso até à perfeição. Conta-se a história de uma reunião em certa cidade provinciana, na qual o clero local estava falando demais sobre a Doutrina da Trindade. Um bobo do lugar, conhecido por todos como “Silly Billy”, causou diversão pela firmeza com que segurava um lápis e então lhe pediram para ver suas notas. O papel mostrou símbolos de laborioso esforço e muitos fracassos, mas como resultado as linhas seguintes puderam ser decifradas:
“Isso pode Billy ver
Três em Um e Um em Três
E um dos Três morreu por mim.”
O pobre bobo da cidade havia compreendido o que deixam de fazer muitos “sábios e prudentes”.
Capítulo 6
O Testemunho do Quarto Evangelho
Como já observamos, os Quatro Evangelhos foram escritos como relatos muito diferentes sobre Cristo - relatos não biográficos e o relato que nos é entregue no Evangelho de João é o de Cristo como o Filho de Deus. Ao leitor inteligente, suas omissões, das quais o incrédulo sempre se vale para os seus malignos propósitos, promove uma vibrante indicação de Sua autoridade divina e do propósito pelo qual ele foi entregue. O Apóstolo João é o único dos quatro evangelistas que esteve com o Senhor, no Monte da Transfiguração e, contudo, ele é o único a não mencionar essa visão da glória. Ele é o único dos evangelistas que presenciou a agonia no Jardim e, contudo, é o único a silenciar esse fato. Mesmo tendo sido um dos onze discípulos que estavam com o Senhor no Monte das Oliveiras, seu livro não contém sequer uma palavra de registro sobre a Ascensão. Pode ser que essas extraordinárias omissões possam ser explicadas, se nos lembrarmos que na visão do Monte Santo, o Senhor apareceu em glória como o Filho do Homem, enquanto o propósito do Quarto Evangelho é revelá-Lo como o Filho de Deus. Assim, também, com relação ao Getsêmani, temos as explícitas palavras do Senhor: “O Filho do Homem será entregue nas mãos dos homens”. E embora Sua exaltação à destra de Deus O tenha proclamado como o Filho de Deus, isso ficou além do escopo do evangelista, pois foi sobre o ministério terreno que ele foi inspirado a escrever.
Mas existe outra "omissão” muito mais extraordinária do que estas. O escritor é o discípulo a quem o Senhor, na hora da morte confiou os cuidados de Sua mãe. “E desde aquela hora ao discípulo a recebeu em sua casa” (João 19:27). Quantas conversas eles devem ter compartilhado sobre o nascimento sagrado e a infância. Quantas horas ele deve ter estado a escutar as suas excitantes reminiscências! E como deve ter sido inesquecível o registro impresso em sua memória e em seu coração! E mesmo que nenhuma palavra seja aqui encontrada sobre a visita do anjo, a hospedaria em Belém e a vida familiar em Nazaré, Ele estava no mundo... “E o verbo se fez carne, e habitou entre nós”. Isso é tudo! Pois embora Aquele de quem fala o evangelista seja o Homem de Belém e Nazaré, novamente aqui não é Dele, como homem, que o Apóstolo é inspirado a escrever, mas como o Filho de Deus. (Nota: - O Evangelho Messiânico de Mateus também omite a Ascensão porque as palavras finais do mesmo pertencem ao tempo, cuja dispensação, segundo Zacarias 14:4, ainda será cumprida. (Comparar com Atos 1:11). E Cristo enviará o Seu povo terreno como missionário para evangelizar o mundo inteiro.)
“Inspirado”, advertimos mais uma vez, pois se essas omissões não devem ser contabilizadas pela liderança e restrição divina que chamamos “inspiração”, qual a explicação que nos dariam destas? “Ponhamos-nos em nosso lugar!” Se qualquer um de nós tivesse passado pelas experiências do Apóstolo João, seria concebível que escrevêssemos um livro sobre o Senhor, sem responder às mesmas? De fato, se este Evangelho fosse mera obra humana, ele representa um fenômeno psicológico muito extraordinário e sem paralelo na literatura mundial. Leiamos estas palavras em João 1:1-4: “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas foram feitas por ele, e sem ele nada do que foi feito se fez. Nele estava a vida, e a vida era a luz dos homens.”
O livro foi escrito, segundo fomos expressamente informados, para que pudéssemos crer que Jesus Cristo é o Filho de Deus, livro iniciado com a proclamação de que Ele é Deus. Ele é chamado “Filho do Homem” por ser “Verdadeiro Homem” e é chamado “Filho de Deus” por ser “Verdadeiro Deus”. O livro em sua totalidade destina-se a confirmar a Sua Divindade.
O leigo costuma exagerar o valor relativo da evidência direta, enquanto o advogado reconhece que nenhum testemunho é mais convincente do que o incidental, e aqui, como na nota precedente do Primeiro Evangelho, temos a prova incidental para a qual eu chamaria rapidamente a sua atenção.
Para o cristão, a declaração positiva de que o “Verbo era Deus” parece estabelecer um final de controvérsia, contudo esta declaração foi usada pelos arianos para provar que Ele ocupava uma posição subalterna. E quando a leitura alternativa do verso 18: “Deus nunca foi visto por alguém. O Filho unigênito, que está no seio do Pai, esse o revelou” lhes foi imposta, parece que eles tomaram posse destas palavras como distinguindo-O do Pai, único Deus no sentido mais elevado. Realmente, a controvérsia ariana fornece uma prova do que muitas vezes havia sido observado - que os Pais foram influenciados pelo paganismo que prevalecera em seu meio e no qual tantos deles haviam andado, antes de sua conversão ao Cristianismo. E para a mentalidade pagã nada parecia absurdo, nem mesmo incongruente, na concepção de um Deus subordinado. Enquanto para nós, que imaginamos Deus como um Ser Supremo, isso envolve uma contradição em termos e nos parece mera tolice. Conosco, portanto, o assunto é definitivo, isto é, se Cristo é Deus ou simplesmente homem.
Sendo assim, sintamo-nos livres dos erros que a religião possa excitar nas mentes de muitos e também da mentalidade relaxada que nos conduz a dar um consentimento leviano às verdades que, se realmente aceitas, iriam nos influenciar a vida inteira. E no mesmo espírito de pesquisadores honestos, e aplicados à verdade, tentemos captar a significação das palavras do Senhor Jesus, conforme registradas neste livro. Aqui estão alguns dos seus pronunciamentos colhidos a esmo, numa mesma seção: João 6:41: “E sou o pão que desceu do céu...” 6:47-48: “Na verdade, na verdade vos digo que aquele que crê em mim tem a vida eterna. Eu sou o pão da vida”. 7:38: “Quem crê em mim, como diz a Escritura, rios de água viva correrão do seu ventre”. 8:12: “: Eu sou a luz do mundo; quem me segue não andará em trevas, mas terá a luz da vida.” 8:51: “Em verdade, em verdade vos digo que, se alguém guardar a minha palavra, nunca verá a morte”. 8:58: “Em verdade, em verdade vos digo que antes que Abraão existisse, eu sou”. 10:11,17,18: “Eu sou o bom Pastor; o bom Pastor dá a sua vida pelas ovelhas... Por isto o Pai me ama, porque dou a minha vida para tornar a tomá-la. Ninguém ma tira de mim, mas eu de mim mesmo a dou; tenho poder para a dar, e poder para tornar a tomá-la. Este mandamento recebi de meu Pai”. 10:27,28,30: “As minhas ovelhas ouvem a minha voz, e eu conheço-as, e elas me seguem; e dou-lhes a vida eterna, e nunca hão de perecer, e ninguém as arrebatará da minha mão... Eu e o Pai somos um”.
À medida em que ponderamos sobre tais palavras, parece que nos colocamos sob a luz do sol, ficando prontos a exclamar, conforme o fez Tomé: “Senhor meu e Deus meu!” (João 20:28). Contudo, alguns de nós temos mentes tão constituídas que algumas vezes nuvens de dúvidas nos escurecem o firmamento individual e nos indagamos: “Como posso ter certeza de que estas são realmente as palavras de Cristo?” Então vejamos outra declaração Dele, cuja genuinidade tem sido confirmada pelos fatos: “Pois, assim como o Pai ressuscita os mortos, e os vivifica, assim também o Filho vivifica aqueles que quer V. 22: E também o Pai a ninguém julga, mas deu ao Filho todo o juízo; V. 23: para que todos honrem o Filho, como honram o Pai. Quem não honra o Filho, não honra o Pai que o enviou. V. 24: Na verdade, na verdade vos digo que quem ouve a minha palavra, e crê naquele que me enviou, tem a vida eterna, e não entrará em condenação, mas passou da morte para a vida. V. 25: Em verdade, em verdade vos digo que vem a hora, e agora é, em que os mortos ouvirão a voz do Filho de Deus, e os que a ouvirem viverão. V. 26: Porque, como o Pai tem a vida em si mesmo, assim deu também ao Filho ter a vida em si mesmo; V. 27: E deu-lhe o poder de exercer o juízo, porque é o Filho do homem. V. 28: Não vos maravilheis disto; porque vem a hora em que todos os que estão nos sepulcros ouvirão a sua voz. (João 5:29) “E os que fizeram o bem sairão para a ressurreição da vida; e os que fizeram o mal para a ressurreição da condenação”.
Aqui o Senhor, sem qualquer sombra de dúvida, reivindica honra igual à do Pai. Ele declara no verso 21: “Pois, assim como o Pai ressuscita os mortos, e os vivifica, assim também o Filho vivifica aqueles que quer”. Isso porque Ele tem a vida em Si mesmo, não uma vida derivada ou delegada, mas uma vida como somente Deus tem. Ele ainda acrescenta que será sob o Seu comendo que os mortos se levantarão dos túmulos. Que significação devemos dar a palavras como estas? No capítulo 11 temos a resposta, pois aí lemos sobre um túmulo que escondia um cadáver já em decomposição, nos versos 43-44: “E, tendo dito isto, clamou com grande voz: Lázaro, sai para fora. E o defunto saiu, tendo as mãos e os pés ligados com faixas, e o seu rosto envolto num lenço. Disse-lhes Jesus: Desligai-o, e deixai-o ir”.
A fé viva de Marta poderia tê-la munido de poder para salvar a vida do seu irmão. Ela mantinha, sobretudo, uma crença convencional sobre a “ressurreição do último dia”, e contudo, fora incapaz de captar a verdadeira significação de Suas palavras, quando Ele disse: “Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em mim, ainda que esteja morto, viverá” (João 11:25). Então, quando Ele ordenou que se abrisse o túmulo, ela depressa O advertiu: “Senhor, já cheira mal, porque é já de quatro dias” (v. 39). A isso Jesus respondeu: “Não te hei dito que, se creres, verás a glória de Deus?” . E foi ali que ela teve a visão da glória, pois em obediência às Suas palavras: “Lázaro, sai para fora”, o que estava morto ressuscitou!
As pessoas que rejeitam a direção divina implícita na inspiração, podem duvidar racionalmente da veracidade de um registro falado. Contudo, esta é uma narrativa dos fatos. Aqui o escritor faz um relato detalhado dos eventos que sucederam diante dos seus olhos. Ele conhecia pessoalmente Lázaro de Betânia. Ele o viu sair do túmulo em obediência às palavras de Cristo. “Desligai-o, e deixai-o ir”.
A casuística do ceticismo pode minimizar a narrativa dos milagres de outro tipo, mas aqui está um caso no qual é impossível haver erro. A não ser que toda a história seja uma fabricação - e nesse caso, o escritor seria um profano impostor - mas a ressurreição de Lázaro é um fato. E se a ressurreição é um fato, “o enigma do universo” está resolvido: Deus, o autor e doador da vida”, manifestou-se ao homem. E assim, a Divindade de Cristo fica estabelecida.
O racionalista se acha inteligente demais para reconhecer isso. E para salvar sua cara, ele rejeita o Quarto Evangelho. Mas se alguém que professa crer nas Escrituras nega ou questiona a Divindade de Cristo, ele não apenas renega a sua profissão de fé cristã, como viola a própria razão. Pois ninguém, a não ser Deus, poderia dar vida a um cadáver em decomposição. Contudo, pode-se dizer que o Apóstolo Pedro trouxe Dorcas de volta à vida e que notáveis milagres foram operados também pelos apóstolos. Sim, mas isso deveria ser mais uma prova da Divindade do Senhor Jesus. Pois foi em Seu Nome que todas as obras poderosas foram realizadas. Em Seu Nome e não no Nome do Pai. Quando o Apóstolo Paulo declarou: “em nada fui inferior aos mais excelentes apóstolos...”, logo acrescentou: “ainda que nada sou (2 Coríntios 12:11), e também na sua grata declaração: “Posso todas as coisas em Cristo que me fortalece” (Filipenses 4:13), ele diz que nele não havia poder algum, mas Naquele que pode fortalecer os que devem agir em Seu Nome. Ele tem a vida em Si mesmo, vida no sentido de que ninguém, exceto Deus, tem vida, de modo a poder dizer: “Eu sou a vida!”
Contudo, poder-se-ia indagar: “Não foi a Sua oração, diante do túmulo de Lázaro um reconhecimento de Sua dependência do Pai?” Dependência, sim, porém não no sentido de incompetência ou de fraqueza, mas de total submissão. Esta oração deve ser lida à luz de Suas palavras: “nada faço por mim mesmo” (João 8:28). Mas também destas palavras: “O Filho vivifica aqueles que quer” (João 5:21). Esse poder e essa vontade estavam em absoluta sujeição à vontade do Pai.
Capítulo 7
O Testemunho de Tiago e Hebreus
“Tiago, servo de Deus, e do Senhor Jesus Cristo...” (Tiago 1:1).
É quase impossível que um cristão gentio possa apreciar a admirável mudança na mente e no coração de um judeu, conforme indicada nestas palavras. Embora houvesse muitas seitas e heresias no Judaísmo, a grande verdade de um Deus único era mantida com apaixonado fervor por todos os judeus, tantos pelos ortodoxos como pelos hereges. Contudo, aqui, a Divindade de Cristo é reconhecida, sem qualquer equívoco, por alguém que durante o Seu ministério havia permanecido em constante descrença.
A superstição mostra o Cristo do ministério com um halo sobre a cabeça e o ceticismo o representa como um repetidor das “notas judaicas da época”. E, conquanto os cristãos O adorem como Deus, eles se recordam das palavras de Isaías 53:2: “não tinha beleza nem formosura”. Mesmo tendo o capítulo 53 diante dos olhos, talvez nenhum cristão possa entender como um judeu poderia considerar o Senhor e o Seu ministério. De Messias Ele não tinha coisa alguma – nem passado, nem presente, nem possibilidade intelectual ou religiosa, nem até mesmo nacional - para atrair o seu povo, mas apenas para ser rejeitado.
Esta admirável citação de Edersheim, na sua obra “Life and Time of the Messiah”, p. 145, talvez possa nos ajudar a apreciar o testemunho da Epístola de Tiago. A verdade da Divindade de Cristo deve ter sido imposta ao escritor através de provas muito contundentes. E como essa verdade é assumida sem qualquer palavra de "apologia” ou de explicação, ela deve ter sido aceita por todos os cristãos judeus a quem essa epístola foi endereçada.
“Tiago, irmão do Senhor” (Gálatas 1:19) é o único escritor do Novo Testamento que jamais O nomeia de outro modo, a não ser de “Senhor’. De fato, ele O nomeia apenas mais uma vez, quando diz: “Meus irmãos, não tenhais a fé de nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor da glória...” (Tiago 2:1). É concebível que um homem educado como um judeu pudesse escrever tal sentença, a não ser que ele cresse que Jesus Cristo era Deus! Um fato de extrema significação é que através de sua epístola ele usa o título “Senhor”, sem fazer qualquer distinção entre o Pai e o Filho. Seu testemunho deve ter acrescentado peso entre os que o consideravam como um judeu “judaizante”.
Contudo, eu faria um protesto contra a depreciação desta epístola, feita por alguns dos pais da Reforma: “A atual teologia da cristandade considera esta dispensação como o clímax dos propósitos de divinos de abençoar a terra; mas o Novo Testamento o representa como um episódio, compondo o intervalo entre o desprezo do povo da Aliança e sua restauração ao favor. Durante esse intervalo, a Igreja, Corpo de Cristo, está sendo reunida e a Igreja em seu aspecto inferior, como organização pública na terra, deveria, conforme o propósito divino, preencher o lugar que deveria ter sido preenchido pelo povo da Aliança. Mas pela apostasia do Cristianismo, o principal canal se transformou num lago estagnado, e a Igreja professa, como um todo, resvalou do lugar que originalmente lhe fora consignado”
Para nós, hoje em dia, tudo isso é verdade elementar, pois os Pais tinham apenas uma apreensão parcial da mesma e os reformadores alemães compartilharam essa ignorância. Contudo, o que aqui nos diz respeito, especialmente na dispensação pentecostal transitória, registrada em Atos dos Apóstolos, é que os judeus ainda ocupavam uma posição distinta. Enquanto “primeiramente ao judeu” (Romanos 2:10) caracteriza isso de todos os modos, “ao judeu somente” marcava a sua fase inicial. E nesse período é que a Epístola de Tiago foi consignada, especialmente ao ministério em vigor.
Exatamente porque a igreja pentecostal era judaica é que, ao lavar em conta a evidência indireta da Divindade de Cristo, a crença dos antigos discípulos é tão importante. Pois seria inconcebível que esses judeus convertidos viessem a adorar dois deuses e, contudo, as epístolas que lhes eram especialmente destinadas deixam claro que a sua crença na Divindade de Cristo estava fora de qualquer controvérsia ou dúvida.
(Nota: - Aqui fica subentendido que o Tiago da epístola do mesmo nome era o “Irmão do Senhor”, pois o estudo de muitos tratados no sentido de provar o contrário me deixou satisfeito em admitir essa relação. De fato, Mateus 13:55 é conclusivo. O judeu comum “do mundo” nada conhecia a respeito de um “Messias pré-existente”. O Cristo que eles esperavam era alguém do seu próprio povo e, portanto, o fato deste possuir primos era levado em conta como algo normal. Por isso eles supuseram que João Batista era o Cristo (Lucas 3:15). Mas o fato Dele ter irmãos e irmãs pareceu-lhes repugnante).
Um estudo cuidadoso da questão cronológica convenceu-me de que estavam corretos os que colocaram a Epístola de Tiago, talvez, antes do outros escritos do Novo Testamento. Ela pertence ao período da dispensação pentecostal, quando a totalidade da igreja ainda era de judeus e quando os seus locais de reunião ainda eram chamados de “sinagogas” (Tiago 2:2).
Para muitos o testemunho da Epístola aos Hebreus pode parecer mais claro neste sentido do que a de Tiago, embora aqui não possamos apelar com certeza à personalidade do escritor. Ninguém com experiência ao tratar desse tipo de questão poderá ignorar o peso ou a evidência que liga o Apóstolo Paulo a esta epístola, ou as dificuldades que giram em torno da possibilidade de sua autoria. Tratando de tais problemas de maneira prática, o erudito sempre encontra em algum ponto incidental uma saída do labirinto de um idêntico impasse. E aqui a sentença de um PS tipicamente Paulino na epístola, talvez possa sugerir a solução de tão debatida questão: “Rogo-vos, porém, irmãos, que suporteis a palavra desta exortação; porque abreviadamente vos escrevi” (Hebreus 13:22).
Isso tem sido geralmente descartado como um convencionalismo sem importância, pois Hebreus é uma das epístolas mais longas. Além disso, como já se tem observado muitas vezes, os doze primeiros capítulos são mais um tratado do que uma epístola. E como é ao capítulo 13 que os defensores da hipótese paulina apelam, não seria possível que o último capítulo contivesse “algumas palavras” acrescentadas pelo grande Apóstolo, ao remeter o tratado àqueles para quem o mesmo fora escrito?
(Nota: - Esta não é uma teoria criada às pressas, para fortalecer o meu argumento, mas uma crença que tenho guardado há muitos anos. Uma declaração a ser embasada neste assunto iria exigir longa explanação, a qual fugiria ao escopo destas páginas).
Mas qualquer que seja a visão a respeito de sua autoria, o testemunho que a epístola entrega sobre a Divindade do Senhor é conclusivo. Mesmo descartando qualquer questão sobre a inspiração, e considerando-a tão somente como uma obra humana, ela prova, além de qualquer dúvida, que a doutrina da Divindade de Cristo já ocupava espaço naquele tempo, entre as certezas da fé.
Aqui não devemos ultrapassar o capítulo 1, isto é, as sentenças de abertura do mesmo, conforme Hebreus 1:1-3: “Havendo Deus antigamente falado muitas vezes, e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas, a nós falou-nos nestes últimos dias pelo Filho, a quem constituiu herdeiro de tudo, por quem fez também o mundo. O qual, sendo o resplendor da sua glória, e a expressa imagem da sua pessoa, e sustentando todas as coisas pela palavra do seu poder, havendo feito por si mesmo a purificação dos nossos pecados, assentou-se à destra da majestade nas alturas”.
Se tudo isso se aplica a uma criatura, então as palavras nada significam e a doutrina cristã deve ser descartada como uma confusão de hipérbole e superstição. E se o Filho não é uma criatura, então ele deve ser Deus. Nenhuma alternativa pagã pode, neste caso, ser aceita por um cristão ou por um judeu.
E essa conduz àquela sutil fase de erro, a qual Lhe atribui uma divindade secundária, ao mesmo tempo em que se recusa a reconhecer a Sua Divindade. Apelos são feitos a inúmeras passagens, que representam Deus como agindo através do Filho, quer na esfera da criação, de governo ou da redenção. Também é enfatizada a declaração de que há “Um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, e por todos e em todos vós”. (Efésios 4:6)
Mas se na leitura sociniana estas palavras são corretas, então, em vista do monoteísmo não compromissado da Escritura, devemos relegar o nosso Senhor e Salvador à posição de um confrade criado e prestar-Lhe qualquer homenagem divina, que não passará de idolatria pagã e de traição contra Deus.
O lugar proeminente que essa dificuldade tem ocupado em todas a controvérsias, durante tantos séculos, é uma prova de sua realidade e de sua magnitude. Mas logo será resolvida, não pelo abandono do Cristianismo, mas pela aceitação das palavras claras e enfáticas de nosso Senhor Jesus Cristo, pelas quais Ele declara sua unidade com o Pai: “Eu e o Pai somos um” (João 10:30).
“O Pai está em mim e eu nele” (João 10:38) “Quem me vê a mim vê o Pai... eu estou no Pai, e que o Pai está em mim” (João 14:9-10). É com a indireta evidência desta verdade que estou tratando. E como já foi observado, o perito estabelece um alto valor a evidências desse tipo. Declarações que ensinam explicitamente a Divindade de Cristo podem ser desperdiçadas pelos que recusam a verdade; mas ninguém pode fugir ao testemunho entregue pelas crenças dos primeiros discípulos. E a força desse testemunho é muito maior do que reconhecem os nossos teólogos. Os tratados eruditos que discutem se os judeus criam ou não em um Messias Divino pré-existente são estranhamente vazios. Pois, quer seja no primeiro século ou no século XX, somente os iluminados espiritualmente é que crêem na Divindade de Cristo. E toda influência desse tipo, a qual, para nós, leva os homens a dar um cego assentimento a essa doutrina, operou no sentido de prejudicar o judeu não regenerado contra a mesma. E os Evangelhos deixam claro que com a pequena companhia daqueles que, em meio à apostasia universal, estavam “esperando pela redenção”, a questão em vista era se o Nazareno era realmente o Filho de Deus. Mas com o judeu comum o próprio fato de Sua reivindicação de ser o Filho de Deus tornou-se uma conclusiva evidência de blasfêmia. As crenças dos discípulos, portanto, foram formadas e expressadas em oposição a toda influência que a autoridade eclesiástica poderia trazer em suporte às mesmas. Na Cristandade, todos os que consideram a Igreja como o oráculo de Deus, professam crer que Cristo é Divino, exatamente como crêem que a “hóstia consagrada” é a Sua carne. Mas o judeu não regenerado, de 1.900 anos atrás, permanece intelectualmente num nível mais elevado do que o cristão nominal de hoje, pois sua crença era embasada na Escritura Sagrada. Contudo, eles compartilham a incapacidade de todos os homens não espirituais, de receber os Seus ensinos espirituais. De fato, as heresias dos saduceus eram apenas um formal desenvolvimento dos pensamentos e dúvidas que são comuns a todos os homens não regenerados, cujas mentes não são distorcidas nem cegas pela superstição. Isso continua prevalecendo amplamente hoje em dia. Pois, enquanto a revolução intelectual do século XVI restabeleceu a autoridade da Bíblia, o que resultou no Protestantismo, a revolução dos séculos XVII e XVIII conduziram a uma orgia de infidelidade. E, infelizmente, o movimento de nossa própria época já não segue a trilha da Reforma.
Mas isto é digressão. Todo judeu esperava o Messias. Só que no judaísmo não estava clara a linha de divisão entre a política e a religião. E assim, enquanto todos esperavam que Ele fosse um profeta e um líder religioso, as esperanças dos homens comuns estavam fixas na vida de um grande campeão nacional, o qual iria libertá-los do jugo dos gentios, restaurando-os à prosperidade e à grandeza dos dias passados.
Mas a fé do pequeno grupo dos discípulos do Senhor há muito foi removida dos credos e das esperanças dos homens carnais. “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo” (Mateus 16:16). “Tu és o Filho de Deus; tu és o Rei de Israel” (João 1:49); Estas foram típicas confissões de fé. Ninguém, exceto Cristo, poderia ser o Rei de Israel, e Cristo era o Filho de Deus no sentido mais lato do termo. A confissão de Tomé: “Senhor meu e Deus meu!” (João 20:28) foi a expressão total dessa verdade. E se alguém conseguir imaginar que um judeu devoto poderia ter expressado tais palavras diante de uma simples criatura, ou que o Senhor iria aceitar as mesmas, se não tivesse afirmado a Sua Divindade, não há lugar algum para discussão.
Capítulo 8
O Testemunho do Apóstolo Paulo
Ao “discípulo amado” e ao grande Apóstolo aos Gentios foram confiadas as revelações culminantes de Cristo. A cegueira da infidelidade ao rejeitar em campos a priori a inspiração verbal da Escritura é exposta até mesmo pelos fatos do espiritualismo - fatos que são atestados por homens de elevado caráter, alguns deles eminentes cientistas e eruditos. Pois esses homens testificam de comunicações recebidas do mundo espiritual; não meras impressões, mas também mensagens triviais, como aquelas dos tempos do “spirit rapping” (abdução espiritual), mas comunicações verbais autênticas, algumas vezes faladas através de lábios humanos e escritas através de mãos humanas.
Aceitar tais fatos e ainda negar que o Deus que nos criou fala através de inspirados profetas e apóstolos, não favorece o ceticismo inteligente, mas a tola superstição e a sistemática descrença.
Contudo, o espiritualismo também pode nos ensinar mais do que a maioria dos cristãos parece constatar quanto aos meios de inspiração. As palavras do Apóstolo sobre a proibição do casamento e abstenção de carne referem-se aos cultos demoníacos dos últimos tempos e é, exatamente, no fastidioso asceticismo daquela seita onde os “médiuns” são poucos. Devemos estar bem certos de que Deus exige uma adequação infinitamente maior das pessoas através de quem Ele fará revelações ao Seu povo. É verdade que em circunstâncias especiais um sacerdote saduceu havia recebido uma mensagem divina para os seus confrades, exatamente como um mudo jumento foi usado certa vez para censurar a loucura de um profeta [Balaão]. Mas todos os videntes hebreus - de Moisés até Malaquias - foram treinados para o seu ministério nas mais severas escolas divinas. Como Aquele de quem falavam, eles foram aperfeiçoados através do sofrimento.
E o que foi verdade em relação aos profetas do Velho Testamento, não foi menos verdadeiro em relação aos santos homens, aos quais as revelações do Novo Testamento foram confiadas. Pois, como disse o mais importantes deles, “Porque tenho para mim, que Deus a nós, apóstolos, nos pôs por últimos, como condenados à morte; pois somos feitos espetáculo ao mundo, aos anjos, e aos homens” (1 Coríntios 4:9). Aqui temos o registro dos sofrimentos pessoais, até mesmo num estágio comparativamente inicial do seu ministério: “Recebi dos judeus cinco quarentenas de açoites menos um. Três vezes fui açoitado com varas, uma vez fui apedrejado, três vezes sofri naufrágio, uma noite e um dia passei no abismo; em viagens muitas vezes, em perigos de rios, em perigos de salteadores, em perigos dos da minha nação, em perigos dos gentios, em perigos na cidade, em perigos no deserto, em perigos no mar, em perigos entre os falsos irmãos; em trabalhos e fadiga, em vigílias muitas vezes, em fome e sede, em jejum muitas vezes, em frio e nudez. Além das coisas exteriores, me oprime cada dia o cuidado de todas as igrejas” (2 Coríntios 11:24-28). “Uma vez fui apedrejado” - É estranho como se tem dado pouca atenção ao martírio de Paulo em Listra. Apedrejamento era um modo comum de executar uma sentença de morte sob a lei judaica. E até mesmo quando infligida judicialmente, a morte era rápida e segura. Contudo, o apedrejamento de Paulo não foi uma execução, mas um assassinato, e os seus assassinos eram homens, cujas paixões eram inflamadas pelo ódio religioso. A ferocidade e brutalidade de sua ação é indicada pela narrativa. A ordem dada para aquele apedrejamento foi para que o mesmo fosse executado “fora do campo”, e no caso de uma cidade, deveria ser executado fora do portão. Mas em seu ódio contra Paulo esse detalhe foi ignorado e então, após tê-lo apedrejado, “o arrastaram para fora da cidade, cuidando que estava morto” (Atos 14:19). Arrastaram-no como se fosse o cadáver de um cachorro. Se aqui terminasse o relato, poderíamos conjeturar que Paulo foi levado pelos seus discípulos, para longe dali e amorosamente restaurado à vida, e que, após muitas semanas de sofrimento ele ficou em forma para reiniciar o seu ministério. Mas, dentre todos os milagres de cura no Novo Testamento nada existe mais maravilhoso do que o que realmente aconteceu ali. “Mas, rodeando-o os discípulos, levantou-se, e entrou na cidade, e no dia seguinte saiu com Barnabé para Derbe. E, tendo anunciado o evangelho naquela cidade e feito muitos discípulos, voltaram para Listra, e Icônio e Antioquia” (Atos 14:20-21). Se já houve um milagre, certamente este foi um!
(Nota: - Eles o apedrejaram, não à maneira judaica, mas tumultuosamente, e nas ruas, tendo-o arrastado para fora da cidade (Alford). O Sentido exato é “E tendo prevalecido sobre a multidão, para que lhes permitisse apedrejar Paulo, eles o arrastaram para fora da cidade”. Na certa, fazendo referência às injúrias brutais e injustas lançadas contra os cadáveres dos malfeitores executados, os quais eram geralmente apanhados pelos calcanhares e lançados fora dos portões da cidade” (Bloomfield).
Se realmente atravessou os portões da morte, naquele dia tenebroso, e foi trazido de volta à vida, o Apóstolo jamais soube dizer:
“(... se no corpo, se fora do corpo, não sei; Deus o sabe) Foi arrebatado ao paraíso; e ouviu palavras inefáveis, que ao homem não é lícito falar”
(2 Coríntios 12:3-4). Ele foi arrebatado ao terceiro céu e ouviu palavras inefáveis. Sua visão na estrada de Damasco foi narrada sempre e sempre, mas as glórias do paraíso e as palavras ali ouvidas ultrapassaram a possibilidade da expressão humana.
Bem, para que ele não se exaltasse pela excelência das revelações e para evitar-lhe a soberba, foi-lhe dado “um espinho na carne, um mensageiro de satanás”, para que sua vida se transformasse em martírio. A natureza dessa aflição tem sido objeto de muita conjectura. Ela, evidentemente, começou depois da “revelação” e a inferência natural é que se tratava de sofrimentos físicos aos quais a revelação estava associada. Que era algo que tendia a afastá-lo do ministério público torna-se evidente, “algo em seu aspecto ou personalidade, que o afligia com agonia e humilhação”. Contudo, uma saída de emergência é necessária para se chegar a uma conclusão. Em Corinto a sua pregação fora considerada “desprezível”, enquanto no início do seu ministério ele havia sido enaltecido como orador. Pois, embora Barnabé não fosse um homem de capacidade e marca medíocres, não foi ele, mas Paulo quem foi saudado em Listra como Mercúrio (deus da eloqüência). Então qual seria a explicação para esse paradoxo?
Poderia acontecer, naturalmente, que o apedrejamento lhe tivesse causado uma paralisia facial, ou uma moléstia ainda mais aflitiva, que tivesse destruído o controle de suas feições, tornando-o objeto de zombaria aos membros hostis de cada audiência às quais ele se dirigia? Isso eu me atrevo a opinar, foi o seu “getsêmani” - aflição da qual ele três vezes suplicou que o Senhor o livrasse. Quanto mais estudamos essa maravilhosa personalidade, mais insatisfatória se nos apresenta a visão comum de que era apenas “um espinho na carne”, do tipo que muitos cristãos carregam, sem murmuração.
(Nota: - É bastante digno de nota que sempre que ele se apresentava diante de ouvintes cultos, como, por exemplo, seus vários juizes romanos, o Apóstolo parecia merecer alta consideração e respeito. Sua aflição atraía a cortesia desses homens, enquanto entre o povo comum ela excitava repulsa. Diz-se que essa aflição iria afetar a sua vítima em diferentes graus, em diferentes ocasiões. (2 Coríntios 12). Bloomfield cita autoridades para a conjectura de que “essa enfermidade constava de uma afecção paralisante e hipocondríaca, que lhe causava uma distorção de continência e outros efeitos aflitivos.” Ainda é dito que supunha-se tratar de um milagre imperfeito e incompleto de cura, para o que não se encontra qualquer respaldo na Escritura. Mas, certamente, as palavras do Apóstolo indicam que ele sabia que sua experiência era peculiar. Suportar “um espinho na carne” tem acontecido a multidões entre o povo de Deus, mas sofrer uma punção, como se diz, após terem sido os ferimentos divinamente curados, isso era de tal modo exclusivo que ele deixou de aceitar, por duas vezes, a resposta à sua oração pela cura. Devemos acatar os que entendem essas palavras gráficas, significando nada menos que uma “agonia de punção”.)
“Eis aqui vos digo um mistério: Na verdade, nem todos dormiremos, mas todos seremos transformados” (1 Coríntios 15:51). Com que agonia de coração o Apóstolo deve ter dito estas palavras, quem sabe, com a boca retorcida, ou talvez escritas com mãos trêmulas. E talvez nem possamos entender, com a nossa mente estreita, algo a respeito de sua fé calma e triunfante, quando seguindo a sua vida estranhamente trágica e recordando a glória que Deus lhe havia concedido, ele escreveu estas palavras adicionais: “Porque a nossa leve e momentânea tribulação produz para nós um peso eterno de glória mui excelente” (2 Coríntios 4:17).
Tais são os caminhos de Deus com os homens, ou, pelo menos com aqueles que Ele escolhe para uma honra especial. Paulo foi escolhido para ser não apenas uma testemunha do Cristo ressurreto, mas um recipiente de revelações mais elevadas com respeito a Ele, revelações que atingiram o seu clímax nas epístolas escritas em seu cativeiro.
(Nota: - A palavra para “thorn” (espinho) pode significar uma estaca de empalhamento, em Inglês “thorn” ou “splinter”. Os que sustentam a tese de que a aflição do Apóstolo era uma oftalmia, apelam para Números 33:55: “vos serão por espinhos nos vossos olhos...”, conforme a Septuaginta. Para mim, a declaração mais capacitada é a do Deão Ferrar em sua “Vida e Obra de São Paulo”. Mas as referências do Apóstolo à sua visão seriam levadas em conta, pois se fosse esse o seu problema, seria resolvido atualmente por um Oftalmologista).
Tratados têm sido escritos para provar que ao regressar a Jerusalém, quando Senhor o enviou aos gentios, ele foi um segundo Jonas e que sua prisão em Roma foi um castigo divino. Mas isso ignora o caráter pentecostal daquela dispensação, na qual os judeus tinham prioridade na oferta da graça. E, além do mais, se isso fosse verdade, na certa alguma referência velada a isso teria sido encontrada em suas epístolas posteriores. Mas nada existe. “Por isso sofro trabalhos e até prisões, como um malfeitor; mas a palavra de Deus não está presa.” (2 Timóteo 2:9) são as descrições gráficas de sua posição na cidade imperial - não sendo essa a linguagem de um Jonas arrependido.
Talvez não devêssemos crer que todos os seus passos foram “ordenados pelo Senhor?” E não pode ser que em nossa rude e obscura estimativa do que significa “inspiração” falhemos em descobrir que foi essa exata disciplina que o capacitou a receber e a compartilhar a revelação culminante de Cristo? Não devemos esquecer que o seu ministério de escrever a epístola que contém essa revelação foi incomparavelmente mais importante do que os seus trabalhos evangelísticos. Das igrejas que ele fundou quase nenhum traço sobrevive, mas as suas epístolas permanecem como uma herança de valor inestimável e eterno para o povo de Deus.
É o intenso e não comprometido monoteísmo do judeu que dá tanta força ao testemunho incidental suprido pelas suas epístolas sobre a Divindade de Cristo. E o nosso conhecimento da personalidade e dos antecedentes do Apóstolo aos gentios empresta enorme peso às suas palavras, no que diz este respeito a isso. Sendo um fariseu fanático, nos dias que antecederam a sua conversão, e profundamente versado no ensino rabínico, todas as suas convicções e perdas tê-lo-iam proibido o uso de uma linguagem que poderia ser interpretada como um tributo de honra divina, a qualquer pessoa que não fosse Deus. Conquanto, portanto, uma frase como “grande Deus e nosso Salvador, Jesus Cristo” (Tito 2:13), caso fosse escrita pelos Pais gregos, pudesse, possivelmente, proceder dos engenhosos comentários da exegese sociniana, o seu uso pelo Apóstolo é uma prova de que para ele a Divindade de Cristo era uma verdade divina.
As saudações na abertura das epístolas, e também a sua bênção apostólica, suprem uma prova adicional da mesma, pois, tanto na saudação como na bênção, Cristo é nomeado no mesmo nível de Deus: “Graça e paz tenhais de Deus nosso Pai e do Senhor Jesus Cristo” (1 Tessalonicenses 1:1 e muitas outras).
(Nota: - Aceito a veracidade da rendição acima; e não estou discutindo a questão da inspiração, pois se os seus escritos não são inspirados, então não há motivo para discussão).
É absolutamente inconcebível, repito, que qualquer homem educado no judaísmo pudesse ter usado tais palavras, a não ser que Jesus Cristo estivesse entronizado como Deus em seu coração. E com uma força ainda maior, caso possível, essa observação se aplica à linguagem do Apóstolo, em suas posteriores “epístolas do cativeiro”, escritas em sua vida de prisioneiro. Tomemos, por exemplo, suas palavras dirigidas a Tito 2:13: “Aguardando a bem-aventurada esperança e o aparecimento da glória do grande Deus e nosso Salvador Jesus”. Disso não podemos fugir, ao rejeitar a leitura revisada das palavras; pois mesmo que fossem construídas, Jesus Cristo é aqui nomeado Deus, da maneira pela qual a mente judaica iria considerar blasfêmia, caso Ele não fosse Deus.
(Nota: - Devemos observar que palavras idênticas usadas sobre a redenção de Jeová, na versão grega de Êxodo 19:5, são aqui citadas aplicando-se a Cristo. E também que a palavra “Salvador” ocorre duas vezes em cada capítulo desta epístola, uma vez de Deus e outra vez de Cristo. Embora, é claro, a palavra em si mesma não tenha a conotação de Divindade, é inacreditável que o Apóstolo a tivesse usado três vezes em sentido menos elevado, quando aplicada a Cristo. Os cristãos não terão dúvida de que ela é usada como título divino em cada uma das 24 ocorrências no Novo Testamento, com exceção, talvez, de Efésios 5:23: “...sendo ele próprio o salvador do corpo.” E em 15 dessas ocorrências ela é usada para Cristo).
Nessa conexão, a acusação a Timóteo, no encerramento da Primeira Timóteo, exige enfática menção: “Conjuro-te diante de Deus, e do Senhor Jesus Cristo ... Que guardes este mandamento sem mácula e repreensão, até à aparição de nosso Senhor Jesus Cristo... Aquele que tem, ele só, a imortalidade, e habita na luz inacessível; a quem nenhum dos homens viu nem pode ver, ao qual seja honra e poder sempiterno. Amém”. (1 Timóteo 5:21, 6:14,16). E os comentaristas ainda discutem sobre a qual das três Pessoas da Trindade se referem estas palavras? E aqueles que aplicam toda a passagem ao “Filho” podem concluir que “Aquele que tem, ele só...”, equivale à de “Deus, único dominador e Senhor nosso, Jesus Cristo”, de Judas 4 e que em Apocalipse 19:16, o título de “Rei dos reis e Senhor dos senhores” é dado, definitivamente, Àquele cujo nome é chamado o Verbo de Deus. Mas me atrevo a sugerir que é por causa das controvérsias sobre o assunto que aqui, como em muitas outras passagens, levantamos uma questão, que jamais possa ter existido na mente do Apóstolo.
Não apenas na leitura das epístolas, mas talvez até mesmo em suas orações, os cristãos sempre se embaraçam com as Pessoas da Trindade, pois a significação deste termo é sempre mal compreendida, conquanto nenhum traço desse embaraço possa ser encontrado na Escritura. De fato, mesmo parecendo paradoxal, a interpretação que encontramos nesta sublime doxologia e em outras Escrituras semelhantes, prova que nenhuma dificuldade desse tipo se apresentava na mente do Apóstolo. Pois para ele “O Filho” era o “nosso Deus e grande Salvador”. E nestas palavras, portanto, não houve afastamento algum do Filho para o Pai; mas por natural transição os seus pensamentos sobre “nosso Senhor Jesus Cristo” se fundiam no pensamento de Deus. Vou concluir, citando uma passagem de cada umas das três principais epístolas escritas durante a sua primeira prisão. A seguinte oração em favor dos efésios:
“Para que o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da glória, vos dê em seu conhecimento o espírito de sabedoria e de revelação; tendo iluminados os olhos do vosso entendimento, para que saibais qual seja a esperança da sua vocação, e quais as riquezas da glória da sua herança nos santos; e qual a sobreexcelente grandeza do seu poder sobre nós, os que cremos, segundo a operação da força do seu poder, que manifestou em Cristo, ressuscitando-o dentre os mortos, e pondo-o à sua direita nos céus. Acima de todo o principado, e poder, e potestade, e domínio, e de todo o nome que se nomeia, não só neste século, mas também no vindouro; e sujeitou todas as coisas a seus pés, e sobre todas as coisas o constituiu como cabeça da igreja, que é o seu corpo, a plenitude daquele que cumpre tudo em todos”. (Efésios 1:17-23).
Aos filipenses ele escreve: “De sorte que haja em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, que, sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus, mas esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens; e, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até à morte, e morte de cruz. Por isso, também Deus o exaltou soberanamente, e lhe deu um nome que é sobre todo o nome; para que ao nome de Jesus se dobre todo o joelho dos que estão nos céus, e na terra, e debaixo da terra, e toda a língua confesse que Jesus Cristo é o SENHOR, para glória de Deus Pai”. (Filipenses 2:5-11).
E na passagem seguinte da Epístola aos Colossenses, a revelação de Cristo atinge o ápice do seu desenvolvimento: “E ele é a cabeça do corpo, da igreja; é o princípio e o primogênito dentre os mortos, para que em tudo tenha a preeminência. Porque foi do agrado do Pai que toda a plenitude nele habitasse, e que, havendo por ele feito a paz pelo sangue da sua cruz, por meio dele reconciliasse consigo mesmo todas as coisas, tanto as que estão na terra, como as que estão nos céus” (Colossenses 1:18-20).
Para o incrédulo estas palavras podem parecer uma simples rapsódia, mas para os cristãos elas são divinas. E a esses eu apelaria para que as lessem sempre e nelas ponderassem, até que suas mentes e seus corações ficassem completamente saturados com as mesmas. Pois eu diria, na linguagem de Ruskin, linguagem exagerada quando usada com referência aos escritos humanos, mas verdadeira e apropriada, quando aplicada à Escritura Sagrada: “Vocês devem adquirir o habito de observar intensamente as palavras, assegurando-se de sua significação, sílaba por sílaba, e até mesmo, letra por letra.”
E lendo as Escrituras desse modo, todo traço de dúvida e incredulidade será anulado quanto a Quem é Aquele de Quem elas falam. Pois quem não for débil mental ou espiritualmente cego poderá discernir se essas palavras se referem a uma criatura.
Capítulo 9
O Testemunho da Revelação
Ao homem mundano a Bíblia pode parecer simplesmente uma coleção de escritos religiosos, mas o cristão espiritual encontra provas abundantes de sua “oculta harmonia” e orgânica unidade. O Livro de Gênesis é, como se sabe, o capítulo inicial da Bíblia. No Livro de Apocalipse encontramos a sua legítima conclusão. Gênesis nos introduz à pessoa dramática (dramatis persona) do volume sagrado e nos oferece um insight do seu cenário e propósito. Ali encontramos o relato da criação e da queda, o castigo do dilúvio, a apostasia e dispersão dos descendentes de Noé, a chamada de Abraão e a origem do povo escolhido. E na promessa da “semente da mulher” - e na tipologia do livro - temos a profecia e a garantia da redenção. Em Apocalipse todos os retalhos da história - o tipo, a profecia e a promessa - que estão dispersos em meio às antigas Escrituras - são coletados e encaminhados à sua consumação final. Até mesmo nas seções de abertura do livro as sucessivas promessas “ao que vencer”, fazem críticas referências ao passado. Em Éfeso o vencedor compartilha com o Adão confiável o direito à árvore da vida, que se encontra no paraíso de Deus. Em Esmirna ele compartilha com Noé a intimidade da “segunda morte” - o julgamento que trouxe a “primeira dispensação” a um final. Em Pérgamo ele compartilha com Moisés o maná escondido. Em Tiatira ele exerce o governo real de Davi. Em Sardes ele fala dos confrades dos profetas e da recompensa aos que fizerem a boa confissão, nos dias da apostasia.
“A lei e os profetas duraram até João” (Lucas 16:16), cuja missão foi anunciar a vinda do Filho de Deus. Então foi decretada uma nova dispensação, a qual, mesmo tendo perdurado pouco tempo, conforme a medida dos calendários humanos, foi absolutamente além de toda comparação - uma dispensação de transição, que, embora cristã, ainda continuava judaica, a qual liquidou toda a aparência de judaísmo. Em Filadélfia, portanto, o “vencedor” é chamado a compartilhar as realidades celestiais, das quais o Templo, que antes fora o local de adoração terrena, e a cidade que fora o centro da bênção terrena, transformaram-se em meras sombras. Em Laodicéia, que representa a dispensação chegando agora ao final, não há referência ao passado, nenhum traço de simbolismo ou terminologia judaicos; e o “vencedor” é o seguidor Dele, o qual, como a “testemunha fiel e verdadeira”, alcançou o trono através da trilha que O levou até a cruz.
Toda a Escritura é profética porque é divina, mas com ênfase especial é o Livro de Apocalipse declarado com o nome de profecia. E como o assunto principal da profecia sempre se refere a Cristo, o livro é iniciado, adequadamente, com uma visão de Sua glória e termina com uma promessa do Seu breve retorno. Mas para a maioria dos cristãos, tanto a visão como a promessa são negligenciados ou ignorados. Pois a Sua obra redentora foi completada no passado, e, portanto, os homens não espirituais já não precisam Dele. E como a glória de Sua presença iria conduzir à vergonha, à pobreza e à nudez espiritual daqueles que professam ser seus discípulos, o pensamento de Sua Vinda é embaraçoso e não acalentado.
Lembramo-nos das palavras do Apóstolo: “Ainda que também tenhamos conhecido Cristo segundo a carne, contudo agora já não o conhecemos deste modo” (2 Coríntios 5:16). Não que o cristão desista de um jota ou um til do registro da vida terrena do Salvador, mas que sua fé repousa sobre a ressurreição, a glorificação e a Vinda do Senhor, e ele se volta do Cristo da glória para o Cristo da humilhação. Mas a religião cristã é fundamentada sobre “o Cristo segundo a carne” e essa influência governa os pensamentos e a linguagem até mesmo dos cristãos espirituais. Seu efeito deplorável sobre a nossa literatura religiosa é aparente em toda parte. Na maior parte das vezes, os nossos tratados teológicos, de fato, e os nossos populares livros “devocionais”, parecem não mais cristãos, quando lidos à luz das visões da glória entregues ao Apóstolo João, ou as grandes revelações doutrinárias confiadas ao Apóstolo Paulo. E como essas Escrituras iriam atrapalhar os hábitos de pensamento e expressão “recebidos pela tradição de nossos pais”, nós as ignoramos e claudicamos em direção à nossa religião do “Cristo segundo a carne”. O resultado é que o antigo “Evangelicalismo” dá margem à incrustação do Racionalismo e da superstição. Sob a pressão do ceticismo agressivo muitos encontram guarida em mergulho mais profundo numa falsa religião. A ortodoxia pode, assim, ser mantida pela cega obediência à “voz da igreja”. Mas ortodoxia não é fé e nem a voz da igreja é a Palavra de Deus. Com os jovens, contudo, o lapso geralmente é em direção ao “modernismo” e ao movimento céptico mascarado de “Mais Alta Crítica”.
Os homens - pelo menos neste país - que lideram essa cruzada não são acusáveis de deslealdade intencional a Cristo, pois falham em compreender o verdadeiro caráter do objetivo final. O simbolismo do último capítulo de Efésios é tomado de empréstimo do campo de batalha, sendo um meio pelo qual o gênio militar se mostra com a capacidade de detectar o objetivo real do avanço de um inimigo. O ataque à Sagrada Escritura é apenas uma manobra e esses homens estão cumprindo a sua parte num movimento estratégico dirigido contra Cristo. Pois é somente através da Palavra Escrita que podemos alcançar a Palavra Viva e quando desistimos de uma, perdemos as duas.
Mas, diz-se, como pode a rejeição de um livro como Daniel, por exemplo, afetar a nossa fé em Cristo? Quando Daniel é rejeitado, o Apocalipse vai junto com ele e um claro testemunho da Divindade de Cristo é perdido. Porém, mais que isso, se “Moisés e os profetas” forem desacreditados, somos confrontados pelo fato de que o Senhor se identificou com os seus escritos. E somos forçados a concluir que Ele próprio foi uma vítima inocente de falsas crenças e superstições. Se uma dessas alternativas for aceita, a “rocha das Sagradas Escrituras” prova ser apenas areia movediça. Ou então, se conforme se gabam os críticos, a outra alternativa será “um resultado seguro” da nova iluminação, na qual pessoa alguma que não seja hipnotizada pela superstição abraçará o dogma da Divindade de Cristo.
Tais passagens, como o primeiro capítulo de Colossenses, devem ser rejeitados como a rapsódia de um entusiasta, e as visões do Apocalipse, como sonhos diários de um místico brilhante. Porém, o tema destas páginas não é a autoridade divina da Escritura, mas a Divindade de Cristo, e no que especialmente nos concerne, aqui está o testemunho dessa verdade que o Apocalipse promove.
No prefácio do livro o todo é descrito como “a profecia”. E como alguns expositores iriam excluir as epístolas às igrejas dessa categoria, é universalmente admitido que tudo que segue cairia na mesma exclusão. Nenhum leitor cuidadoso poderá deixar de ver que se “o Cordeiro” dessas visões não é Deus, Ele suplantou Deus em toda parte. Do capítulo 4 até o final, “o Pai” é nomeado apenas uma vez e não em contraste com “o Cordeiro”, mas em íntima união com Ele. Isso ocorre na visão do capítulo 14:1, no qual o vidente contempla o Cordeiro de pé sobre o Monte Sião “E olhei, e eis que estava o Cordeiro sobre o monte Sião, e com ele cento e quarenta e quatro mil, que em suas testas tinham escrito o nome de seu Pai”.
O mesmo ocorre nas visões posteriores. O capítulo 19:1 inicia com um coro celestial: “E, depois destas coisas ouvi no céu como que uma grande voz de uma grande multidão, que dizia: Aleluia! Salvação, e glória, e honra, e poder pertencem ao Senhor nosso Deus”. É a condenação à igreja apóstata na terra que evoca esse repentino louvor no céu. Em seguida, no verso 6, em resposta a uma voz do trono, outro coral se levante com voz de poderosos trovões: “...Aleluia! pois já o Senhor Deus Todo-Poderoso reina”. E do céu aberto irrompe Aquele que agora sabemos ser o Salvador, mas que aqui se apresenta como “o Vingador”: “E vi o céu aberto, e eis um cavalo branco; e o que estava assentado sobre ele chama-se Fiel e Verdadeiro; e julga e peleja com justiça. E os seus olhos eram como chama de fogo; e sobre a sua cabeça havia muitos diademas; e tinha um nome escrito, que ninguém sabia senão ele mesmo. E estava vestido de uma veste salpicada de sangue; e o nome pelo qual se chama é a Palavra de Deus.” (Apocalipse 19:11-13). Já não é a aspersão do sangue que fala mais alto que Abel, mas o sangue da profecia do juízo da qual fala Isaías. Aqui as palavras do profeta estão para se cumprir “Atendei-me, povo meu, e nação minha, inclinai os ouvidos para mim; porque de mim sairá a lei, e o meu juízo farei repousar para a luz dos povos” (Isaías 61:2). O vidente acrescenta: “E no manto e na sua coxa tem escrito este nome: Rei dos reis, e Senhor dos senhores” (Apocalipse 19:16). Esse é o título universal Daquele, cujo nome “é a Palavra de Deus”. Sua identidade aqui está clara demais. Tenhamos, firmemente, em vista que o Deus da Bíblia é ÚNICO e que Ele é manifestado em Cristo e revelado pelo Espírito Santo.
Isso aparece mais claramente na visão final da Cidade Celestial. Nessa Nova Jerusalém não há templo algum, “porque o seu templo é o Senhor Deus Todo-Poderoso, e o Cordeiro. E a cidade não necessita de sol nem de lua, para que nela resplandeçam, porque a glória de Deus a tem iluminado, e o Cordeiro é a sua lâmpada.” (Apocalipse 21:22,23).
Um trono, um templo, uma luz - Deus e o Cordeiro inseparavelmente UM. Tão absoluta é essa unidade que as “leis do pensamento” e “as regras gramaticais” são ignoradas. Embora Deus e o Cordeiro sejam o grosso da visão, é o Seu Nome que os redimidos devem carregar e a Sua face que eles hão de ver.
Trazer essas visões para o nível da controvérsia religiosa seria deplorável. Vamos ponderá-las até que nossas mentes sejam saturadas com as palavras, exatamente como são reveladas, e toda dúvida quanto à Divindade de Cristo, que morreu por nós, será desfeita. E se a sombra de uma dúvida ainda permanecer, a seqüência bastará para bani-la. Pois quando o Apóstolo se ajoelha em adoração aos pés do glorioso Ser, que tem sido o seu guia e mestre nessas visões celestiais, é rapidamente advertido: “... Olha, não faças tal; porque eu sou conservo teu e de teus irmãos, os profetas, e dos que guardam as palavras deste livro. Adora a Deus” (Apocalipse 22:8,9). O mais elevado do seres criados é um servo igual ao santo mais humilde. E se Cristo não é Deus, mesmo estando Ele neste mesmo alto nível, toda a adoração a Ele prestada é idolatria e, portanto, pecaminosa.
E agora, diante dessa inexorável alternativa, voltemos ao capítulo de abertura. A “Revelação de Jesus Cristo” é o título divinamente dado ao livro, liderando todo o conteúdo do mesmo. Sob esta luz, lemos então as palavras: “Eu sou o Alfa e o Ômega, o princípio e o fim, diz o Senhor, que é, e que era, e que há de vir, o Todo-Poderoso” (Apocalipse 1:8).
“Alfa e Ômega” é um título que pertence exclusivamente a Deus, o qual é por Ele reivindicado no princípio e no fim deste livro:
“Eu sou o Alfa e o Ômega, o princípio e o fim, diz o Senhor, que é, e que era, e que há de vir, o Todo-Poderoso. Eu, João, que também sou vosso irmão, e companheiro na aflição, e no reino, e paciência de Jesus Cristo, estava na ilha chamada Patmos, por causa da palavra de Deus, e pelo testemunho de Jesus Cristo. Eu fui arrebatado no Espírito no dia do Senhor, e ouvi detrás de mim uma grande voz, como de trombeta, Que dizia: Eu sou o Alfa e o Ômega, o primeiro e o derradeiro; e o que vês, escreve-o num livro, e envia-o às sete igrejas que estão na Ásia: a Éfeso, e a Esmirna, e a Pérgamo, e a Tiatira, e a Sardes, e a Filadélfia, e a Laodicéia. E virei-me para ver quem falava comigo. E, virando-me, vi sete castiçais de ouro; e no meio dos sete castiçais um semelhante ao Filho do homem, vestido até aos pés de uma roupa comprida, e cingido pelos peitos com um cinto de ouro. E a sua cabeça e cabelos eram brancos como lã branca, como a neve, e os seus olhos como chama de fogo; e os seus pés, semelhantes a latão reluzente, como se tivessem sido refinados numa fornalha, e a sua voz como a voz de muitas águas. E ele tinha na sua destra sete estrelas; e da sua boca saía uma aguda espada de dois fios; e o seu rosto era como o sol, quando na sua força resplandece. E eu, quando vi, caí a seus pés como morto; e ele pôs sobre mim a sua destra, dizendo-me: Não temas; Eu sou o primeiro e o último; e o que vivo e fui morto, mas eis aqui estou vivo para todo o sempre. Amém. E tenho as chaves da morte e do inferno” (Apocalipse 1:8-18).
“A conclusão simples e natural é que Jesus foi o filho de José e Maria e teve uma infância tranqüila”. Essa é a crença alternativa que o infiel nos oferece em troca da fé em Cristo. E minha desculpa por citar palavras que não podem deixar de ferir os sentimentos cristãos é que, nestes dias de leviandade e pensamento superficial, muitos dos que se ressentem de uma acusação de apostasia estão correndo o perigo de se afastar da fé em Cristo e, portanto, é bom levá-los a verificar o perigo que os ameaça. Pois negar a Divindade do Senhor Jesus Cristo é rebaixá-lo ao nível de mera humanidade e, sendo assim destruídos os fundamentos do Cristianismo, a sua superestrutura cai aos pedaços. A doutrina de uma morte expiatória desapareceu. “De fato, até a sugestão parece absurda”, escreveu o autor supra citado. E o Getsêmani e o Calvário vão acabar se tornando paralelos, não só à história de muitos mártires, mas com os sofrimentos do homem comum. Pois, ele acrescenta, “Muitos soldados britânicos sofreram uma morte tão brava como a de Jesus”. E “uma imensa quantidade de tolices piedosas tem sido falada e escrita sobre a agonia do Senhor no Getsêmani. Essa agonia deve ter sido tão grande como a de Jesus”.
(Nota da tradutora: Quando eu era católica e assistia aos filmes de 007, pensava: “Está ali um homem que sofreu mais do que Jesus!” É que eu não entendia ainda (por não ser nascida de novo), que Jesus é Deus e o Seu sofrimento não tem paralelo algum com o sofrimento de qualquer mortal).
O refinamento e a cortesia natural dos escritores, tais como os do distinto racionalista citado, na página de abertura deste volume, os leva a esconder as legítimas deduções de sua crença errônea, a fim de que a declaração deles não venha chocar ou ferir o sentimento cristão. Mas o escritor supra citado não se retrai em nenhuma espécie de considerações. E suas palavras até podem fazer bem, se, exatamente em razão de sua depravada profanação e rudeza, elas puderem conduzir os diletantes e indecisos a verificar a natureza do abismo ao qual a apostasia de Cristo poderá conduzi-los.
Capítulo 10
Por Amor do Seu Nome
Pessoa alguma, que aceite as Escrituras como divinas, vai poder negar que no Seu ministério pessoal o Senhor Jesus reivindicou a Sua Divindade. A crucificação é uma prova pública de que Ele, de fato, confirmou essa reivindicação, pois sabemos que a expressa razão pela qual os judeus conspiraram pela Sua morte foi porque Ele não somente desrespeitava o sábado como ainda chamava Deus de Seu próprio Pai: “Se o homem recebe a circuncisão no sábado, para que a lei de Moisés não seja quebrantada, indignais-vos contra mim, porque no sábado curei de todo um homem? ... Os judeus responderam, dizendo-lhe: Não te apedrejamos por alguma obra boa, mas pela blasfêmia; porque, sendo tu homem, te fazes Deus a ti mesmo”. (João 7:23; 10:33). Sua afirmação de ser Senhor até do sábado era em si uma afirmação de ser Ele igual ao Deus do Monte Sinai. E quanto ao fato Dele se declarar Filho de Deus é que Ele pretendia que os seus ouvintes O entendessem.
Isso Ele deixou inequivocamente claro. A acusação contra Ele era tal que se fosse falsa, qualquer israelita piedoso tê-la-ia rejeitado com horror. Mas, em vez de rejeitá-la, Ele a aceitou de um modo pelo qual até mesmo os homens comuns poderiam entender. Pois Ele depressa confirmou Sua unidade absoluta com Deus, dizendo que o Pai era responsável por todos os Seus feitos, inclusive, é claro, o milagre que eles consideravam uma violação à lei divina. Em seguida, Ele afirmou Sua igualdade com Deus como “autor e doador da vida” - uma prerrogativa suprema da Divindade. E, por fim, Ele afirmou o Seu exclusivo direito à prerrogativa igualmente divina do julgamento.
Meu objetivo ao recapitular isso agora é apropriar-me das palavras seguintes, as quais podem levar os corações cristãos a uma pesquisa, nos dias atuais. A razão por que todo o julgamento Lhe foi entregue, Ele declarou, foi “para que todos honrem o Filho, como honram o Pai” (João 5:23).
(Nota: - Em Inglês isso deveria significar “honrar o Filho, além de honrar o Pai”. Mas as palavras usadas pelo Senhor implicam em dar ao Filho a mesma honra dada ao Pai. Ele fala sobre isso 8 vezes no capítulo 17 (versos 2,11,14,16,18,21,22,23), ficando sempre implícito: “até mesmo como” e “do mesmo modo como”).
Os homens do mundo acham que Ele foi apenas um grande Buda que viveu e morreu na terra. Estes nada conhecem sobre o Senhor vivo que agora reina no céu. Parece-lhes natural, portanto, falar sobre ele como “um homem chamado Jesus Cristo”. Mas como podem os cristãos verdadeiros, que professam honrá-Lo como honram o Pai, rebaixá-Lo de tal maneira? É de esperar que a muitos deles isso aconteça apenas por motivo de imprudência ou ignorância bíblica. E se estas páginas puderem conduzir alguns a se convencerem desse erro, então elas não terão sido escritas em vão.
“Antes, santificai ao SENHOR Deus em vossos corações” (1 Pedro 3:15) é uma exortação da qual precisamos nos lembrar continuamente. Pois se Ele foi entronizado em nossos corações como Senhor, a confissão de nossos lábios será o resultado natural (Romanos 10:9). De fato, essa confissão é uma característica imediata e uma prova de discipulado, pois “ninguém pode dizer que Jesus é o SENHOR, senão pelo Espírito Santo”. (1 Coríntios 12:3). Ora os lábios de qualquer um poderiam falar essas palavras, é claro, mas é interessante que os não espirituais jamais dirão “Senhor Jesus”. Eles podem chamá-lo de “Jesus”, de “Jesus Cristo”, ou até usar certos termos como “nosso Salvador”, mas “Senhor Jesus”, nunca!
(Nota: - Isso aparece tanto na narrativa dos evangelhos como na expressão claramente recomendada pelo Senhor para a prática: “Vós me chamais Mestre e Senhor, e dizeis bem, porque eu o sou” (João 13:13).
No tempo do Novo Testamento os discípulos assim O chamavam - SENHOR. Não que seguissem uma regra estabelecida, mas em razão de um instinto espiritual. E isso mesmo deveria acontecer conosco. Na esfera social não é pela regra, mas por um instinto de cortesia que nos dirigimos a outras pessoas e com elas falamos de modo respeitoso. E nesta esfera o nosso instinto espiritual deveria ser ainda mais correto, caso não fôssemos amortecidos e depravados pelas maléficas influências que prevalecem ao nosso redor.
Em Atos 19:13 está registrado: “E alguns dos exorcistas judeus ambulantes tentavam invocar o nome do Senhor Jesus sobre os que tinham espíritos malignos, dizendo: Esconjuro-vos por Jesus a quem Paulo prega”. Para os discípulos Ele era o “Senhor Jesus”, mas para os judeus exorcistas Ele era apenas “Jesus”. Muitos indagam: “Por que não deveríamos chamá-lo simplesmente Jesus, se esse é o nome citado nos evangelhos?” é estranho que um povo que batalha veementemente pela Escritura possa dar essa prova de falta de fé na mesma. Pois se ela significa alguma coisa, fica implícita uma autoridade divina dos livros sagrados, controlando a autoridade dos escritores humanos.
Se as “Cartas da Rainha Vitória” fossem publicadas anonimamente, a maneira pela qual elas nomeiam os membros da família real iria indicar, por si mesma, se a Rainha é a sua escritora. E a maneira pela qual o “Filho do seu amor” (Colossenses 1:13) é chamado nos registros evangelísticos é uma das muitas provas de que os Evangelhos são realmente a Palavra de Deus. O que torna isso igualmente significativo é o fato de que, conquanto na narrativa o Senhor seja sempre ”Jesus”, em cada instância em que a narrativa introduz as palavras faladas pelos discípulos, quer sejam a Ele dirigidas ou a outros sobre Ele, sempre é usado o título de referência.
O caso dos discípulos que iam com Ele a caminho de Emaús, no dia da ressurreição, parece ser uma exceção, mas esta é por demais significativa: “As que dizem respeito a Jesus Nazareno... E nós esperávamos que fosse ele o que remisse Israel” (Lucas 24:19, 21). Sua esperança havia sido anulada pela crucificação. Agora Ele estava morto, portanto já não será o “Senhor”, mas simplesmente “Jesus Nazareno”, um nome distintivo que Cléopas usou. Após Sua morte Ele se transformara em um nome sem honra - o nome do falso Messias, que havia sido crucificado como um blasfemador. E é como “Jesus Nazareno”, significando um homem “desprezado, e o mais rejeitado entre os homens” (Isaías 53:3), que Ele foi citado pelos apóstolos em Atos 2:22; 10:38; 26:9 e pelo próprio Senhor, quando se dirigiu a Paulo em Atos 22:8.
É tolice discutir este assunto com qualquer pessoa que se recuse a dar a Cristo a honra que Ele exige do Seu povo. Contudo, o cristão sincero há de reconhecer que neste assunto ele deve ser guiado pelo próprio ensino de Cristo e pelo exemplo daqueles que receberam os ensinos dos seus próprios lábios. Isso sem dúvida alguma. Suas palavras: “Vós me chamais Mestre e Senhor, e dizeis bem, porque eu o sou” (João 13:13) provam a prática invariável dos Seus discípulos e Sua aprovação a isso. Certamente isso nos bastará. Neste sentido o testemunho das epístolas é de extremo interesse. Pois enquanto nos Evangelhos o Senhor é chamado, narrativamente, de “Jesus” cerca de 600 vezes, esse nome acontece apenas 22 vezes no decorrer de todas as epístolas. E nunca em forma de narrativa, mas sempre de maneira especial. Se as datas relativas dos livros do Novo Testamento foram diferentes, uma plausível explicação para isso pode ser tentada. Contudo, em vista dos fatos, deve ser um enigma insolúvel para os que rejeitam a inspiração das Escrituras.
Um exemplo ilustrativo vai explicar o porquê do nome “Jesus” usado para o Senhor na narrativa. Os evangelistas registram que na Última Ceia, conforme Marcos 14:18: “E, quando estavam assentados a comer, disse Jesus: Em verdade vos digo que um de vós, que comigo come, há de trair-me”. Contudo na Primeira Epístola de Paulo aos Coríntios, lemos: “Porque eu recebi do SENHOR o que também vos ensinei: que o Senhor Jesus, na noite em que foi traído, tomou o pão (1 Coríntios 11:23). Em todas as epístolas de Paulo existem apenas oito citações em que o Senhor Jesus é chamado “Jesus” e em cada uma destas há uma ênfase especial ou uma significação doutrinária para o uso do Seu nome de humilhação.
(Nota: - “O uso do simples nome ‘Jesus’ tem pouca autoridade no uso apostólico”. Uma leitura errônea deste verso: “a verdade como ela existe em Jesus”, aqui significando a doutrina evangélica. Na linguagem da Escritura deveria ser “a linguagem de Cristo”, pois não é a doutrina, mas a prática que aqui é indicada).
Quando escreveu aos filipenses, Paulo apresentou um chocante contraste entre a humilhação do Senhor na terra e Sua exaltação ao lugar de suprema glória e poder no céu. E foi por ter-se humilhado a Si mesmo que Deus O exaltou sobremaneira: “Por isso, também Deus o exaltou soberanamente, e lhe deu um nome que é sobre todo o nome; para que ao nome de Jesus se dobre todo o joelho dos que estão nos céus, e na terra, e debaixo da terra” (Filipenses 2:9-10). Que nome pode ser esse, exceto o nome do poderoso Jeová? É em Seu nome que todo joelho se dobrará, isto é, em o Nome de Jesus de Nazaré e do Calvário. Ele comandará a adoração do universo, quando todos serão obrigados a confessar que “Ele é o Senhor!” O nome de sua humilhação (Jesus Nazareno) é, assim, colocado em visível antítese com o nome de Sua glória (Jesus o Senhor). E no caso do Apóstolo ter querido dizer o nome de Jeová, ele usou a única palavra que o Grego poderia oferecer para expressá-lo.
Na exegese de Alford, ele chega a dizer que por ter Ele se humilhado a Si mesmo, a ponto de se tornar “Jesus”, Deus Lhe deu um nome com uma nova dignidade aí incluída. Isso me parece desprezar a significação da passagem e ignorar a força do Grego no verso 10. Não preciso dizer que ajoelhar-se diante do nome não corresponde ao seu ensino)
Quando lemos essas epístolas, especialmente as endereçadas aos cristãos hebreus, devemos tem em mente o lugar que o título messiânico ocupava para os judeus. Se na 1 Pedro, por exemplo, lemos: Messias” ou “Cristo”, em toda parte onde “Cristo” é usado como “Jesus, o Messias”, e sempre que ocorre “Jesus Cristo”, os termos não familiares, de um certo modo irão nos trazer à mente o que as palavras significam para os ouvidos dos judeus. Eu ficaria ao lado dos que se recusam a crer que “Cristo” é sempre usado simplesmente como um sobrenome. Para os judeus, esse era um título sagrado e de grande solenidade. Portanto, é difícil acreditar que o cristão hebreu pudesse vê-lo sob essa perspectiva.
As epístolas nos oferecem prova contundente de que a etimologia das mesmas neste respeito teria sido influenciada pelas tendências daqueles a quem eram endereçadas. Nesta Primeira Pedro, por exemplo, escrita especialmente para os israelitas, o Senhor é chamado doze vezes de “Cristo” e oito vezes de “Jesus Cristo”. Pois para os israelitas o título messiânico englobava a sua própria significação solene e sagrada. Contudo, para os gentios, “Cristo” devia parecer apenas um nome complementar, sendo “Jesus Cristo” simplesmente o nome completo (como Simão Pedro, por exemplo). Desse modo, em Sua Segunda Epístola, a qual não foi endereçada exclusivamente aos hebreus, Pedro nem sequer uma vez O chama pelo simples nome de “Cristo” e apenas uma vez O chama “Jesus Cristo”. Em sua saudação de abertura ele se apresenta como: “Simão Pedro, servo e apóstolo de Jesus Cristo, aos que conosco alcançaram fé igualmente preciosa pela justiça do nosso Deus e Salvador Jesus Cristo” (2 Pedro 1:1), o que parece ter sido uma fórmula apostólica regular - enquanto na mesma sentença ele prossegue designando-O como “nosso Deus e Salvador Jesus Cristo”.
Se estas fossem as palavras de um simples judeu convertido, seriam a extraordinária prova de sua crença na Divindade de Cristo. Pois, de fato, é uma ignorância gentílica supor que um judeu devoto pudesse usar essa linguagem para um ser criado, embora exaltado. Contudo, elas são as palavras de um apóstolo inspirado e rejeitar um testemunho como este é minar a autoridade da Sagrada Escritura.
Sobre o assunto principal deste capítulo eu gostaria de fazer um apelo à parte. As tendências já estão se declarando, agora mesmo, na vida política e social, causando maus pressentimentos nas mentes dos homens inteligentes. Mas estas nada significam em comparação com o desenvolvimento dos males, tão sutis como graves, na esfera religiosa. As facções parecem estar se preparando para a grande luta predita para os últimos dias, entre a apostasia da declarada infidelidade e a apostasia que afronta ostensivamente o nome de Cristo em suas bandeiras. A primeira rende homenagem ao “Jesus histórico”, o qual é “primus inter paris”, o melhor e maior homem da humanidade. A outra adora um “Jesus” mítico, o qual é colocado ao lado da “Mãe de Deus”. Ambos são opostos ao verdadeiro Cristo. Pois a verdade de que Ele “é sobre todos, Deus bendito eternamente.” (Romanos 9:5) é rejeitada abertamente por uma e implicitamente minada pela outra.
E esses males parecem estar ganhando força e volume. Sua influência é claramente manifestada em nossa literatura religiosa, corrompendo mais e mais a fé cristã em todas as salas de aula.
A mim parecia, portanto, que mesmo que encontrássemos uma autorização escriturística - e nenhuma posso encontrar - para a liberdade de nomear o Senhor da Glória com uma tão simples familiaridade, a qual é por demais comum nos maus dias atuais, faríamos bem em desistir dessa liberdade e provar, através de nossas próprias palavras, a tempo e fora de tempo, que pertencemos ao número daqueles que O têm como Senhor e O honram da mesma maneira como honram o Pai. Nesse mister, confessá-Lo com Senhor é a essência exata do evangelho, conforme Romanos 10:9: “Se com a tua boca confessares ao Senhor Jesus, e em teu coração creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo” (Romanos 10:9). Infelizmente, “Nos quais o deus deste século cegou os entendimentos dos incrédulos, para que lhes não resplandeça a luz do evangelho da glória de Cristo, que é a imagem de Deus” (2 Coríntios 4:4), o qual, sendo a imagem de Deus, não lhes dará cobertura. Esse é o evangelho de um “Jesus” segundo a imagem do homem, em sua principal contravenção para iludir os eleitores hodiernos. “Porque não nos pregamos a nós mesmos, mas a Cristo Jesus, o SENHOR”, prossegue o Apóstolo, no verso 5 e isso o mal não pode tolerar, pois aqui se combate a mentira, pois que Satanás é o pai da mentira, o “primogênito” a quem a soberania do mundo pertence por direito. Leiamos João 8:44 literalmente: “Vós tendes por pai ao diabo, e quereis satisfazer os desejos de vosso pai. Ele foi homicida desde o princípio, e não se firmou na verdade, porque não há verdade nele. Quando ele profere mentira, fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso, e pai da mentira”. 2 Tessalonicenses 2:11: “E por isso Deus lhes enviará a operação do erro, para que creiam a mentira”. E ainda Lucas 4:5-6: “E Jesus lhe respondeu, dizendo: Está escrito que nem só de pão viverá o homem, mas de toda a palavra de Deus. E o diabo, levando-o a um alto monte, mostrou-lhe num momento de tempo todos os reinos do mundo”.
Capítulo 11
A revelação da Graça e a Vida Futura
“O Filho de Deus é vindo” (1 João 5:20). A promessa no Éden sobre a semente da mulher foi como um pequeno arroio, lá em cima na montanha, para o qual apontam os homens como sendo o início de um rio caudaloso. Então, século após século, tipo foi sendo acrescentado ao tipo e profecia a profecia, ampliando o seu escopo e revelando a sua significação, até que as completas Escrituras hebraicas se transformassem em profundo e amplo arroio de esperança e promessa. “Mas, vindo a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei” (Gálatas 4:4). Deus enviou ao mundo o Seu Filho unigênito, transformando a promessa e a esperança em glorioso fato. A revelação primeva foi entronizada em todas as tradições da raça humana e tomou as formas mais fantásticas nas mitologias do mundo antigo. Mas nada, na mais feroz de todas as fantasias das religiões pagãs ou da poesia clássica, é tão contundente e inacreditável à mente natural do que a verdade de Cristo. “Os deuses... desceram até nós” (Atos 14:11), foi o grito que excitou por pouco tempo o ceticismo e a admiração, pois tendo consideração pelo caráter de seus deuses, essa descida parecia-lhes tão natural como fácil. Mas o Deus que é espírito “manifestado em carne”, o Deus que nem o céu dos céus pode conter, veio à terra, revelou-se em forma de homem, o homem de Nazaré, o filho do carpinteiro, o judeu crucificado, era o Verbo que estava no princípio com Deus, que era Deus, o Criador de todas as coisas que existem e sem Ele nada do que foi feito se fez - isso excede os limites exteriores, não apenas do que se torna possível como um fato, mas do que é concebível à imaginação humana. Daí a significação das palavras pelas quais o Senhor recebeu a confissão de Pedro sobre a Sua Divindade, conforme Mateus 16:17: “Bem-aventurado és tu, Simão Barjonas, porque to não revelou a carne e o sangue, mas meu Pai, que está nos céus.” Ele declarou: “... e ninguém conhece quem é o Filho senão o Pai, nem quem é o Pai senão o Filho, e aquele a quem o Filho o quiser revelar” (Lucas 10:22).
Pensemos no Nazareno conforme Ele ensinou no Lago da Galiléia, ou nas reuniões do Templo, rodeado de camponeses e pescadores, mas ignorado por todas as pessoas de cultura ou reputação, não apenas na esfera social, mas também na religiosa. E lembremo-nos de que a última vez em que o mundo O viu foi pendurado no madeiro, entre dois criminosos. E à medida em que ponderamos sobre essas coisas, começamos a apreciar a significação do desafio da 1 João 5:4 “... e esta é a vitória que vence o mundo, a nossa fé”. E Jesus, “desprezado, e o mais rejeitado entre os homens” (Isaías 53:3), o herege excluído, o blasfemador crucificado - Ele mesmo é o Filho de Deus! A fé que se coloca ao lado de Deus contra o mundo é a fé que vence o mundo, pois “Quem é que vence o mundo, senão aquele que crê que Jesus é o Filho de Deus?“ (1 João 5:5). Por isso Deus é o justificador de todo o que fé em Jesus Cristo, pois “a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, aos que crêem no seu nome” (João 1:12).
Na grande quantidade dos homens que professam o credo cristão, o que parece ser fé é apenas uma corrente superficial do arroio fluente e pouco profundo de suas impressões religiosas. A maioria de nós crê que a terra é redonda, que gira ao redor de si mesma e do sol. Essa respeitável hipótese é cientificamente útil e, além disso, provavelmente correta. Contudo, se a ciência vier mais tarde a descobrir que essa teoria é falsa, essa descoberta talvez venha a nos tirar o apetite para uma simples refeição ou nos roubar apenas uma noite de sono.
Existe uma multidão de cristãos professos que nos últimos anos tem trocado a sua fé convencional em Cristo pela duvidosa e profana “Nova Teologia”, pelas falácias agradáveis e plausíveis ou pela falsidade da “ciência cristã”. Essa mudança tem servido apenas para aumentar a sua auto-estima e o seu deleite existencial. Uma simples ortodoxia do credo pouco tem em comum com a verdadeira fé em Cristo. E, contudo, as muitas fases organizadas da apostasia dos últimos dias não poderia operar essa devastação entre os cristãos professos, se essa ortodoxia não fosse paralisada pela cruzada dos últimos anos contra a autoridade divina da Sagrada Escritura.
Assim como na esfera física, quando a vida perde o seu poder agressivo e já não pode vencer as forças que promovem a decadência, logo diminui a energia vital, o mesmo acontece aqui. O evangelismo, de um lado atacado pela superstição e do outro pelo racionalismo, tem-se contentado em permanecer na defensiva, sacrificando a verdade em nome da paz e da assim chamada unidade. O testemunho da fé foi neutralizado pelo espírito do compromisso.
Precisamos de uma linguagem clara em tempos como estes. “Ao que vencer...” é a nota predominante das últimas mensagens do Senhor, de admoestação e consolo ao Seu povo na terra.
Quando as igrejas falham, Ele conta apenas com a fidelidade individual. E nos dias atuais, o Cristianismo organizado tem falhado e a defesa da verdade tem-se tornado na “batalha de um soldado só”. Em muitíssimos de nossos púlpitos, de fato, as “doutrinas da religião cristã” comumente recebidas - o pecado, a queda do homem, a redenção pelo sangue, a ressurreição dos mortos e o castigo eterno estão sendo simplesmente negadas. E de nossos muitos púlpitos as verdades distintivas do Cristianismo nunca são ouvidas. Pois doutrinas como as supra-citadas já não são exatamente cristãs.
Como nos ensina a Epístola aos Hebreus, elas são uma parte da revelação divina do judaísmo. São os primeiros oráculos de Deus, ou, em outras palavras, os elementos da religião revelada. Mas a revelação cristã é a revelação de Cristo. Não a de um homem chamado Jesus Cristo, que esteve entre nós por algum tempo, operando grandes milagres, ensinando grandes verdades, o qual viveu uma vida santa e teve morte vergonhosa - coisa que um andarilho, ou até mesmo um tolo poderia descobrir sozinho, através do testemunho humano. Mas esse homem que assim viveu e morreu na terra era o Filho de Deus e já vimos que este título significa “O Senhor da Glória”, “Nosso Deus e Grande Salvador”, e que Ele agora está assentado no trono de Deus, com toda a Sua glória e todo poder no céu e na terra. E em vista de tudo isso, parece tão mais inacreditável, mas sendo divinamente verdadeiro, podemos entender Suas palavras, conforme Lucas 18:8: “Quando porém vier o Filho do homem, porventura achará fé na terra?” Embora na esfera natural possamos pressionar o homem saudável e inteligente no sentido de reconhecer os fatos, usando a sua razão, não podemos obrigá-lo a crer em Cristo, pois a verdade espiritual só pode ser discernida espiritualmente. Embora sejamos capazes de transpor as brumas da ignorância e as barreiras do erro, este prejudica e cega as mentes humanas. A revelação cristã tem sido aparentemente falsificada pelos fatos. Se o Cristo do ministério fosse de fato o Deus todo Poderoso, com todo o poder no céu e na terra, qual a explicação que poderia ser dada para tanta maldade no mundo e todo o ódio que tem campeado na história, através de toda a era cristã? O tempo da restauração de todas as coisas, ou, em outra palavras, o tempo em que reinará o bem sobre a terra, representa o peso de toda a profecia hebraica. A esperança será vista na Volta do Messias. Contudo, passados 19 séculos, isso continua sendo apenas um sonho de poetas e místicos.
Clichês sobre a bondade e a sabedoria de uma incrustável Providência não conseguem preencher o silêncio dos infiéis nem o Seu povo sofrido. Mas as palavras citadas no final foram ditas em conexão com outras palavras, as quais apontam uma solução para o mistério. Deus na certa há de vingar os Seus próprios eleitos, embora Ele esteja sendo longânimo com respeito aos mesmos. Ou, como escreveu o Apóstolo Pedro na 2 Pedro 3:9: “O Senhor não retarda a sua promessa, ainda que alguns a têm por tardia; mas é longânimo para conosco, não querendo que alguns se percam, senão que todos venham a arrepender-se”. A grande verdade da graça foi perdida já nos dias apostólicos e patrísticos. Assim como o sol desponta num típico dia de abril e logo é toldado pelas nuvens, esta verdade salta à vista no ensino da Reforma para, em seguida, desaparecer novamente. Embora Lutero fosse o seu principal campeão, a igreja que tem o seu nome, nega, sistematicamente a mesma. E ela é praticamente ignorada pela maioria das faculdades teológicas de Calvino e Armínio. Contudo esta é a única verdade que nos é ensinada: “reconciliar os homens com Deus” (2 Coríntios 5:20). Aquele a quem foi confiado todo o julgamento e que tem todo o poder, foi exaltado a Salvador e o Seu reino é um reino de GRAÇA. Quando na sinagoga de Nazaré o Senhor se levantou para ler a lição apontada pelos profetas, Ele fechou o livro na metade da sentença em que este fora aberto: “O Espírito do Senhor é sobre mim, Pois que me ungiu para evangelizar os pobres. Enviou-me a curar os quebrantados do coração, a pregar liberdade aos cativos, E restauração da vista aos cegos, A pôr em liberdade os oprimidos; a anunciar o ano aceitável do SENHOR”. (Lucas 4:18-19). Ele deixou de lado a parte que estava diante dos Seus olhos, em que Isaías 61:2 diz: “e o dia da vingança do nosso Deus”. E como todos os olhares se fixavam Nele, “Então começou a dizer-lhes: Hoje se cumpriu esta Escritura em vossos ouvidos” (Verso 21).
E por causa da longanimidade de Deus, a vinda desse dia terrível ainda está sendo adiada. Não que o governo moral do mundo esteja em obediência, mas porque a ação judicial divina foi adiada até que o tempo da graça chegue ao fim. E isso é necessário. Pois se todo o julgamento foi entregue ao Senhor Jesus Cristo - toda ação punitiva e judicial relativa ao pecado - o tempo da graça deve seguir o seu curso, antes que esse dia possa chegar. A grande anistia foi proclamada - perdão e paz para os homens pecadores; e enquanto perdurar esse ministério da reconciliação não haverá julgamento. As funções de Salvador e Juiz são incompatíveis. Ele deve renunciar ao Trono da Graça, antes de assumir o Trono do Julgamento. Ele tem todo o poder, mas o poder de governar a terra ainda está nas mãos dos homens e os homens são incompetentes e corruptos. Contudo, está chegando a hora em que “o mistério de Deus” terminará e o governo deste mundo será do Senhor e do Seu Cristo. Então será ouvida a grande condenação: “Porque é vindo o grande dia da sua ira; e quem poderá subsistir? ... Aleluia! pois já o Senhor Deus Todo-Poderoso reina” (Apocalipse 6:17 e 19:6). Então ele recompensará o Seu povo e destruirá “os que destoem a terra” (11:18). Haverá um pandemônio completado com fogo. Uma grande queima de fogos poderia descrever graficamente o governo divino do mundo, conforme tem sido travestido pela nossa teologia popular. Mas à luz da Escritura tudo está meridianamente claro. É verdade que esta terra terá sido a cena do pandemônio, tendo sido entregue ao fogo, mas isso não acontecerá até que cada palavra da profecia hebraica tenha se cumprido, pois nenhuma promessa de Deus pode falhar: “Mas nós, segundo a sua promessa, aguardamos novos céus e nova terra, em que habita a justiça” (2 Pedro 3:13), o que irá acontecer na verdadeira eternidade. É no tempo medido pelos calendários humanos aqui na terra, agora afligida pelo pecado humano, que essa bondade e poder de Deus ainda serão demonstrados em Seu governo justo. Do cumprimento desta promessa, da qual Deus fala através dos Seus santos profetas, desde o princípio do mundo, o “mistério de Deus” é que a tem retardado. E mesmo assim, pela massa dos que professam crer nas Sagradas Escrituras, ele é tratado como um sonho visionário e não poucos até zombam dele. Embora eles orem: “Venha o teu reino”, recusam-se a tolerar o pensamento de que o Senhor ouvirá a oração que Ele mesmo nos ensinou.
Na esfera religiosa, de fato, parece que os homens acreditam em tudo, exceto na verdade divina, e milhares em nosso púlpito promovem a ilusão de que o trabalho nas igrejas resultará na conversão do mundo. Se o assunto não fosse tão grave, seria ridícula a nossa arma mais afiada contra um engodo tão grotesco.
No tempo do ministério, a “igreja professa” na terra havia sido tão absolutamente absorvida pelo mundo que ela própria era “o mundo” contra o qual o Senhor tão vigorosamente admoestou os Seus discípulos. Nos dias atuais a “igreja” não está convertendo o mundo, mas sendo por ele assimilada. O homem é criatura de Deus e, por natureza, um ser religioso. Mas é uma criatura decaída e, portanto, sua religião sempre tende para baixo. E assim o “deus deste mundo” se aproveita das “indiossincrasias” dos seus enganados. Para uns a ilusão consiste na elevação da humanidade e para outros em rebaixar a Divindade de Cristo até o seu nível - racionalismo e superstição (o culto da mentira do Éden e do bezerro de ouro) - constituem agora o evangelho das igrejas reformadas. E os homens que ainda se apegam ao antigo evangelho estão ficando cada vez mais em minoria.
Mas a última nota do impacto, nestas páginas conclusivas, não será de controvérsia, mas de apelo e esperança. “Ó néscios, e tardos de coração para crer tudo o que os profetas disseram” (Lucas 24:25) foi a censura do Senhor aos discípulos, cuja fé havia desaparecido de um modo nunca antes visto e jamais se há de ver. Aquele que eles haviam adorado como o Messias fora crucificado em desonra e o Seu cadáver já não estava no túmulo. Contudo, eles eram bastante tolos para duvidar, diante de fatos tão cruéis e terríveis, que as palavras dos profetas eram divinas, ou achar que Deus poderia falhar em cumpri-las até o último jota e o último til. Devemos atentar para essa censura, tomando-a para nós mesmos, com a nossa fé que se esvai, porque, em verdade, na longanimidade de Deus, para quem mil anos são como um dia, o cumprimento da promessa é retardado. Quando no final do Seu ministério o Senhor admoestou o Seu povo sobre tempos problemáticos, os quais talvez estejam se aproximando agora, Ele disse palavras bem apropriadas para criar um sentimento de desespero. Mas o Seu propósito era bem diferente, pois depressa Ele acrescentou: “Quando virdes acontecer estas coisas, sabei que o reino de Deus está perto ... Assim também vós, quando virdes sucederem estas coisas, sabei que já está perto, às portas”. (Lucas 21:31; Marcos 13:29).
Preparemo-nos, pois a nossa esperança consiste em Sua vinda. O “Segundo Advento” de nossa teologia pertence a um futuro muito remoto para que possa influenciar nossas vidas e, além disso, está associado somente ao pensamento do julgamento. Mas a Sua vinda era a esperança do Seu povo numa era passada, sendo ainda hoje a nossa esperança. De Sua vinda, de fato, depende a completa redenção.
Temos corpo e alma e o nosso corpo ainda está sujeito ao hediondo pavor da morte, que não é o pior inimigo, pois Ele já triunfou sobre ela e nos deu a vitória. E além da esperança do povo que Nele crê - a igreja verdadeira que Ele mesmo está edificando - repousa a esperança de Israel, o qual ainda será restaurado à graça, quando a “igreja professa” desta nossa era cristã tiver sido julgada. E além da esperança de Israel permanece a esperança deste mundo dirigido pelos pecadores, pois a soberania do mesmo há de voltar a ser Dele, pois “a criação ficou sujeita à vaidade, não por sua vontade, mas por causa do que a sujeitou, na esperança de que também a mesma criatura será libertada da servidão da corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus. Porque sabemos que toda a criação geme e está juntamente com dores de parto até agora” (Romanos 8:20-22).
E como a nossa fé repousa sobre essa gloriosa visão da profecia e da promessa ainda não cumpridas, lembremo-nos de que tudo será para a glória Daquele a quem conhecemos como nosso Senhor e Salvador e (sem que seja necessário repetir tanto) todos devem aguardar a Sua vinda.
Esta é a era da sua ausência, mas a próxima será da Sua presença. Não será um evento isolado, pois a Escritura nos ensina que haverá uma série de manifestações de Cristo, as quais marcarão esses acontecimentos, com uma nova atitude em direção aos homens - uma reação divina imediata, tanto de benção como de condenação. Pois enquanto o ateísmo converso destes nossos dias zomba da oração que Ele colocou em nossos lábios, dizendo que isso jamais acontecerá, o povo que Nele crê sabe que o Seu reino certamente há de vir e que a Sua vontade será feita na terra.
Estas páginas se resumem num humilde esforço de desvendar algumas das muitas glórias do Senhor Jesus Cristo. Ele é o Senhor e Salvador de todos os salvos e redimidos, como também é o Messias, o Rei de Israel. Mais que isso, e mais importante ainda, é que Ele é o “Filho do Homem”, o “Rei dos reis e Senhor dos senhores”, o “Herdeiro de Tudo”, o “Primogênito de toda Criação”, sendo que, acima de tudo, Ele tem a glória suprema de ser o FILHO DE DEUS, glória que Ele já possuía com o Pai, antes o mundo existisse.
Existe apenas um Senhor Jesus Cristo. O Cristo de Nazaré e do Calvário, e o iníquo Ele “desfará pelo assopro da sua boca, e aniquilará pelo esplendor da sua vinda” (2 Tessalonicenses 2:8). E essa glória tremenda foi a que se apoderou do discípulo amado na visão de Patmos, quando ele O contemplou: “E a sua cabeça e cabelos eram brancos como lã branca, como a neve, e os seus olhos como chama de fogo; e os seus pés, semelhantes a latão reluzente, como se tivessem sido refinados numa fornalha, e a sua voz como a voz de muitas águas” (Apocalipse 1:14,15). Nem mesmo o mais santo de todos os mortais pode permanecer de pé, diante da gloriosa presença de Deus. Mas tão patente será a nossa redenção que somos convocados a nos regozijarmos nessa esperança. Pois chegará o tempo em que “... isto que é corruptível se revista da incorruptibilidade, e que isto que é mortal se revista da imortalidade. E, quando isto que é corruptível se revestir da incorruptibilidade, e isto que é mortal se revestir da imortalidade, então cumprir-se-á a palavra que está escrita: Tragada foi a morte na vitória” (1 Coríntios 15:53-54). Então será respondida a oração da mudança de governo e quando isso acontecer teremos o privilégio e o gozo de contemplar o nosso glorioso Senhor e Salvador Jesus Cristo!
Apêndice ao Capítulo 4
“Se o Pai gerou o Filho aquele que foi gerado teve um princípio de existência. Então houve um tempo em que o Filho não existiu.” Este é o argumento de Ário. E quando a lógica inexorável deduz erro das promessas comprovadamente verdadeiras, temos a incumbência de testar novamente essas promessas pela Escritura. E não é uma questão de opinião, mas de fato, que nem a Sua “filiação eterna”, nem também o Seu “nascimento humano” são mencionados na Escritura como tendo sido o Filho gerado pelo Pai. E isso é por demais significativo porque a Palavra trata tão enfaticamente da Sua ressurreição dos mortos. Mas vamos indagar: Ele não é chamado “O Filho Unigênito de Deus”? Esta pergunta já foi respondida no contexto deste livro. Resta apenas a nota da mais deplorável e lamentável inferência embasada na interpretação errônea do termo. (Este apêndice ainda não estava pronto, quando as provas foram submetidas ao Bispo Durham. Escrevi sobre este assunto com hesitação, porém senti uma tremenda necessidade de tratar do mesmo).
Vai chegando o tempo em que os milagres de Cristo serão aceitos como fatos, porém explicados sobre princípios naturais; pois a infidelidade crassamente estúpida do passado está em vias de extinção (A referência do Dr. Harmack aos milagres em “What is Christianity?” - O Que é Cristianismo? - aponta para isso). Eu soube de uma reunião privada de médicos londrinos, no inverno passado, durante a qual foi gravemente apressada a conclusão de que o nascimento virginal seria possível como um fenômeno natural. Então, os racionalistas poderiam admitir que o Senhor nasceu de uma virgem, sem, contudo, admitir que Ele foi concebido pelo Espírito Santo (Mateus 1:20 não entra em conflito com esta declaração). A linguagem teológica sobre este assunto é popularmente mal embasada no sentido de significar que na Encarnação a Divindade tomou o lugar de marido na Virgem Maria. Em relação a esse mistério da Encarnação nosso papel é conservar as palavras exatas da Escritura Sagrada e sua linguagem é meridianamente clara. Quanto ao Seu nascimento virginal, o Senhor foi a “semente da mulher”. Mas pode-se indagar: “Como isso é possível?”. A resposta nos é dada em Mateus 1:20 e Lucas 1:35. O nascimento virginal foi totalmente miraculoso. Mas se a crença popular fosse bem fundamentada, esse nascimento miraculoso teria sido apenas no sentido de não ter Cristo nascido do modo natural.
Aqueles que prenderam buscar uma absoluta exatidão na linguagem da Escritura não deixarão de considerar as palavras do anjo em Lucas 1:35: “Descerá sobre ti o Espírito Santo, e a virtude do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra; por isso também o Santo, que de ti há de nascer, será chamado Filho de Deus”. Não foi pelo nascimento que Ele se tornou o Filho de Deus e mesmo que não tivesse sido através do nascimento virginal, o Filho de Maria jamais poderia ter reivindicado esse título.
Os racionalistas tratam do fato de que o nascimento virginal não aparece nas epístolas. E os cristãos deixam muitas vezes de entender essa omissão. Contudo, a razão é óbvia. Conquanto a rejeição ao nascimento virginal fosse minar a fé, a aceitação do mesmo (conforme abundantemente provado pelo Unitarismo) é compatível com a negação da Divindade de Cristo e Sua Divindade é o fundamento da verdade do Cristianismo. A verdade de sua filiação, conforme implícita no nascimento virginal, está embasada na verdade de que Ele era o Filho de Deus, no sentido mais elevado. E, como já vimos, esta grande verdade é encontrada em cada parte do Novo Testamento.
Contudo, isso não é tudo. A não ser que as narrativas do Evangelho não sejam confiáveis em sua totalidade e, portanto, inúteis, o certo é que o primogênito de Maria não era filho de José. A alternativa do nascimento virginal seria, portanto, que o Senhor da glória pertence à desafortunada classe, a qual a Lei de Deus exclui da “Congregação do Senhor”, conforme Deuteronômio 23:2, que diz: “Nenhum bastardo entrará na congregação do SENHOR; nem ainda a sua décima geração entrará na congregação do Senhor”. [Essa doutrina satânica é pregada pelo Espiritismo]. Se assim fosse, seria de estranhar que alguém encontrasse tal afirmação no ensino doutrinário das Epístolas. Toda a questão do nascimento virginal é estabelecida e silenciada pela verdade da Divindade do Senhor. A palavra “primogênito” exige aqui uma observação. Em seu uso comum “protokokos” significa o primeiro filho homem de uma mulher. Mas Hebreus 12:23 prova que este vocábulo adquiriu uma significação espiritual figurada, sugerida por, e contudo totalmente separada de sua significação normal. Pois cada indivíduo, na companhia particular dos redimidos aí designados, é um “primogênito”. Esse título é claramente usado como representando uma dignidade e um privilégio especial. Desse modo, seria ignorância e erro limitar a sua aplicação ao nosso Divino Salvador, por referência ao nascimento virginal, ou então torná-lo implícito em qualquer limitação de Sua Divindade. É chocante a concordância que esta palavra “monogenes” ocorra apenas nove vezes na Escritura. Em Mateus 1:25 e Lucas 2:7 ela é usada em sua acepção normal, com a inferência de que Maria teve outros filhos. Em Hebreus 11:28, ela é usada como referência histórica. Em Hebreus 12:23, ela é usada com uma significação figurada e espiritual. As outras passagens onde ela ocorre são: Romanos 8:29; Colossenses 1:15; Hebreus 1:6 e Apocalipse 1:5. Na esfera da criação o termo “primogênito” pode ser aplicado ao Senhor apenas como título de dignidade e glória, sendo esta, provavelmente, a sua significação também nas passagens relativas à Sua ressurreição. Se houver qualquer referencia à significação comum da palavra, é bom que se observe que a “ordem” indicada na 1 Coríntios 15:28 significa prioridade de hierarquia.
Apêndice ao Capítulo 10
(Por Amor do Seu Nome)
“O que significa?” Podem alguns indagar ou colocar em discussão o capítulo 10 deste livro. Contudo, para explicar o que quero dizer, vou me valer de quatro documentos que tenho diante de mim.
O primeiro é um programa de cultos de certa igreja do Extremo Oriente, a qual é conhecida pelo seu ministério legítimo. Entre os assuntos de interesse aqui anunciados encontro “As Parábolas de Jesus” e “Cenário da Vida de Jesus”. Recentemente foram anunciadas palestras sob esses mesmo títulos no notório jornal “Hall of Science” de Londres. O infiel profano e o cristão devoto concordam, assim, em nomear o Senhor Jesus desse modo livre e fácil.
O próximo é um trabalho teológico do professor de uma das principais faculdades teológicas da América. O autor do mesmo é um ilustrado e devotado estudioso da Escritura e o seu livro é meritório e realmente valioso. O volume atual, de fato tem beneficiado e auxiliado no conhecimento do Senhor, mas a maneira como ele usa o “nome simples” pode sugerir que algum infiel, que tomou posse do manuscrito, tenha deletado cada título de reverência. Em toda parte do livro só se lê “Jesus”. Contudo, apenas 25 vezes o Senhor é chamado “Jesus” em todas as epístolas do Novo Testamento e, contudo, Ele é assim chamado 22 vezes nos dois parágrafos concluintes do último capítulo deste livro.
O terceiro é a circular de um editor sobre a obra intitulada “Jesus, Segundo S. Marcos”, escrita por um clérigo, membro da Universidade de Cambridge e capelão confessor de um bispo. Ele se esforça para responder a pergunta sobre qual o tipo de pessoa que S. Marcos, ou o seu informante, S. Pedro, achava ser Jesus? Sob os familiares e amistosos títulos: “Jesus”, “Modo de Vida de Jesus”, “A Mente de Jesus” “Vida Social de Jesus”, “Moralidade de Jesus” e “Religião de Jesus”, ele chega ao assunto final sobre o próprio “Jesus”. Se esse livro tivesse sido escrito por Tom Payne ou Voltaire, o título e os sub-títulos teriam sido os mesmos, exceto pelo “São” antes do nome do evangelista, o qual, provavelmente, teria sido omitido, onde sempre se lê “Jesus” e, contudo, “São Marcos”. Não está claro que o “Jesus” desse livro é igual ao Buda morto do Racionalismo? Poderia alguém, para quem o Senhor Jesus Cristo é uma Pessoa viva, “Nosso Deus e grande Salvador”, diante de quem iremos comparecer no Dia do Julgamento, escrever a Seu respeito, ou até mesmo Nele pensar, dessa maneira?
O último documento à minha frente é um “livro devocional”, escrito por um americano, o qual parece ser uma “persona grata” nas altas plataformas evangelísticas de ambos os lados do Atlântico. É um livro deplorável, cuja má influência é a maior possível, em vista de sua sutileza. Ele é programado para desenvolver a religião de um “Cristo segundo a carne”, de modo a encantar o mero religioso e, ao mesmo tempo, enganar e corromper até mesmo os cristãos espirituais - uma religião que coloca o sentimento em lugar da fé e a expressão desse sentimento em lugar da revelação divina do Senhor Jesus Cristo.
(Nota: Fico feliz na convicção de que, se eu já estivesse no túmulo, nem mesmo a minha própria esposa iria escrever a meu respeito, segundo a moda, do livro “Talks About Jesus” desse escritor).
Embora um livro desse gênero consiga enorme popularidade por corresponder ao desejo carnal do homem natural, rebaixando o Senhor Jesus ao seu próprio nível, felizmente esse sucesso é efêmero. Contudo, é com obras desse tipo que se enchem as estantes das bibliotecas teológicas. E a maior parte de nossa literatura teológica atual está correndo, naturalmente, nesses moldes racionalistas, não sendo em hipótese alguma aconselhável aos cristãos. Isso acontece, também, com livros escritos pelos campeões da ortodoxia. Aqui, por exemplo, temos a típica sentença da pena de um deles: “Jesus era uma figura muito complexa.” Pode um homem que escreve isso ter um conhecimento verdadeiro do Senhor, diante de Quem vai comparecer no Dia do Julgamento? O bom historiador estuda os registros verdadeiros do passado, a fim de penetrar, como se diz, na vida das pessoas sobre quem escreve, a fim de se tornar apto a pensar como estas pensavam e a sentir o que elas sentiam. E quando estudamos o Novo Testamento com esse espírito, descobrimos de algum modo a complexidade e o sofrimento pelos quais cada um dos antigos discípulos iria passar, caso pudesse voltar hoje à terra e ver os cristãos chamando o Senhor da Glória do mesmo modo como Ele era chamado pelos judeus exorcistas de Atos. Em seus dias, ele nos diria: essas pessoas se declaram rapidamente a si mesmas como descrentes pela mesma maneira como os judeus exorcistas falavam sobre Ele.
Como prova de que não pode existir coisa alguma diferente ao falar do Senhor como simplesmente “Jesus” ou “Jesus Cristo”, é urgente que muitos homens espirituais ou reverentes sempre o chamem deste modo. E, se não fosse por isso, não haveria urgência alguma em se escrever novamente sobre este assunto. Certamente essa questão para nós não trata dos hábitos e práticas dos cristãos, mas do ensino da Escritura e da expressa vontade do próprio Senhor.
Se a questão fosse estabelecida segundo a prática dos cristãos, ela já teria sido na época dos “Pais Apostólicos” e dos seus sucessores. Pois escritos como os da “Epístola de Clemente aos Coríntios” e a “Epístola de Policarpo aos Filipenses” seguem decisivamente, a tradição do Novo Testamento, na maneira como nomeiam o Senhor. Ao mesmo tempo, os escritos posteriores à Era Patrística, oferecem prova, neste e em outros aspectos, de que o levedo já estava agindo (conforme Froud o expressa com exatidão, em algum lugar), quando a religião de Cristo se transformou religião cristã.
Nos evangelhos, conforme foi já observado, o Senhor Jesus Cristo é nomeado como “Jesus” narrativamente, 600 vezes, porém nem uma vez sequer nas epístolas. Oito vezes em Hebreus, e oito vezes nas epístolas paulinas, Ele é chamado pelo Seu nome pessoal, mas em cada instância essa ocorrência indica alguma significação doutrinária ou uma ênfase especial. A lista seguinte mostra as passagens em questão. Apenas vou prefaciá-las, repetindo que os discípulos jamais falaram um ao outro sobre Ele, sem dizer: Mestre ou Senhor.
Romanos 3:26...
Romanos 8:11... Aqui a enfática referência à humilhação aparece claramente, nas palavras que vêm a seguir.
2 Coríntios 4:5 ... “Vossos servos por amor de Jesus” - esta é talvez a única passagem nas epístolas que apresenta uma interrogação. E sendo esse o caso, ela deverá ser explicada a partir do mesmo princípio. Não é certamente por causa da eufonia o do ritmo, que na mesma sentença, o Apóstolo Paulo o chama “Jesus” e “Cristo Jesus, o Senhor”.
2 Coríntios 4:10-14 ... Aqui o enfático contraste entre “Jesus” e “o Senhor Jesus” é evidente. A vida de Jesus é a que Ele viveu na terra; a vida de Cristo seria o princípio vital que ele compartilha com o Seu povo redimido.
Efésios 4:21 ... Já tratamos disso na página...
1 Tessalonicenses 1:10 ... Ele é chamado três vezes nos versos precedentes de “Senhor Jesus Cristo” e aqui é chamado de “Jesus, o filho de Deus”, o qual deve ser aguardado dos céus.
1 Tessalonicenses 4:14 ... A ênfase do nome pessoal é clara e uma exegese inteligente da passagem vai mostrar a sua significação especial. Uma excursão sobre este assunto seria de indevida digressão aqui e o autor deve ter a liberdade de referir-se ao seu livro ”The Way”, p. 18 e Apêndice II. (Nossas versões aqui dão exposição, mas não tradução). O Grego lê: “Porque, se cremos que Jesus morreu e ressuscitou, assim também aos que em Jesus dormem, Deus os tornará a trazer com ele” (1 Tessalonicenses 4:14). Isso quer dizer que o Senhor foi a causa de sua morte, isto é, eles foram martirizados por serem cristãos. As palavras não trazem uma declaração doutrinária sobre a morte piedosa - o escopo do verso 10 - mas uma expressa mensagem de conforto do próprio Senhor (verso 15) sobre aqueles por quem os tessalonicenses estavam pranteando. A frase popular “dormir em Jesus” não é escriturística.
As palavras “outro Jesus” na 2 Coríntios 11:4, obviamente não têm qualquer apoio na questão em debate. Nem ainda as palavras da 1 Coríntios 2:3, conforme aparecem no original. “Anátema Jesus” supunha-se que era uma fórmula usada pelos judeus profanos. O Apocalipse o contrasta com “Senhor Jesus” - a maneira pela qual os discípulos a Ele se dirigiam, ou falavam sobre Ele.
A leitura de Gálatas 6:17 apresentada pelos revisores é um exemplo da importância da exatidão no uso dos nomes do Senhor. Sua devoção aos três manuscritos mais antigos - a maneira errônea do leigo tentando dar um peso indevido e uma evidência “direta” - tem conduzido a uma deplorável perversão das palavras do Apóstolo.
“As marcas do Senhor Jesus” devem ser explicadas (de acordo com o tão conhecido incidente na vida de S. Francisco de Assis) como as feridas impressas que o “Homem de Dores” suportou em Seu corpo. Contudo, embora elas possam ser interpretadas, parece inacreditável que tais palavras possam ter sido escritas pelo Apóstolo Paulo. A significação de suas palavras como “as marcas do Senhor Jesus” não deixam qualquer dúvida. Era prática dos proprietários marcar seus escravos e as marcas dos sofrimentos do Apóstolo, por amor a Cristo, significavam para ele as marcas registradas pelas quais o seu Divino Mestre o aceitava como o Seu devotado escravo.
As passagens em Hebreus 2:9; 4:14; 6:20; 7:22; 10:19; 12:2 e 13:12 (A Edição Revisada acrescenta a 3:1):
A passagem de Hebreus 4:14 deve ser eliminada, pois, como já vimos, “Jesus, o Filho de Deus” era para o israelita um título da mais alta solenidade, conotando absoluta Divindade. Em Hebreus 2:9; 6:20 e 12:2, a referência é à humilhação do Senhor e o testemunho até a morte está inerente. Hebreus 6:20 (nosso precursor) pode ser apoiada por Hebreus 12:2 e Hebreus 7:22, por Hebreus 4:14.
Estas são as únicas passagens nas epístolas do Novo Testamento nas quais o Senhor Jesus Cristo é nomeado pelo Seu nome pessoal. Usá-las como desculpa para a prática de tratá-Lo com profana intimidade, é desprezar a Escritura, visto como um golfo separa, até mesmo, as nossas mais solenes expressões da linguagem inspirada da Escritura Sagrada.
Digno de nota é que enquanto o “simples nome” nunca é usado nas epístolas, ele é usado dessa maneira no capítulo 1 de Atos (vs. 1,14,16), o qual é, em certo sentido, uma conclusão do Terceiro Evangelho. E duas ou três passagens, ao que parecem, encontram-se na mesma categoria, embora, talvez, devam ser explicadas de outro modo. Também é notável que em Atos 1:11, bem como em Apocalipse 14:12 e 19:10, o Senhor seja assim designado pelos anjos. O próprio Senhor usou o nome de Sua humilhação, quando deteve Saulo de Tarso (Atos 9:5), fazendo o mesmo em Apocalipse 22:16. O que se tem dito sobre o uso do nome “Jesus” nas epístolas se aplica com força especial à pregação apostólica registrada em Atos, por exemplo, Atos 2:32 e 36. Uma ênfase ainda maior é conectada a “Jesus Nazareno” como um nome não só de humilhação, como de desprezo. (João 1:46). Com referência às poucas ocorrências de “Jesus Cristo” em Atos, as observações já feitas neste livro podem ser aplicadas com força total. O Senhor nunca é mencionado deste modo aos gentios (a Edição Revisada omite Atos 8:37). E aqui eu repetiria as palavras citadas numa página anterior, que a “moderna familiaridade do uso do simples nome ‘Jesus’ tem pouca autoridade apostólica”. Mas em vista da análise seguinte da Escritura, eu acrescentaria e manteria que a familiaridade no uso do mesmo não é permitida em hipótese alguma no Novo Testamento. Esta se deve à ignorância, indiferença ou absoluta negligência. Chamar o Senhor simplesmente de “Jesus” poupa tempo e esforço. Além do mais, é um modo popular entre os ouvintes e leitores um culto do “Cristo segundo a carne” - e se gostamos disso, o que nos importa? Afinal, Ele nem se incomoda! Chamar um confrade pelo seu nome pessoal demonstra grande familiaridade. E se existem cristãos que atingiram essa posição com o seu Senhor e Salvador, não nos compete julgá-los. Contudo, nós, que não afirmamos essa posição, não devemos nos permitir ser traídos pelo seu exemplo, no pensamento nem no modo de falar, o que a Sua presença nos censuraria e nos faria calar. Se realmente desejamos “santificar ao SENHOR Deus em nossos corações” (1 Pedro 3:15), devemos ser cautelosos e honrá-Lo como Senhor em nossos lábios. E todas as influências que atrapalharem o desejo de assim agirmos são indignas a faremos bem em rejeitá-las.
“Anunciais a morte do Senhor, até que venha” (1 Coríntios 11:26) Nestas palavras repousam a fé e a esperança do Cristianismo. Portanto, qualquer pessoa que se desvia desta expressa verdade não merece o nome de cristão. Rejeitar a esperança de Sua vinda é realmente um sinal de apostasia, do mesmo modo como é negar a Reparação. Nenhum cristão espiritual precisa ser lembrado da significação da expressão “a morte do Senhor. “A morte de Jesus” deveria significar apenas o final de Sua vida terrena na Judéia, há muito tempo. Este é, de fato, o pensamento governante na religião da Cristandade, da qual o crucifixo é o símbolo. Mas não é através da desesperança de 19 séculos que iremos alcançar a cruz. A fé nos conduz à presença do Senhor em Sua glória e nos firmamos em Suas palavras: “E o que vivo e fui morto, mas eis aqui estou vivo para todo o sempre. Amém. E tenho as chaves da morte e do inferno” (Apocalipse 1:18). “E sabemos que já o Filho de Deus é vindo” (1 João 5:20) para nós e este é o Seu presente. Quanto ao futuro, “... em esperança fomos salvos. Ora a esperança que se vê não é esperança; porque o que alguém vê como o esperará?” (Romanos 8:24). Estamos esperando o nosso Salvador, o Senhor Jesus, conforme Filipenses 3:20-21: “Mas a nossa cidade está nos céus, de onde também esperamos o Salvador, o Senhor Jesus Cristo, que transformará o nosso corpo abatido, para ser conforme o seu corpo glorioso, segundo o seu eficaz poder de sujeitar também a si todas as coisas”.
Nossos hinários contêm muitos hinos que os cristãos deveriam descartar ou alterar, se soubessem a significação da passagem “santificar ao SENHOR Deus em nossos corações” (1 Pedro 3:15). Vamos dar um exemplo:
“Doce Salvador, abençoa-nos no evento que aí vem...”
Com este refrão no final: “Ó gentil Jesus, sê nossa luz!”
Quem é o Senhor a quem as pessoas são ensinadas a se dirigir nestes termos e dessa maneira?
Um simples momento de reflexão irá convencer qualquer pessoa de que não se trata do nosso Salvador e Senhor ressurreto e glorificado. Seu nome pessoal ocorre muitas vezes no Novo Testamento, mas nunca precedido de um adjetivo qualificativo [Ele é Deus e despensa quaisquer qualificativos banais]. Nem mesmo nos dias de Sua humilhação os Seus discípulos escolhidos o trataram desse modo. A verdade meridiana é que esse “Jesus doce e gentil’ é apenas um ídolo [por exemplo, o “Jesus” da Anne Catherine Emmerich, a freira ocultista, cheia de estigmas, que respaldou o horroroso filme de Mel Gibson]. A mesma tendência na natureza humana que conduz a esse tipo de adoração à Virgem Maria é a que personaliza um Jesus mítico, o qual é objeto de sentimentalismo barato em vez de fé. Essa tendência é tão profunda e generalizada que em grande porção de hinos encontramos expressões não cristãs, como: “Ó Jesus!”, quando, muitas vezes o ritmo do verso até ficaria melhor com a expressão “Ó Senhor Jesus!" “Vós me chamais Mestre e Senhor, E DIZEIS BEM, porque eu o sou” (João 13:13). São estas as Suas próprias palavras. E certamente elas nos bastam, Seus verdadeiros discípulos. Certo amigo me contou sobre as palavras ditas no leito de morte de um ministro cristão, quando ia sendo levado para o Senhor. Em resposta à perguntas: “Seguro nos braços de Jesus?” ele respondeu: “Não, não; seguro aos seus pés!” Foi essa mesma a atitude do discípulo amado na visão em Patmos. Jamais deveríamos permitir que o hinário nos traísse, levando-nos a usar palavras que não deveríamos usar na presença do Senhor, se realmente acreditamos que Ele está nos escutando.
Seguro na guarda de Jeová, /conduzido pelo Seu braço glorioso.
Deus é meu refúgio, / auxílio presente com o seu braço.
Temores podem ás vezes me assaltar, / tristezas minha alma podem perturbar.
Deus é minha esperança e minha porção, / Deus é minha inexcedível alegria.
Salvo na guarda de Jeová, / salvo na hora da tentação,
salvo no meio dos perigos, / guardado pelo poder do Todo Poderoso.
Salvo quando ruge a tempestade, / salvo, quando é longa a noite.
Até mesmo quando escurece o firmamento, /
Deus é minha força e minha canção.
Salvo na promessa de Jeová, / nada pode assaltar minha esperança.
Aqui está a âncora segura de minha alma.
Entrei no véu, / abençoado pelo Seu eterno amor.// O que ainda posso desejar?
Salvo pelo sangue remidor, / salvo em Cristo que morreu / e ressuscitou!
A Glória do Seu Nome
(The Honour of His Name)
O título deste livro, que é uma citação do Salmo 66 (“Sing forth the honour of his name” (BKJ) Na Fiel, “Cantai a glória do seu nome”), indica não apenas o seu assunto, mas também o seu objetivo e propósito. Devo agradecer à minha amiga Miss A. R. Habershon por ter-me permitido o uso de sua Concordância dos nomes e títulos do Senhor. Enquanto estudiosos da Bíblia darão valor a este apêndice [do livro “O Senhor do Céu”], temo que ele seja negligenciado pelo leitor comum. Aliás, estas páginas jamais precisariam ter sido escritas se o Novo Testamento não fosse tratado também com negligência, a ponto de o Livro de Apocalipse ser considerado um apêndice dispensável aos evangelhos e epístolas. Mesmo assim, as visões de Patmos são divinamente entregues, a fim de nos capacitarem pela fé a contemplar o que o discípulo amado viu, ao ser “arrebatado no Espírito no dia do Senhor”. Que alguns desses não tivessem conhecimento algum de Deus foi a censura feita pelo Apóstolo Paulo aos cristãos de Corinto (1 Coríntios 15:34). E se ele se encontrasse conosco, hoje em dia, não iria também nos acusar de falta do conhecimento do Senhor da Glória? Pois os cristãos que aceitam a visão da abertura de Apocalipse como sendo a revelação divina do Senhor Jesus Cristo, conforme Ele se encontra hoje entronizado no céu, não precisam de admoestação nem de apelo para evitar toda a irreverente liberdade em nomeá-Lo, deixando, até mesmo, de dar a impressão de ter esquecido a maneira correta de honrar o Seu Nome.
Conteúdo
Capítulo 1 - Incidente na casa de campo - O contraste entre a prática primitiva e a moderna de nomear o Senhor - Os discípulos no caminho de Emaús (Lucas 24:13-52) - Significação do título “Kyrios”.
Capítulo 2 - Conversa numa cabine de trem - Livro irreverente - Título do “Jesus” dois críticos e o Cristo de Deus.
Capítulo 3 - Quem é “cristão”? - Harmack citando quem são os filhos de Deus - Sermão de Paulo em Atenas - Significação de “filho” na Escritura - A Filiação de Cristo - Significação de “monogenes”.
Capítulo 4 - A importância atual do assunto - Um sermão de Natal - O Nascimento Virginal - O Racionalismo cristianizado e a “Nova Teologia”.
Capítulo 5 - Os escritos patrísticos em contraste com a Escritura - Autoria divina dos relatos dos evangelhos, na maneira como nomearam o Senhor - Contraste entre Mateus e João - Os Evangelhos e as Epístolas em contraste.
Capítulo 6 - O uso do nome “Jesus” em Atos - O local e o propósito de Atos no Cânon - O testemunho do mártir Estevão - Como os apóstolos usavam o Seu Nome.
Capítulo 7 - O uso do nome “Jesus” nas epístolas - varias passagens citadas e explicadas - Filipenses 2:10 e 1 Tessalonicenses 4:13 expostos.
Capítulo 8 - O uso do nome “Jesus” em Apocalipse - Passagens onde este ocorre - Caráter e propósito dispensacionalistas do livro.
Capítulo 9 - O nome “Jesus Cristo” na Escritura - O uso não escriturístico do mesmo pelos cristãos - O Professor Deissmann citado - A diferença entre “Jesus Cristo “ e “Cristo Jesus”. Leituras nas versões revisadas - O que faria Jesus? - O ensino do Senhor em João 5:22, 23; 1 Coríntios 1:3-9 e Pedro 3 citado - Palestra no Victoria Institute - (Nota de rodapé).
Capítulo 10 - Falsas visões sobre Cristo - Renan citado - Conduzindo gentilmente à luz - Certos hinos criticados - O treinamento das crianças - Nunca podemos chamá-Lo “Jesus”? O propósito deste livro - Instintos espirituais - William Carey citado - Relapsos mentais - A visão da glória em Apocalipse 1:10-18.
Capítulo 1
Durante a visita a uma casa de campo, alguns anos atrás, fui indagado a respeito dos nomes de alguns homens a quem os meus amigos não apenas pudessem dar boas vindas como hóspedes seus, mas ainda convidá-los para um culto dominical vespertino em sua capela particular. Foi grande a minha surpresa sobre a maneira como eles receberam o primeiro nome que lhes apresentei. Era o de um clérigo que eu supunha que seria uma “persona grata” em ambos os aspectos. Contudo, meus amigos informaram-me que ele já havia sido o seu hóspede. Embora eles o estimassem e gostassem dele, o clérigo havia escandalizado os seus moços, quando começou a tratá-los pelos nomes cristãos, já no primeiro dia de sua visita. Em seguida, tendo eu apanhado um livro seu, recentemente publicado, encontrei ao longo de todas as páginas o Senhor da Glória nomeado pelo nome de Sua humilhação. Conhecendo pessoalmente esse homem, fiquei muito surpreso com o seu lapso na esfera social e, mais surpreso ainda, nessa esfera mais elevada. Um cristão tão devoto e tão reverente em tudo, pôde ser traído por um hábito que teria escandalizado e ofendido os discípulos dos tempos antigos. Falo disso como admoestação, pois nos tempos do Novo Testamento os discípulos sempre se identificavam pela maneira como chamavam o seu Mestre. E como todos sabemos, o nome “Jesus” ocorre centenas de vezes nos evangelhos. Mas isso empresta grande ênfase ao fato adicional de que sempre que a narrativa introduz palavras ditas pelos discípulos, quer sejam dirigidas ao próprio Senhor ou a outras pessoas a Seu respeito, Ele é sempre, invariavelmente, chamado por um título de reverência.
Nos quatro evangelhos apenas uma exceção a essa regra pode ser encontrada e com uma importância peculiar. Refiro-me aos discípulos no caminho de Emaús, quando questionados pelo estranho que a eles se havia juntado nessa caminhada: “...As que dizem respeito a Jesus Nazareno, que foi homem profeta, poderoso em obras e palavras diante de Deus e de todo o povo” (Lucas 24:19). “A Jesus Nazareno” foi a maneira como eles O designaram. Embora a frase não contivesse qualquer elemento de desprezo, sendo o seu propósito apenas distingui-Lo de outros homens que tinham o nome comum de Jesus, o seu uso por esses discípulos continha um toque de censura. Não fora apenas a negação de Pedro na corte de Caifás que havia dado uma prova evidente de que a árdua e terrível tragédia da Paixão havia anulado a fé em Seu messianismo. “Nós esperávamos que fosse ele que remisse Israel” (v. 21) foi o seu triste lamento. Eles O haviam exaltado como o Cristo e haviam aprendido a adorá-Lo como o Filho de Deus. Mas tudo aquilo agora havia se desvanecido, pois eles O haviam visto crucificado como um criminoso comum e três dias haviam se passado “desde que essas coisas aconteceram” (v. 21).
Nestes nossos dias de mente liberal, os judeus cultos O consideram o maior dos seus rabinos e, do mesmo modo, aqueles discípulos ainda respeitavam a Sua memória como “homem profeta, poderosos em obras” (v. 19). Contudo Ele era apenas um homem - Apenas “Jesus Nazareno”. E não fora essa a maneira como eles O tratavam, enquanto Ele era ainda vivo e presente.
A significação desta narrativa se torna vibrante, se verificarmos que o escritor se encontrava na companhia de Cléopas. E se questões desse tipo foram fixadas sobre bases de evidência, poderiam se admitidas. Vamos colocar as coisas dessa maneira. Suponhamos que os eventos registrados no capítulo tivessem envolvido alguma violação à lei romana, porventura o evangelista não teria o exato conhecimento dos incidentes e os teria considerado como prova de Sua culpa? Em verdade, o cristão poderia garantir que o Espírito Santo poderia inspirar esse registro, até mesmo se o escritor não tivesse um conhecimento pessoal dos fatos. Mas o cristão também reconhece que nesta, bem como em outras esferas, Deus tem-se habituado a “fazer uso dos meios”. E na ausência de tudo que possa sugerir uma conclusão diferente, devemos admitir confiantemente que o escritor foi um dos que estiveram informados de tudo sobre o que ele escreveu, desde o princípio (Lucas 1:3). Isso explica uma aparente dificuldade. Nós, alegremente, trocaríamos muitas páginas dos escritos sagrados pelo mais leve resumo desse maravilhoso ensino do caminho de Emaús, quando, “começando por Moisés, e por todos os profetas [o Senhor] explicava-lhes o que dele se achava em todas as Escrituras” (v. 24). Não teria sido isso um desperdício, conforme diriam os homens, com dois discípulos, dos quais um, como sabemos, nada tinha de importante e o outro, por hipótese, era tão insignificante que nem mesmo o seu nome foi registrado? Contudo, se o segundo discípulo foi o evangelista, a supressão do seu nome dispensa explicação. E o que é de maior importância é que podemos entender o profundo conteúdo da narrativa. Todos os maravilhosos incidentes permanecem como clara ajuda na parte do seu treinamento para a obra que ele estava destinado a executar. Pois se ele não fosse divinamente escolhido, como poderia ter compartilhado com o grande Apóstolo aos Gentios a autoridade de quase metade dos escritos do Novo Testamento e ter-se tornado ainda o seu principal auxiliar e companheiro no ministério de muitas facetas?
Essa digressão foi sugerida pelo modo como esses discípulos chamavam o seu Mestre. Os membros da família real não falam do soberano usando nomes cristãos, contudo falamos desse modo sobre os reis que já faleceram. E se analisarmos nossos pensamentos, talvez possamos descobrir que quando falamos de “Jesus” não estamos pensando em nosso Senhor vivo, o qual escuta nossas palavras e diante de quem iremos comparecer em breve, mas do grande Mestre que viveu e morreu há dezenove séculos.
Quão longe isso está do extraordinário fato de que, mesmo nos dias de Sua humilhação, os cristãos jamais O nomearam sem algum título de reverência e, contudo, neste tempo de Sua exaltação e glória, eles costumam fazer isso tão habitualmente? Isso costuma acontecer com os cristãos meramente nominais e em todas as classes de cristãos racionalistas, os quais tanto contribuem com a nossa literatura “cristã”. Contudo, alguma explicação adicional deve ser buscada para o fato de que entre os cristãos devotos prevalece essa prática, sem qualquer respaldo escriturístico, a qual, repito, teria chocado os discípulos no tempo do Novo Testamento. Os racionalistas podem, talvez, objetar que, como um rabino judeu, Ele nunca era chamado pelo Seu próprio nome e como a palavra grega para “Senhor” tem, algumas vezes, a mesma conotação de “Sir” em Inglês, seria de esperar que Cristo fosse chamado “Mestre e Senhor”. Mesmo assim, nenhum cristão deve cair na ilusão de que na boca dos Seus discípulos o uso desses títulos expressava simplesmente uma convencional cortesia, à qual Ele fazia jus, até mesmo dos judeus incrédulos. Este seria um fundamento trivial para o ensino sobre o qual Ele se embasou na solenidade da última ceia. Nem contaria com as calorosas palavras de aprovação, com as quais Ele elogiou os seus discípulos pelo uso das mesmas.
É verdade que, em razão da superstição judaica, a qual proibia o uso do nome “Jeová”, a língua grega não possuía um vocábulo que equivalesse à palavra “Senhor”, como um título de Divindade. Mas não se pode ter dúvida quanto à significação da palavra “kyrios”, entre os que O aclamavam como “o Cristo, o Filho do Deus vivo”, confissão que separava o discípulo do incrédulo. E à medida em que estudamos os escritos dos apóstolos, devemos nos lembrar que ao longo da versão Septuaginta do Velho Testamento, sobre a qual a língua do Novo Testamento é formada, esta mesma palavra “kyrios” é usada em cada instância no Grego, como o equivalente a ”Jeová” na Bíblia Hebraica.
Capítulo 2
Uma conversa numa cabine de trem, viajando à Escócia, há muitos anos, chamou a minha atenção de um modo muito especial para o assunto destas páginas. Estava dividindo a cabine com um cavalheiro e sua esposa, ambos estranhos para mim. E, conforme nossos hábitos ingleses, nenhuma palavra foi trocada entre nós, durante várias horas. Mas quase chegando ao final de nossa viagem, aconteceu um incidente, o qual, não apenas nos levou a conversar, mas até levou o meu companheiro a declinar o seu nome. Foi interessante descobrir que ele era um editor muito conhecido. Quando terminamos o assunto que o fizera dirigir-se a mim, nossa conversa tomou um rumo diferente e durante a mesma ele fez algumas observações desagradáveis sobre os cristãos. Sua amargura contra estes era pelo fato de que eles costumavam usar nomes sagrados, a fim de tornarem mais atraentes os títulos dos seus livros. Citou uma porção de exemplos nesse caso. E quando os desculpei, dizendo que um título era um meio de indicar o caráter e conteúdo de um livro, ele explicou que, do ponto de vista de um livreiro, essa era a marca registrada a ser usada em todo o país. E ilustrou suas palavras, dizendo que, ao visitar uma certa firma publicadora em Londres, ele escutou um dos rapazes, dirigindo-se a outro da mesma seção, que estava arrumando livros numa prateleira: “Me atira aqui um “Sangue de Jesus!”
As palavras me cortaram como uma lâmina afiada. O autor do tal livro era conhecido como um ministro cristão devoto e reverente, enquanto eu jamais havia observado a profanação desse título. E, a partir daquele dia, todos os títulos dessa espécie passaram a me aborrecer. Então, admitindo para nós o lamento divino sobre a apostasia de Israel, os cristãos que não pesquisam a Palavra de Deus “são gente falta de conselhos, e neles não há entendimento” (Deuteronômio 32:28).
Se pelo menos os cristãos considerassem este assunto, eles evitariam uma prática que teria chocado os discípulos, nos tempos antigos. Contudo, a verdade é que alguns, cujo uso do nome “Jesus” é habitual, estão completamente alheios a uma intenção irreverente; mas o mal é operado pelo desejo do coração. O Rev. Dr. A. T. Pierson foi um dos homens mais intensamente reverentes que eu conheci. Quando no final de uma palestra, no antigo Exeter Hall, ele veio me cumprimentar, agradeci-lhe cordialmente a edificação que suas palavras me haviam trazido, mas acrescentei: “Houve um deslize. Por que V. Excia. nomeia o Senhor conforme a maneira dos judeus exorcistas, de Atos 19?” Ele respondeu: “Isso é culpa do treinamento teológico que recebi... Por isso, continue me chamando a atenção”.
De fato, o treinamento teológico tem sido censurável no que diz respeito a este hábito deplorável. Pois não apenas toda a teologia da Cristandade tem sido influenciada pelos escritos dos Pais mas, sobretudo, porque nossas obras teológicas são levedadas pelo ceticismo alemão. De fato nossos modernos “dicionários” e “enciclopédias” bíblicos são essencialmente racionalistas e o tratamento correto ao Senhor Jesus Cristo raramente é encontrado em suas páginas, onde lemos sempre “Jesus” ou “Jesus Cristo”. E isso acontece até mesmo com escritores cuidadosos no sentido de prefixar o nome dos apóstolos com o título de “Santo”.
Se os apóstolos votassem à terra, não iriam apreciar uma honra a eles conferida pela Igreja dos papas carniceiros, que abençoaram as torturas da Inquisição e massacres, tais como o de São Bartolomeu. Uma honra, além do mais, que eles compartilhavam com esses criminosos, mas que é negada aos santos mártires da Reforma. Como o uso profanamente familiar do nome do Senhor é tão comum, nunca se torna agradável censurar qualquer ofensor em particular. Mas, para ilustrar o mal, atrevo-me a citar o seguinte excerto de uma “Circular do Editor”. O livro a que ele se refere não é a obra de um incrédulo, mas de um clérigo, o qual é capelão examinador de um bispo inglês e seu confrade na faculdade teológica. Diz a circular: “É forçoso responder à questão sobre qual tipo de pessoa S. Marcos ou o seu informante S. Pedro achavam ser Jesus?’ Sob os títulos de ‘A Família e os Amigos de Jesus’; ‘Modo de Vida de Jesus’; ‘Mente de Jesus’; ‘Visão Social de Jesus’; ‘Moralidade de Jesus’ e ‘Religião de Jesus’, ele chega ao assunto final do ‘Próprio Jesus’’”.
Sempre se usam “S. Marcos” e “S. Pedro”, mas simplesmente “Jesus”. Não fica evidente que esse “Jesus” é o Buda racionalista? Ninguém deveria falar desse modo sobre o “nosso Deus e grande Salvador”, o Senhor Jesus Cristo, diante de cujo Trono do Julgamento todos nós devemos comparecer. Certamente a prevalência da literatura racionalista, falsamente se autodenominando cristã, é a razão definitiva para que um escritor cristão declare a sua fé através da maneira como nomeia o Senhor. Uma olhada através das páginas de um livro poderia possibilitar, pelo menos ao leitor instruído, julgar se o autor do mesmo é um crente no Senhor Jesus Cristo, ou apenas um seguidor do “Jesus” dos críticos.
Pois o “Jesus” dos críticos não é o Cristo de Deus. O Senhor se esvaziou de Si mesmo, a ponto de desistir de Sua liberdade, até mesmo como homem, e jamais falou, a não ser as palavras que recebeu do Pai, conforme Ele declarou aos judeus: “Porque eu não tenho falado de mim mesmo; mas o Pai, que me enviou, ele me deu mandamento sobre o que hei de dizer e sobre o que hei de falar” (João 12:49). Então foi assim que Ele renunciou ao conhecimento que não provinha do Pai, isso porque Suas palavras eram eternas: “Passará o céu e a terra mas as minhas palavras não passarão” (Marcos 13:31) foi a Sua solene declaração. E serão julgados, pela Palavra, todos os que rejeitam as Suas palavras (João 12:48), quer sejam pecadores comuns, os dos púlpitos ou os assentados na “Cadeira de Cristo” [Ou de Pedro].
Assim era o Cristo de Deus. Mas o que dizer do “Cristo” dos críticos? Aqui temos suas próprias palavras: “Tanto Cristo como os apóstolos e escritores do Novo Testamento mantinham as noções judaicas da época com respeito à autoridade e revelação divina do Velho Testamento”. Numa palavra, o “Jesus” dessa gente era um ignorante entusiasta e vitima dos erros judaicos que Ele erroneamente aceitou como a verdade divina, a qual Ele impôs aos Seus seguidores, numa linguagem de tremenda solenidade. O que é verdade para os criminosos não é menos verdadeiro para os hereges. Eles estão aptos, através de uma ou outra olhadela, a se safarem e a teoria da “kenosis” dos críticos nos faz lembrar dos artifícios através dos quais os marginais tentam ludibriar a polícia! Pois esses professores racionalistas e contraventores ignoram até mesmo o que uma criança da Escola Dominical deveria saber, que após a Ressurreição, quando o Senhor ficou liberto de todas as limitações de Sua humilhação, Ele adotou e repetiu o Seu ensino anterior sobre o Velho Testamento. E o relato acrescenta: “Então abriu-lhes o entendimento para compreenderem as Escrituras” (Lucas 24:45). No Novo Testamento esse ensino é compreendido sob a égide do Espírito Santo, mas os críticos detectaram isso e começaram a dizer que ele é falso. Não é de admirar, portanto, que o Buda dessa gente seja apenas “Jesus”, o Rabino, o qual, mesmo sendo admitido como superior a todos eles, moral e espiritualmente, não era tão inteligente nem tão bem informado.
(Nota - Este não é o único ponto em que os críticos mostram a sua ignorância. Até seria de esperar que uma criança pudesse observar isso em Marcos 13:32 (o texto no qual eles se apóiam no sentido de respaldar a sua teoria do “kenosis”) de que não foi como homem, que o Senhor demonstrou não saber o tempo do Seu grande Advento público, mas como o filho de Deus. O problema aqui não é entre o homem e Deus, mas entre o Filho e o Pai.)
Capítulo 3
Devemos manter, conforme nos sugerem os capítulos anteriores, que o cristão é aquele que crê no Senhor Jesus Cristo? Uma conclusão por demais surpreendente é esta, pois ela enfurece o “espírito da época”. Num simples piscar de olhos ela põe de lado o limite, não apenas na massa daqueles que professam “ser e se autodenominam cristãos”, mas ainda sobre uma grande minoria dos que ocupam diariamente os púlpitos cristãos. Marquem bem as palavras: “Quem crê em Jesus Cristo” e não no “Jesus histórico”, o Buda de 19 séculos atrás, mas no Senhor vivo, que morreu pelos nossos pecados, reina agora no céu e voltará em glória.
O Professor Harmack escreve: “É importante lembrar à humanidade que um homem chamado Jesus Cristo esteve um dia no meio dela”. Contudo isso é um anacronismo. Pois a cega e estúpida incredulidade, que se recusou a crer no “Jesus histórico”, era a que pertencia a uma época menos esclarecida que a nossa. Hoje o incrédulo apela, tão confiantemente quanto o cristão, ao exemplo daquela vida inigualável.
O Senhor Jesus declarou com grande solenidade que todo aquele que nEle crê tem a vida eterna. Quando Ele pronunciou estas palavras, como homem no meio dos homens, não estava tentando convencer os ouvintes de que não era um fantasma ou um “espírito”! Seu propósito era ensinar que ali estava o Filho de Deus, o Messias, sobre quem Moisés e os profetas haviam escrito. Entre os que participaram no hediondo crime do Calvário havia alguns que, como Nicodemos, criam nele como “um mestre vindo de Deus” e mesmo assim O crucificaram por blasfêmia, porque, “sendo homem, Ele se fazia como Cristo, o Filho de Deus”. A aceitação desta afirmação pelos Seus discípulos incluía uma fé outorgada por Deus. Tanto que a confissão de Pedro O levou a dizer: “Bem-aventurado és tu, Simão Barjonas, porque to não revelou a carne e o sangue, mas meu Pai, que está nos céus” (Mateus 16:17). Isso explica a declaração do Apóstolo João: “Porque todo o que é nascido de Deus vence o mundo; e esta é a vitória que vence o mundo, a nossa fé” (1 João 5:4).
Mas tudo isso, repito, ofende o “espírito da época”. Afirmar que a graça divina é necessária para nos capacitar a crer é considerado um insulto à dignidade humana! Ora, não somos todos filhos de Deus? A tolice caracteriza a heresia. A licença poética nos leva a descrever-nos como filhos de Adão, visto como somos seus remotos descendentes. Contudo, exceto numa acepção puramente figurada da expressão, nem mesmo Adão era filho de Deus! Ele era Sua criatura. A humanidade foi gerada, não a partir do Adão inocente do Éden, mas do Adão decaído, que dali fora expulso. Então qual o sentido aqui de pretendermos ser filhos de Deus? Ora, mas o Apóstolo não disse aos pagãos de Atenas que eles eram “geração de Deus?” (Atos 17:28). Não! Claro que não! Para resgatá-los de sua idolatria, Paulo citou as palavras do próprio poeta grego, de um hino composto em louvor a Júpiter: “Pois dele somos geração, o seu genos”. A questão não é o que a mente predisposta possa ler aqui, mas o que o locutor quis dizer e o que os seus ouvintes entenderam. Será que alguns deles imaginavam que o Apóstolo fosse um filho de Júpiter? Se o objetivo do Apóstolo fosse ensinar-lhes que eles eram filhos do Deus que fez o céu e a terra, teria ele citado o ensino de uma divindade pagã? O apelo do Apóstolo à sua literatura clássica teve o propósito de censurá-los, mostrando que Deus nada tinha a ver com os seus ídolos mortos, “dignificados na arte e na contravenção humana”. Seu argumento teria sido igualmente válido se ele tivesse apontado à criação inferior. O Deus, cujas criaturas têm vida, tem de ser um Deus vivo. Cada um de nós é filho dos pais que nos geraram e de ninguém mais podemos ser filhos. O crente no Senhor Jesus Cristo se torna filho de Deus porque foi gerado de Deus: “Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, aos que crêem no seu nome” (João 1:12). E aos que foram gerados de Deus ele diz, no verso 13: “Os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus”. O cristão nasce duas vezes; uma vez como filho de pai biológico e, no Espírito, como filho de Deus. A Escritura é enfática e explícita em que os dois nascimentos são totalmente distintos. Como disse o próprio Senhor Jesus Cristo: “O que é nascido da carne é carne, e o que é nascido do Espírito é espírito” (João 3:6). Ao mesmo tempo, suas terríveis palavras dirigidas aos judeus que estavam tramando a Sua morte foram estas: “Vós tendes por pai ao diabo, e quereis satisfazer os desejos de vosso pai” (João 8:44). E se alguém ainda acha que estas palavras não são definitivas, vamos repetir: “os que são da carne não são filhos de Deus”. Poderia uma declaração vetar mais claramente a ilusão de que todos os homens são, por natureza, filhos de Deus?
A manutenção desta verdade sobre o assunto principal destas páginas deve ser bem clara para os inteligentes. Começamos, por assim dizer, a rebaixar a relação de “filho de Deus” como não tendo esta qualquer significação. Então, quando tomamos “filhos de Deus” ("sons of God” como simplesmente um sinônimo de “children of God”, somos tentados a aceitar o culto da “irmandade de Jesus”. E logo suprimos o incrédulo com o colorido pretexto de rebaixar o Senhor da Glória ao nível comum da humanidade - blasfêmia que chega ao ápice na declaração: “Ora, se Jesus era Deus, nós também somos deuses”.
Em Sua infinita graça, o Filho de Deus não se envergonha de nos chamar irmãos, “Dizendo: Anunciarei o teu nome a meus irmãos, Cantar-te-ei louvores no meio da congregação”. (Hebreus 2:12). Contudo, esse “nós” não pertence à raça Adâmica, mas aos que “são santificados” (v. 11). A resposta de cada coração que essa graça tem-nos dado é chamá-Lo sempre SENHOR.Temos o mesmo Pai e o mesmo Deus, mas nas próprias palavras com que Ele nos ensina a proximidade dessa relação, Ele também proíbe a inferência que o homem carnal poderia dela retirar. E disse a Maria Madalena: “... vai para meus irmãos, e dize-lhes que eu subo para meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus” (João 20:17).
Em Inglês a palavra “son” significa “filho varão”. Claro que ela foi usada algumas vezes no Novo Testamento com este sentido. Por exemplo, quando lemos que Tiago e João eram filhos de Zebedeu. Mas na Escritura como geralmente entre os orientais, ela tem um sentido mais profundo, como quando o Senhor chama Tiago e João de “filhos de trovão”. Do mesmo modo, foi José renomeado de “filho da consolação”, assim como os não convertidos ao Senhor são chamados “filhos da desobediência”. Nessa e em inúmeras outras passagens, a palavra conota caráter e natureza, sem qualquer idéia de “geração”. Contudo, nossos tradutores têm ignorado a distinção entre “son” e “child” e nas várias passagens onde ocorrem estas palavras, uma referência ao Grego, ou até mesmo à nossa edição Revisada, provará ser tão interessante como instrutiva. Ela nos conduzirá, por exemplo, à descoberta muito curiosa de que na Escritura os cristãos, como tais, nunca foram chamados filhos de Deus, conforme a citação: “Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, aos que crêem no seu nome” (João 1:12), porém “os que são guiados pelo Espírito de Deus, esses são filhos de Deus” (Romanos 8:14). E como todo cristão deve saber, a Filiação do Senhor Jesus Cristo é absolutamente exclusiva, por ser essencial e eterna. A entrega de João 3:16 e passagens semelhantes, em ambas as versões da Bíblia Inglesa, sugere um duplo erro. Ela nega implicitamente a verdade de que todo crente é gerado de Deus, afirmando, implicitamente, que a Filiação de Cristo depende de um ato de “geração”. Se tal acontecesse, o Filho deveria ter tido um princípio, deixando de ser eterno e, então, não poderia reivindicar a Sua Divindade. Foi esse o argumento de Ário e sua lógica é inexorável. Mas, conquanto a palavra grega aqui empregada - “monogenes” - tenha a significação de “unigênito” não é exatamente esta a sua significação. Em cinco das nove ocorrências no Novo Testamento ela é usada para Cristo. Em três, ela significa “filho único” (Lucas 7:12; 8:42 e 9:38); na nona (Hebreus 11:17) ela se refere a Isaque. Ora, isaque não era o filho “unigênito” de Abraão, mas o seu preferido. Merece uma observação que a palavra “darling” (predileto) no Inglês é usada para Cristo, pelos nossos tradutores, nos Salmos 22:20 e 35:17, onde o vocábulo grego “monogenes” representa o termo hebraico para “predileção”. Em seis das doze ocorrências dessa palavra na Bíblia Hebraica, a versão grega diz “amado”, a palavra exata pela qual o Senhor Jesus foi exaltado do céu, após o Seu batismo, e outra vez no Monte Santo. Nestas passagens a palavra “only” (= único) é entregue pelos nossos tradutores ingleses.
É fato de vital importância que a palavra “begotten” (gerado) jamais seja usada referindo-se ao Senhor, exceto em Sua Ressurreição. Pois nem o Seu título de “Filho de Deus”, nem também o de “Filho do Homem” dependem do Seu nascimento virginal. Exatamente como por “Filho do Homem”, Ele declarou ser homem, no mais alto e absoluto sentido, do mesmo modo, ao declara ser “Filho de Deus”, Ele reivindicou a Sua Divindade. Foi esta a significação dada pelos que ouviram os Seus ensinos. Seus discípulos assim entenderam, tendo-O adorado como Deus. E os que se recusaram a nEle crer, também o entenderam e por isso O crucificaram como blasfemador.
(Nota: - Os parágrafos acima estão embasados no livro “O Senhor do Céu”, no qual este assunto é cabalmente discutido em seus vários aspectos, e as Escrituras relativas ao mesmo são citadas e consideradas, incluindo as passagens nas quais a palavra “primogênito” é usada para Cristo).
Capítulo 4
A circunstância peculiar aos nossos próprios dias é que mostra, tanto a necessidade como a urgência a um apelo e protesto neste presente volume. E esta consideração pode pesar a qualquer um que se ressinta contra o que possa parecer que estamos lançando calúnia sobre os escritos de homens devotos e espirituais, nestes dias em que a incredulidade se coloca tão afastada do pensamento cristão. Um jornal incrédulo gloriou-se, recentemente, de que tudo pelo que Thomas Paine foi perseguido é publicamente pregado nos púlpitos cristãos pelos descendentes dos homens que o perseguiram. É a pura verdade. E o curso de profanação da “Nova Teologia” não é tão perigoso como a promulgação de suas blasfêmias por homens de cultura e sentimentos cavalheirescos.
Para ilustrar estas palavras vou dar o extrato de um sermão pregado no dia de Natal, numa das mais importantes igrejas de Londres. Estou fazendo isso, não para criticar um eclesiástico em particular, mas para indicar o que está sendo ensinado agora em alguns seminários teológicos e pregado em alguns púlpitos através de nossa pátria.
“Os relatos do nascimento, inclusive no primeiro e terceiro Evangelhos Sinóticos, não parecem ter pertencido à mais antiga tradição sobre o Salvador... O evangelho que os apóstolos pregavam não incluía qualquer história sobre o nascimento de Jesus. Tais narrativas ficavam à parte, sem qualquer relação perceptível com o restante do Novo Testamento... Os cristãos do segundo século não foram capazes de aplicar às tradições mistas, que haviam recebido da era apostólica, aquelas leis da evidência, que hoje receberam a adesão dos estudiosos históricos, de que a Divindade de Jesus não recebeu e nem carece agora de um dogma quanto ao Seu nascimento miraculoso”
Isso é bastante para indicar o conteúdo do sermão, ou seja, a negação do “nascimento virginal”. A objeção de que a pregação dos apóstolos não incluía essa verdade é extraordinária. A ressurreição foi o fato público ao qual os apóstolos puderam apelar e do qual eles foram testemunhas oculares. Mas achar que eles deveriam ter testemunhado pessoalmente, também, a virgindade de Maria é um grotesco absurdo! Se, como esse pregador implicitamente afirmou no sermão, tal fato-a-fato básico, do qual a verdade da Encarnação é inseparável, não é um fato consumado, mas apenas ficção, o Nazareno ainda pode exigir nossa homenagem como o melhor e o mais nobre dos homens; mas adorá-Lo como Divino é rotular-nos de idólatras e tolos. Em apoio a essa heresia o pregador apelou às ”leis da evidência”, as quais deveriam ser deixadas, de preferência, àqueles que têm experiência prática das mesmas. A não ser que as narrativas dos evangelhos sejam totalmente indignas de crédito, e até mesmo de registro humano, é tão certo, como o testemunho humano pode oferecer, que o primogênito de Maria não era filho do seu marido. E que isso era do conhecimento geral dos judeus, testemunha a injúria com que eles receberam a recusa do Senhor de reconhecê-los como filhos de Abraão. Se, portanto, o Nazareno não fosse o Filho de Deus, no sentido em que a fé cristã o mantém, ele seria um rejeitado da espúria classe à qual a lei de Deus negava o direito de cidadania na comunidade de Israel. Se essa história do “nascimento virginal” fosse ficção, o incrédulo poderia assumir facilmente que ela foi inventada para camuflar a vergonhosa circunstância da origem do Senhor. E se o Nazareno não fosse o Filho de Deus, o Senhor da Glória, que significado teria a Reparação? Bem poderíamos exclamar:
A árvore do conhecimento agora /dá a sua última colheita frutífera! / Agora o cego conduz o cego / e o homem se torna Deus! // A cruz está fora de moda / e o grande sepulcro / é apenas uma tumba hebraica, / pois Cristo morreu em vão! // O Cristo das eras passadas / já não é mais o Cristo. // O altar e o fogo se evadiram / e a vítima é apenas um sonho!
“O Senhor da Glória” é um dos Seus títulos divinos. Como escreveu o inspirado Apóstolo aos líderes ignorantes da sabedoria divina, “crucificariam ao Senhor da Glória” (1 Coríntios 2:8). Contudo, se o céptico cristianizado está certo, o homem que eles crucificaram era apenas um filho de judeu, o qual, de modo profano, reivindicava honra divina. Portanto, ao conduzi-Lo à morte, eles estavam simplesmente obedecendo ao mais claro dos mandamentos da lei de Deus.
Então, repito a pergunta: O que significa a Reparação? O total incrédulo encara essa questão com audácia e exige: “O que a morte de Jesus efetuou de modo oculto, a fim de tornar possível que Deus nos perdoe?” E aqui temos a sua resposta: “Nada demais e nada que fosse necessário... Pois Jesus era filho de José e Maria e não existe essa história de castigo, Dia do Julgamento, Grande Trono Branco e nem de um Juiz que vai julgar todos nós!” [Porque, eles poderiam acrescentar: “a Bíblia é um livro repleto de lendas, nada mais”!] Isso seria tão consistente como inteligível. Pois nenhuma pessoa, cuja mente não esteja cega e crivada de superstições religiosas, poderia tolerar a ilusão de que a morte de um carpinteiro judeu pudesse influenciar de modo algum nossas atuais relações com Deus, ou o nosso destino futuro. O incrédulo se norteia e permanece fiel à razão humana. A fé cristã repousa sobre a revelação divina. Uma posição, efetivamente, é tão inaceitável como a outra. Porém... “Com tantos conhecimentos do lado dos cépticos e com tanta fraqueza pelo orgulho dos estóicos, o céptico cristianizado fica suspenso entre ambos.”
Ao citar o sermão de Natal, não tive a intenção de atacar o indivíduo. O pregador é um representante excepcionalmente considerado de uma classe ampla e crescente de professores religiosos, os quais estão usando os púlpitos cristãos para espalhar amplamente a incredulidade através desta nação. Foi, portanto, com o objetivo de fortalecer o meu apelo aos cristãos espirituais que eu o citei, para que diante da apostasia em franco desenvolvimento nos dias atuais, eles evitem o hábito prevalecente de nomear o Senhor da Glória com uma familiaridade não permitida pelas Escrituras e, assim, em cada citação do Seu Nome, esses cristãos possam dar prova de que pertencem ao número dos que O têm como Senhor e honram o Seu Nome.
Tendo respeito à solene declaração de irrestrita crença na Escritura Sagrada, a qual é exigida do candidato à ordenação, à linguagem do credo que o clérigo repete continuamente, e aos ensinos doutrinários com os quais o público está de acordo, ao entrar no benefício, sermões como o supracitado parecem indicar que a moralidade clerical é diferente daquela que conduz os homens honrados, na cidade e nos clubes. Meio século atrás, um sermão como este teria recebido um feroz protesto de indignação, mas, hoje em dia, ele passa totalmente despercebido.
Capítulo 5
No início de minha vida cristã, privei da amizade de um ilustre teólogo daquele tempo e, certa vez, pedi que me explicasse qual seria a melhor maneira de lidar com as diferenças entre as epístolas do Novo Testamento e os escritos dos Pais. Ele era muito paciente ao tratar com as minhas dificuldades, por isso fiquei aguardando uma resposta elaborada. Contudo, após uma pausa, ele me indagou abruptamente se eu já havia estudado a Teologia Patrística. E quando respondi negativamente, ele acrescentou: “Quando você ler algumas de suas melhores obras, então vou discutir com você”. Assumi a tarefa que ele me impôs e o resultado é que não precisei perturbá-lo novamente. “Suas melhores obras” são, de fato, uma herança inestimável, porém um golfo as separa das Escrituras inspiradas.
Tendo em mente que dentro de dois anos de êxodo a Igreja judaica apostatou de Deus, não precisamos nos admirar de que a “Igreja Cristã” tenha resvalado seriamente da fé, em apenas dois séculos após o Pentecostes. E quando cessou a árdua disciplina da perseguição, a decadência se tornou mais acentuada. De fato, os erros que deploramos na apostasia totalmente desenvolvida da Cristandade é fruto da semente plantada através dos escritos patrísticos. E quando comparamos “os Pais” com os apóstolos, não podemos deixar de ver a que extensão o “Jesus” da “religião cristã” já estava suplantando o Senhor vivo da verdadeira fé cristã. E o “religioso cristão” que levar em conta a igreja patrística, como corte de apelação em todas as questões de fé e prática, irá encontrar motivo suficiente para nomear o Senhor Jesus Cristo da maneira comum dos cristãos da atualidade. Mas todos os cristãos que se orientam apenas pelas Sagradas Escrituras acatarão uma admoestação e protesto contra essa prática desconhecida nos tempos do Novo Testamento.
(Nota: - Um exemplo ilustrativo explicará o que quero dizer. Os evangelistas contam que na última ceia “Jesus tomou o pão”. Mas na 1 Coríntios 11:23 lemos “O Senhor Jesus tomou o pão” e vejam que a declaração do Apóstolo é que ele recebeu esta fórmula do próprio Senhor.)
“O moderno uso familiar do nome simples ‘Jesus’ tem pouca autoridade no uso apostólico”. Se substituirmos o “pouco” por “nenhum” estaremos falando a pura verdade. Com um exame das várias passagens onde o “nome simples” ocorre nas epístolas, veremos claramente que o uso moderno não tem qualquer respaldo apostólico. Uma olhada na Concordância vai indicar que essa tarefa não é tão laboriosa. Pois embora nos evangelhos as ocorrências do “nome simples” possam chegar a centenas, as passagens onde ele é usado nas epístolas são apenas algumas. E aqui outro fato surpreendente nos chama a atenção. Nos evangelhos as narrativas que mencionam Cristo, sempre o fazem segundo o nome de Sua humilhação, mas isso nunca acontece nas epístolas. Como pode acontecer isso? Se a ordem cronológica dos escritos do Novo Testamento fosse diferente, e uma porção de anos tivesse separado as epístolas dos evangelhos, uma explicação óbvia poderia ser sugerida. Mas em vista dos fatos conhecidos, devemos procurar uma solução de outro tipo. E se a solução seguinte for rejeitada, o enigma deve continuar sem solução. Como todos os que adoram o Homem de Belém e Nazaré como sendo o filho de Deus, certamente deve parecer inacreditável que Deus não tivesse feito provisão no sentido de que possuíssemos um registro exato da missão e ministério do Senhor na terra. E esse tipo de provisão, que é chamado “Providência”, seria totalmente inadequado em se tratando dos evangelhos. Uma prova cabal disso necessitaria de um tratado, porém até mesmo algumas sentenças podem ser suficientes. Seus autores têm compartilhado o mesmo ensino. E o seu íntimo acompanhamento durante todo o Seu ministério continuou após a Ressurreição. Como, então, podemos dar conta das extraordinárias diferenças que caracterizam os Seus evangelhos, diferenças que o racionalista aponta como prova de que estes são desesperadamente conflitantes? O Primeiro Evangelho - Mateus - começa com a genealogia do Senhor, como sendo filho de Abraão e filho de Davi - os recipientes das duas grandes Alianças de bênçãos e da soberania terrena de Israel - e prossegue dando particularidades sobre o Seu nascimento e infância. E ao lidar com essa abertura o grosso do livro, da primeira até a última página, trata da apresentação de Cristo como o Messias de Israel. Em contraste com este, o Quarto Evangelho começa com a declaração: “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus” (João 1:1). E em lugar de uma narrativa sobre o crescimento do Salvador, lemos: “E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós, e vimos a sua glória, como a glória do unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade” (v. 14). E a única referência especial à missão do Senhor a Israel é encontrada nas palavras: “Veio para o que era seu, e os seus não o receberam” (v. 11).
Não é que o Apóstolo João não tivesse conhecimento dos detalhes apresentados nos dois primeiros capítulos de Mateus. Pelo contrário, ele devia ter um conhecimento mais completo destes do que os demais evangelistas. Pois foi com ele que, após a crucificação, a mãe do Senhor encontrou um lar. Dos lábios dela ele deve ter ouvido, sempre e sempre repetido, tudo que um coração materno poderia recordar sobre o nascimento sagrado em Belém e a não menos santificada vida do Senhor em Nazaré. Contudo, nem uma só palavra a respeito disso nos é entregue neste Evangelho. Contudo, novamente, embora ele tenha sido o único dos evangelistas a testemunhar a transfiguração, nenhum registro da mesma se encontra, sendo o único a não conter esse relato. Não são estes os únicos exemplos de um silêncio tão extraordinário em seu evangelho, mas estes nos bastam para o objetivo atual. Qual a explicação que poderia ser dada para isso?
“Ponha-se em seu lugar” é um desafio que gentilmente lançamos àqueles que zombam da inspiração. Poderia um homem possuidor de tão especial conhecimento sobre um assunto de tão extraordinário interesse escrever um tratado a ele relacionado sem fazer a mais leve menção dos detalhes extremamente importantes e de modo peculiar, dele próprio? Numa inspiração tão limitada, que nada significa, além da razão humana agindo sob providencial liderança, não se pode conseguir aqui. A não ser que os evangelhos sejam o “sopro divino”, no melhor sentido, eles apresentam um fenômeno psicológico sem paralelo, em toda a literatura mundial, quer seja moderna ou antiga.
Ao cristão inteligente e observador a autoria divina da Escritura é tão claramente manifesta como a da autoridade humana que todos os homens reconhecem. Portanto, tendo sido o discípulo amado comissionado para escrever sobre Ele como sendo o Filho de Deus, o Divino Espírito o conduziu estritamente à trilha dourada e controlou todo o seu anseio natural de contar o nascimento humano virginal do Senhor em Belém e a visão do Monte Santo, a qual manifestou o Senhor em Sua glória como o “Filho do Homem”.
Aqui temos, portanto, a solução do problema. Foi o próprio Senhor quem nos deu o registro dessa “Vinda”, a qual foi o grosso de todas as Escrituras, desde a promessa do Éden sobre a semente da mulher, até a última palavra do último dos profetas hebreus. E portanto, através dos evangelhos é que o Filho de Deus sempre é chamado “Jesus”, visto como foi o Seu Pai quem nos deu a história de Sua vida.
Para predizer a Sua vinda Ele usou os lábios dos profetas para falar as palavras de Deus, quando eram movidos pelo Espírito Santo. Ele guiou a pena dos apóstolos e evangelistas para emoldurar os registros do Seu Advento, em palavras inspiradas por Deus.
Mesmo assim, alguns vão exclamar: “E as epístolas não são inspiradas por Deus?” Mais que certamente elas são. Porém o seu propósito é totalmente diferente e em hipótese alguma isso aparece mais claramente do que pela maneira como os vários escritores das mesmas nomeiam o Senhor. Não que as mudanças sejam devidas às “idiossincrasias” dos autores humanos. De fato, em parte alguma isso é tão notável como nos escritos do Apóstolo João. Pois, embora em seu evangelho o “nome simples” seja usado mais de 200 vezes, nem uma só vez ele o usa nas epístolas. E em cada uma de suas quatro ocorrências, ele é usado com uma significação doutrinária e em conjunção com outro título conotando Divindade. Ninguém pode deixar de ver que existe algo de excepcional interesse, merecendo nossa mais profunda atenção.
E quanto mais investigamos, mais clara se torna essa prova de que, enquanto nos evangelhos o Senhor é habitualmente chamado “Jesus”, esse nome simples nunca é usado nas epístolas, salvo com alguma significação especial de doutrina ou de ênfase. O Apóstolo Pedro não o emprega sequer uma vez. E em nenhuma só instância, “Tiago, o irmão do Senhor” O nomeia sem algum título de Divindade. E em passagens já citadas da 1 João, o “nome simples” é usado com uma significação óbvia. Dizer que Cristo é o Cristo ou que o Filho de Deus é o Filho de Deus não teria significação alguma. Mas crer que Jesus, o homem de Nazaré, “o judeu crucificado” é o Cristo, o Filho de Deus, esta é a fé que vence o mundo, indicando um novo nascimento pelo Espírito de Deus.
Capítulo 6
Ao considerar o uso do “nome simples” em Atos dos Apóstolos, o local e propósito deste livro no Cânon Sagrado nos chamam a atenção. E este é um assunto importante. Pois ninguém que entenda o plano construtor da Bíblia pode deixar de ver o que Pusey chama de “harmonia oculta”. E saber isso é ter imunidade aos ataques da simulada “Alta Crítica”. A Bíblia tem um aspecto tanto exterior como espiritual. Cristo é o objeto do seu ensino espiritual, enquanto em seu lado exterior ela se relaciona principalmente com o povo da Aliança. Um breve prefácio de 11 capítulos contém tudo que ela nos entrega sobre a história mundial durante milhares de anos, antes da chamada de Abraão. E a história dos descendentes de Abraão monopoliza o restante do Velho Testamento. Pois é somente em relação a Israel que os poderes gentílicos entram em cena. A Abraão foi dada a promessa de bênção terrena e a Davi a promessa de soberania terrena. A revelação mosaica se torna a revelação e complemento da Aliança com Abraão. E o Novo Testamento começa com o nascimento de Cristo, filho de Davi, filho de Abraão, Aquele em quem se realiza o cumprimento das promessas de todo o Velho Testamento. Os evangelhos contam a história de Sua vida e morte - Seu ministério e rejeição pelo povo favorecido. O Livro de Atos faz o registro de uma dispensação durante a qual esse povo, mesmo com a sua apostasia e culpa, recebeu a oferta do perdão divino na base da graça. É impossível ler bem esse livro se deixarmos de reconhecer a missão e o ministério especiais de Israel, comissionados ao Apóstolo Paulo. E por causa dessa comissão é que ele deu testemunho aos judeus, em cada lugar que visitava, sem deixar Roma de lado, mesmo que uma igreja cristã já estivesse ali se reunindo. Isso explica porque o Livro de Atos termina abruptamente com o registro da rejeição ao Evangelho pelos judeus de Roma, sendo que os dois últimos versos contêm tudo que nos é ensinado sobre os seus dois anos de ministério na cidade imperial. Ele ainda explica porque nenhuma palavra é acrescentada sobre o ministério do Apóstolo, após o relaxamento de sua primeira prisão. Pois o livro não é a história inicial do Cristianismo, mas a história, divinamente entregue, da dispensação do Pentecostes, durante a qual Israel gozou a prioridade da pregação do evangelho. E quando reconhecemos tanto o propósito como o caráter histórico de Atos, ficamos preparados para encontrar aqui, como nos evangelhos, o porquê do Senhor ser nomeado pelo Seu nome pessoal nas narrativas. Contudo, essas ocorrências se limitam a sete. A primeira é na sentença de abertura do livro (capítulo 1); a segunda, no verso 14 e a terceira, nas palavras de encerramento do verso 16, o qual pertence claramente ao parêntese que conclui com o verso 19. A suposição grotesca é que quando o apóstolo Pedro mencionou Judas, ao dirigir-se aos irmãos, alguns dias antes da crucificação, ele teve de explicar que se referia ao traidor com esse nome (versos 16-20)! As demais passagens de Atos, nas quais o Senhor é narrativamente mencionado como “Jesus”, são encontradas nos capítulos 7:55; 8:35, 9:27 e 28:23. Devemos notar que o Senhor foi nomeado dessa maneira pelos mensageiros celestiais que apareceram aos discípulos após Sua Ascensão (Atos 1:11). E mais notável ainda é que em cada instância onde o registro contém palavras faladas pelos descrentes o Senhor é sempre nomeado como “Jesus”.
A narrativa do martírio de Estevão tem um interesse especial: “Mas ele, estando cheio do Espírito Santo, fixando os olhos no céu, viu a glória de Deus, e Jesus, que estava à direita de Deus” (Atos 7:55). Aqui o nome simples também é usado. Quanto ao título “Filho do Homem”, que o Senhor usou diante de Caifás (Mateus 26:64), tendo-o retirado do Livro de Daniel, este era um título Divino. E que os judeus assim o consideravam está claro, tanto que a aceitação do mesmo pelo Senhor, quando estava diante do conselho e Lhe foi indagado se Ele era o Cristo, o Filho de Deus, o Senhor respondeu afirmativamente e por isso foi condenado à morte. (Lucas 22:70,71). O título “Filho do Homem” nunca é usado na Escritura referindo-se à Encarnação. Como homem Ele nasceu em Belém, mas como “Filho do Homem” Ele desceu do céu. Que Estevão tenha visto “Jesus” à direita de Deus é o registro da narrativa divina, mas “Senhor Jesus, recebe o meu espírito” foi a sua oração final (Atos 7:59). “O’ Jesus” seria provavelmente a linguagem de muitos dos nossos compositores de hinos, hoje em dia!
Capítulo 7
Ao considerar o uso do “nome simples”, nas passagens de Atos, onde os apóstolos Pedro e Paulo são registrados com tendo-o usado, algumas explicação é necessária, conforme o seu uso na Epístola aos Hebreus. O seu propósito era enfatizar a humilhação e rejeição ao Senhor. Muito claramente esse uso aparece no capítulo 13:33 (na BKJ e 32 na FIEL), a única vez em que o Senhor foi assim nomeado pelo Apóstolo Paulo. O leitor inteligente poderá ver que ao dirigir-se aos judeus, se ele tivesse usado outro nome ou título, suas palavras teriam perdido a força especial. E isso se torna igualmente claro no uso do “nome simples” pelo Apóstolo Pedro, conforme Atos 2:32,36. Segundo a Versão Autorizada (BKJ), excluímos 2 textos que nesta versão podem cair dentro da mesma categoria, a saber: Atos 3:13, 26. O “Servo Jeová” é um dos títulos do Senhor no Velho Testamento, conotando Divindade. E é um fato admirável que este aspecto do ministério de Cristo caracteriza o Evangelho de Marcos, com o qual se crê que o Apóstolo Pedro esteve particularmente associado. Embora o uso desse título pelo próprio Senhor não tenha respaldo sobre o assunto aqui em pauta, não devemos ficar desapercebidos. O nome de “Jesus, o crucificado” foi o que inflamou o ódio de Paulo como perseguidor e foi esse o nome que ele ouviu na visão celestial da glória, a qual o deixou cego, tendo sido por ela alcançado no caminho de Damasco, quando ia cumprir sua maligna missão de perseguir os cristãos. “Eu sou Jesus, a quem tu persegues” (Atos 9:5). A partir desse momento, a verdade foi impressa em sua alma de que haviam “crucificado ao Senhor da Glória”.
Nas treze epístolas atribuídas à autoria do Apóstolo aos Gentios, existem apenas oito passagens nas quais o “nome simples” ocorre. E nessas oito vezes isso acontece na Epístola aos Hebreus Esta parte de nossa pesquisa é de excepcional interesse, pois o uso do Apóstolo Paulo do “nome simples” está de acordo com o ensino doutrinário. Hebreus foi escrita na linguagem da tipologia do Velho Testamento. E para apreciar a significação do “nome simples” nessa epístola, precisamos entender essa tipologia.
Contudo, introduzir aqui um tratado sobre este importante assunto seria impraticável e a sentença seguinte da passagem antes citada do Comentário de Ellicot é suficiente: “Na Epístola aos Hebreus esse uso é pelo menos raro (Ver caps. 2:9;6:20;7:22;12:2,24;13:12) e pode-se ver que em todos os casos uma ênfase especial é colocada sobre a humanidade sofredora do Senhor e os fatos históricos do Seu ministério na terra, aos quais ela se refere”. O que já foi dito sobre o uso do “nome simples” na Primeira Epístola de João se aplica igualmente a algumas passagens, como Romanos 3:26. E ao capítulo 8:11: “E, se o Espírito daquele que dentre os mortos ressuscitou a Jesus habita em vós...”
Citando novamente o Comentário de Ellicot, “A ressurreição de Cristo aponta para o ministério efetivo dEste sobre aqueles de quem Ele é o Mediador”.
Uma explicação similar sugere em si mesma o que diz respeito ao uso do “nome simples”, no capítulo 4:10,11,14 da 2 Coríntios. O leitor inteligente não deixará de observar o grande contraste entre “Jesus” e “O Senhor Jesus” nas passagens. “A vida de Jesus” (vs. 10, 11) deveria significar Sua vida na terra, enquanto o princípio vital que Ele compartilhou com o Seu povo na terra, seria “A vida de Cristo”.
A leitura revisada de João 16:17 exemplifica o interesse e a importância da pesquisa atual. Sua devoção aos três MSS - tolice usual do leigo em dar um indevido valor à “evidência direta” - tem levado os revisores a destruir a significação do texto. “As marcas de Jesus” significariam que (conforme o caso do lendário Francisco de Assis) o corpo do Apóstolo fora marcado com estigmas idênticos àqueles levados pelo próprio Senhor, após a Sua crucificação. Seria possível acreditar que o Apóstolo pudesse ter feito essa declaração? A significação das palavras que ele usou não deixa dúvida. Era uma prática normal dos proprietários de escravos marcar os mesmos e as cicatrizes das feridas do Apóstolo recebidas em seu ministério por Cristo significavam para ele “as marcas de Jesus”, marcas registradas pelas quais o seu Divino Mestre afirmava que ele era o Seu escravo. Nas últimas cartas do Apóstolo Paulo, escritas durante o seu cativeiro em Roma, o “nome simples” ocorre duas vezes. Essas passagens, mesmo ultrapassando o nosso propósito atual, são Efésios 4:21: “Se é que o tendes ouvido, e nele fostes ensinados, como está a verdade em Jesus” e Filipenses 2:10: “Para que ao nome de Jesus se dobre todo o joelho dos que estão nos céus, e na terra, e debaixo da terra”. “A verdade em Jesus” é um sinônimo popular, embora não escriturístico, para “a verdade evangélica”. Na linguagem da Escritura esta deveria ser “A verdade de Cristo”. Contudo, a exortação não se relaciona à doutrina, mas à prática. É que a vida cristã deveria ser o reflexo da verdade, conforme foi manifestada pela vida do nosso Divino Salvador, nos dia de Sua humilhação, daí a expressão: “A verdade em Jesus”.
Alguns poderiam dizer que em Filipenses 2:10 “Jesus” é o nome de exaltação do Senhor. E como prova disso, apelam às palavras do anjo anunciando o nome divinamente escolhido para a Sua humilhação. Contudo, isso não tem muito suporte e destrói, não apenas a força, mas a significação da passagem. “Jesus” é o Seu nome de nascimento, pois, até mesmo em Sua humilhação, Ele era o Salvador. Mas temos aqui o nome que Lhe foi dado na Glória, em razão de Sua morte na cruz. E não é em relação à Sua obra como Salvador dos pecadores que a cruz é aqui mencionada, mas incidentalmente como exibição da coroação pela desprezível rejeição que Lhe foi dada pelo mundo, principal e enfaticamente, como o ápice de Sua humilhação. E foi por causa da Sua auto-renúncia, da Sua auto-humilhação, se pudermos usar esta palavra, que “Deus o exaltou sobremaneira”. E qual pode ser esse nome, senão “o nome grande e tremendo de Jeová” (Salmos 99:3). Mesmo assim, é diante do nome de Jesus que todo joelho vai se dobrar. Claro está que todos irão se prostrar na presença da glória, diante da qual o discípulo amado caiu como morto. Mas, como essa passagem nos diz, sua homenagem será prestada Àquele Deus a Quem estão adorando - o “Jesus”, cuja Divindade o incrédulo hoje nega, ou então reconhece apenas através da hipócrita recitação de um credo. Não é, conforme o profano ensino dos racionalistas cristãos, que Ele tenha suplantado o “cruel Jeová” de Israel, mas que Ele é a manifestação do Deus do Velho Testamento.
E sendo Ele “a imagem do Deus invisível, o primogênito de toda a criação” (Colossenses 1:15), refulgindo toda a Sua glória como a imagem da substância do Pai, é o único Deus diante de quem o mundo inteiro deve se prostrar. “E toda língua confessará que Ele é o Senhor”, confissão pela qual o discípulo optou nos dias de Sua humilhação, a qual deveria caracterizar os cristãos nestes dias de Sua ausência. No capítulo 10 de Romanos lemos que ao contrário da justiça que procede da lei, a qual consiste em operar, a justiça da qual nos fala a fé em Cristo é esta: “Se com a tua boca confessares ao Senhor Jesus, e em teu coração creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo” (Romanos 10:9). Este ensino nos lembra outra passagem vibrante da mesma importância. Na 1 Coríntios 12:3, o Apóstolo nos dá a entender que “ninguém que fala pelo Espírito de Deus diz: Jesus é anátema, e ninguém pode dizer que Jesus é o SENHOR, senão pelo Espírito Santo”. Contudo, poucos entendem que ninguém pode dizer “Senhor Jesus”, assim como é fácil a qualquer incrédulo dizer simplesmente “Jesus”. Qualquer pessoa pode papaguear o que aprendeu a falar [Os papagaios também o fazem], mas dificilmente escutamos esta expressão “Senhor Jesus” dos lábios de um incrédulo. Para este o Senhor é “Jesus”, “O Salvador”, ou simplesmente “Jesus Cristo”, (nome este usado com a significação de nome e sobrenome), mas nunca “O Senhor Jesus” ou “o Senhor Jesus Cristo”, como Ele deve ser nomeado. O capítulo 4 da 1 Tessalonicenses nos chama a atenção neste sentido. O Deão Alford escreve: “As palavras são a expressão do pensamento e quando encontramos uma construção incomum, ela demonstra uma razão especial na mente do escritor no sentido de usá-la. [Conhecemos este pensamento mais desenvolvido como: “Você pensa o que lê; fala o que pensa e é o que fala”, daí que a pessoa que estuda a Bíblia com sincera dedicação tem um linguajar mais saudável e pode melhor dar um bom testemunho de sua fé]. Contudo, nos versos finais deste capítulo os tradutores nos entregam o que supõem que o Apóstolo quis dizer e não o que ele realmente escreveu. E assim eles fazem a tradução do verso 14: “Porque, se cremos que Jesus morreu e ressuscitou, assim também aos que em Jesus dormem, Deus os tornará a trazer com ele”, como simplesmente “os mortos em Cristo” [Ou os que nele dormiram, como a NVI]. A frase “dormir em Jesus” está de tal modo incrustada no pensamento cristão que chamá-la de anti-escriturística até parece um sacrilégio! E, contudo ela nos rouba o profundo e importante ensino desta maravilhosa passagem. Uma entrega estrita e acurada das palavras do Apóstolo seria: “Aqueles que foram postos a dormir por (ou através de) Jesus, Deus os trará com Ele.” A explicação desta aparentemente estranha declaração pode ser encontrada nas circunstâncias que levaram o Apóstolo a escrever esta carta. Quem são esses “que dormem” e o que lhes causou a morte? A resposta a esta pergunta se encontra na explicação da passagem e pode ser deduzida na 1 Tessalonicenses 2:14-16.
Aprendemos em Atos 17 que, depois que o Apóstolo chegou a Beréia, partindo de Tessalônica, os judeus o expulsaram e ele fugiu para Atenas. Sua estada em Atenas foi ainda mais breve do que em Beréia. Mas, antes de seguir para Corinto, ele recebeu notícias que provocaram o receio de que o seu trabalho em Tessalônica tivesse sido em vão (1 Ts. 3:5). Então ele comissionou Timóteo a voltar depressa a Tessalônica e o registro de Timóteo, que o alcançou em Corinto, foi o que levou o Apóstolo a escrever esta carta. É que nos primeiro meses, desde que o Apóstolo havia estado com eles, havia acontecido uma porção de mortes numa comunidade pequena demais como a dos tessalonicenses convertidos e isso parecia estranho. E era inacreditável que quaisquer mortes naturais tivessem afetado tanto a fé dos cristãos do tipo descrito no capítulo 1. Claro está que o que havia testado a sua fé não fora o fato dessas mortes, mas a maneira como estas haviam acontecido... E a epístola indica claramente que estas haviam sido fruto de uma tempestuosa perseguição surgida naquela cidade. Numa palavra, alguns dos seus líderes haviam sido martirizados. Ora, eles não tinham ouvido dizer que o Senhor “tem todo o poder nos céus e na terra” e que jamais abandona o Seu povo? Como então haviam caído presa dos seus inimigos? Ou o ensino era errôneo ou então os seus entes queridos haviam caído no desagrado divino, daí por que eles os estavam pranteando “como alguns que não têm esperança.” (4:13) Eles deveriam lembrar-se de que o próprio Senhor Jesus havia sido morto pelo seu inimigo comum (2:15) e que os apóstolos, quando estava com eles, já os havia advertido no sentido de esperarem tribulações iguais às que estes estavam sofrendo (1 Ts 3:4). Finalmente ele lhes envia uma mensagem de esperança, recebida diretamente do Senhor para o seu conforto (3:11-13). Por isso ele as entrega: “nas palavras do Senhor”. Esta é uma das revelações especiais (como as de 1 Coríntios 11:23 e 15:3) que o Apóstolo teria recebido.
Os “mortos em Cristo” do verso 16 são os santos mortos em geral, mas os que dormem, dos versos 13 e 14, são as pessoas individuais, cujas mortes os tessalonicenses estavam pranteando. E porque fora por amor do Seu nome que eles haviam sofrido, é que o Senhor fala deles como tendo-os posto a dormir. É como se Ele dissesse: “Bem, eu fui a causa de sua morte, mas mesmo assim não falhei com eles. Não fui eu mesmo levado à morte? E tão certo como eu morri e ressuscitei, eles também vão ressuscitar e Deus os trará comigo em minha vinda”. E a infinita graça e ternura são intensificadas pelo fato de que a mensagem de conforto e esperança é entregue em o nome de Sua humilhação - o nome sob o qual Ele foi assassinado! Esta é a Sua primeira mensagem registrada para os santos na terra, após a Sua Ascensão. E com esse mesmo nome Ele entregou sua mensagem final em Apocalipse 22:16: “Eu, Jesus, enviei o meu anjo, para vos testificar estas coisas nas igrejas. Eu sou a raiz e a geração de Davi, a resplandecente estrela da manhã”. Então, vamos dar a resposta que o Espírito Santo colocou em nossos lábios: “Ora vem, Senhor Jesus!”. Ele se dirige ao Seu povo com o nome de Sua humilhação, esperando que estes respondam confiantemente usando o Seu Nome de Glória!
Capítulo 8
O capítulo 8, completando esta breve revisão das passagens da Escritura, vai observar o último livro do Cânon Sagrado. Os evangelhos estão de tal modo ligados às Escrituras Hebraicas e ao povo da Aliança, que se o Livro de Atos tivesse se perdido, a transição às epístolas das comunidades gentílicas iria parecer um estranho enigma. E se o Livro de Apocalipse tivesse desaparecido, esse enigma tornar-se-ia insolúvel. De fato, uma Bíblia assim mutilada teria proporcionado uma justificativa à profana zombaria do incrédulo, de que Deus havia sido frustrado em Sua tentativa de realizar os Seus declarados propósitos sobre a terra, portanto Ele agora pretende destruir os seus problemas com um foguetório.
Mas Apocalipse é o livro da grande prestação de contas das permanentes promessas divinas. E em suas páginas todos os retalhos da história e tipos de profecias que estavam dispersos nas antigas Escrituras, são aqui reunidos e conduzidos à sua destinada consumação. E com todo o respeito pela narrativa e solenidade do livro, a aparição do “nome simples” em cada capítulo do mesmo não oferece desculpa alguma para o uso familiar desse nome, como tem sido comum hoje em dia. Embora suas ocorrências sejam poucas, limitando-se ao uso do mesmo pelo próprio Senhor, e a certas passagens onde é empregado, nas seguintes frases:
“No reino e paciência de Jesus” - (Apocalipse 1:9).
“O testemunho de Jesus” - (1:9;19:10;20:4).
“A fé em Jesus” - (14:12).
“Testemunhas de Jesus” - (17:6).
Nenhum cristão poderia atribuir estas frases contundentes ao capricho do escritor sagrado, mesmo não sendo elas encontradas em parte alguma da Escritura. O caráter e propósito do Apocalipse talvez nos dêem uma visão sobre a sua significação.
Que a atual “dispensação cristã” é o clímax do cumprimento de todos os propósitos e bênçãos divinas sobre a terra é uma heresia pela qual os Pais latinos prepararam a apostasia romanista [Conforme a teologia de Agostinho de Hipona] que se autodenomina “Santa Igreja Católica Romana”. Essa heresia tem permeado de tal maneira a teologia da Cristandade que nos enormes cabeçalhos das edições da última porção de Isaías, na Bíblia Inglesa, todos os julgamentos e ais se destinam exclusivamente aos judeus, enquanto as visões de bem-aventuranças se destinam ao triunfo espiritual da “Igreja”. Tanto se coloca a presente dispensação de ser o cumprimento das profecias de bênçãos terrenas que ela acentua a mais definitiva maneira de ir postergando o seu cumprimento. Os propósitos divinos revelados para a terra estão relacionados ao Seu povo terreno e a sua realização aguarda o “final dos tempos dos gentios”, cujo poder terreno - transferido de Jerusalém para a Babilônia há 25 séculos - continua nas mãos dos gentios. Até que sejam consumados “os tempos dos gentios”, o Reino de Cristo não será estabelecido [O que prova a falácia da Teologia do Reconstrucionismo, tão adotada pelos líderes das seitas neopentecostais]. A dispensação pentecostal [Não nos referimos a esta denominação pseudo-pentecostal, mas à verdadeira, vigente nos dois primeiros anos após o Pentecostes] poderia ter conduzido o povo de Deus a um grande evento. Mas em razão da constante apostasia de Israel [consumada em sua rejeição ao Messias Jesus Cristo] essa dispensação foi interrompida.
O assassinato de Estevão foi a resposta dos importantes líderes judeus à inspirada proclamação apostólica de uma anistia divina. Estevão foi o mensageiro como que enviado pelo rei para dizer: “Não queremos que esse homem reine sobre nós”. Logo depois, o Apóstolo aos Gentios recebeu a comissão divina e por meio dele foram reveladas as grandes verdades do “mistério” da atual dispensação, verdades que haviam, até então, sido mantidas em segredo, nenhuma delas tendo sido revelada no Velho Testamento. Elas constituem o “mistério” do Reino da Graça, o qual é, certamente, incompatível com o governo divino da retidão, antes expressamente declarado. O “mistério da Igreja” - o corpo de Cristo - uma relação celestial com uma glória celestial, é o “mistério” dessa fase especial da Vinda do Senhor, a qual conduzirá esta dispensação ao seu término. [Reconhecer-se com um pecador indigno de salvação; aceitar pela fé o sacrifício de Cristo na cruz e nele confiar plenamente e viver uma vida reta por amor do Seu Nome, é tudo que um cristão deve fazer para ficar em paz com Deus (Romanos 5:1) e aguardar confiantemente a Sua gloriosa vinda].
E no final da mesma, a [legítima] dispensação pentecostal do início será restaurada. Seu estágio inicial incluirá o cumprimento da profecia de Joel referida por Pedro em Atos 2:16 e seguintes [a partir daí e até a consumação dos tempos dos gentios não haveria revelações do tipo mencionado em Joel 2:28-32, como tem sido propagado pelos segmentos ditos pentecostais da atualidade]. Esse retorno à dispensação pentecostal será marcado pelas mais terríveis perseguições que o povo de Deus jamais terá sofrido na terra (Mateus 24:21,22). [Quem aplica o Livro de Mateus aos gentios está perdendo a maravilhosa mensagem que aí existe, destinada exclusivamente ao povo de Deus].
O Cânon Sagrado é encerrado e a Escritura Sagrada é a Palavra de Deus para o Seu povo na terra, até que o final dos tempos se concretize. Ela contém ensinos que têm provado ser definitivamente aplicáveis às mais variadas circunstâncias pelas quais têm passado os filhos da fé, em eras passadas e, especialmente, no contexto atual. Poder-se-ia acreditar que ela não continha mensagem alguma de admoestação e conforto para os dias tenebrosos que estão no porvir? Será que deveríamos considerar essas mensagens agora? As visões do Apocalipse, embora limitadas ao povo e Deus para os dias da provação de sofrimentos e perigos sem precedentes, conforme Mateus 24:21,22, pode significar que naqueles dias os “eleitos” estarão ligados ao próprio Senhor pelo nome de Sua humilhação - um nome tão evocativo de memórias do Seu sofrimento e dor. Haverá aquelas “testemunhas de Jesus” (Ap 17:6), as quais serão Sua propriedade, num sentido muito especial.
Eles terão a “fé em Jesus” (Ap 14:12), a fé que os sustenta na trilha que terminou na cruz. É “o testemunho de Jesus”, que foi dado por Ele diante de Pilatos, quando com algumas palavras Ele poderia ter-se livrado da condenação e obtido a sua liberdade, recebendo proteção do poder romano contra os Seus perseguidores.
Levando tudo isso em consideração, não é como “Apóstolo do Senhor” que o vidente escreve, mas como “irmão e companheiro na aflição”: “Eu, João, que também sou vosso irmão, e companheiro na aflição, e no reino, e paciência de Jesus Cristo, estava na ilha chamada Patmos, por causa da palavra de Deus, e pelo testemunho de Jesus Cristo”. (Apocalipse 1:9).
Aqui o Senhor não é apresentado conforme a Sua glória, mas ainda sofrendo, em vista do Seu povo estar sofrendo, também, e esperando pacientemente, do mesmo modo como Ele tem estado esperando. É certo traçar uma conexão entre as palavras da 1 Timóteo 6:13 e as “testemunhas de Jesus” nestas passagens. O verbo usado na passagem supra citada é “martu’reo” e aqui o nome é “marturia”. E certamente ambas as cláusulas da sentença “os mandamentos de Deus e o testemunho de Jesus” (Apocalipse 12:17) devem ser lidas do mesmo modo como se lê Apocalipse 14:12: “Aqui está a paciência dos santos; aqui estão os que guardam os mandamentos de Deus e a fé em Jesus”.
Capítulo 9
Ninguém que possua uma mente aberta, e tenha seguido esta pesquisa com respeito ao nome pessoal do Senhor no Novo Testamento, poderia resistir à conclusão a que ela conduz. O uso moderno familiar do “nome simples” - “Jesus” - não tem qualquer autoridade no uso apostólico. Alguns cristãos que reconhecem ser esta prática comum errada, não condizendo com as Escrituras, adotam o que pode ser descrito como um compromisso de acrescentar sempre a palavra “Cristo” ao nome simples. Este motivo é por demais louvável, mas faríamos bem em considerar, não apenas a profundidade da significação que o nome completo “Jesus Cristo” possa ter com os que o usam assim, mas o que ele significa à vasta maioria das pessoas que o escutam ou lêem as suas palavras. O incrédulo tem usado “Jesus Cristo” da mesma maneira livre como os cristãos o fazem. Até mesmo com os cristãos, por mais consagrado que seja, e evoque memórias sagradas, ele é obviamente considerado (como “Jesus”) apenas um nome pessoal, o qual aponta, não para o Senhor da Glória, assentado no trono eterno, mas retrocede ao “Jesus histórico”. Alguns teólogos poderiam nos levar a crer que até mesmo no Novo Testamento “Cristo” é algumas vezes usado meramente como um sobrenome - uma ilusão que demonstra quão totalmente pode estar a exegese gentílica fora de harmonia com o pensamento judaico. Pois para um judeu devoto, bem como para um hebreu cristão, este era um título divino de grande solenidade. Vamos verificar melhor o seu pressuposto na Escritura: se para “Cristo” (no Grego) lemos “Messias” (em Hebraico) e para “Jesus Cristo”, “Jesus, o Messias”, isso nada significa para os ouvidos dos gentios e os gentios convertidos precisavam receber o ensino do seu significado sagrado.
A maioria dos cristãos peca neste sentido e costuma se desculpar, dizendo que esse erro provém do mau treinamento ou falta de concentração. Mas dando atenção ao assunto, eles bem poderiam ser guiados pelo próprio ensino e prática primitiva da Escritura. As pesquisas do Dr. Adolph Deissmann concluíram que na era apostólica, falar de Cristo como “o Senhor” era um modo total e definitivo de reconhecer a Sua Divindade. Ele diz: “No tempo do Apóstolo Paulo, ‘Senhor’ era por todo o mundo oriental uma concepção religiosa universalmente compreendida. A confissão do Apóstolo do seu mestre como “nosso Senhor Jesus Cristo” ... era logo entendida na totalidade de sua significação por todo o oriente grego”. Sob os imperadores que os perseguiram, conforme nos conta novamente o mesmo escritor, tal confissão “levava os cristãos ao martírio”. Se falar de Cristo como “o Senhor” fosse encarado com esses mesmos perigos, hoje em dia, os cristãos seriam mais cuidadosos em evitar essa prática, como agora parecem ser...
E as pesquisas do Dr. Deissmann podem nos capacitar a melhor entender a narrativa de Atos 2:36: “Saiba, pois, com certeza toda a casa de Israel que a esse Jesus, a quem vós crucificastes, Deus o fez Senhor e Cristo”, conforme a pregação do Apóstolo Pedro, no Dia de Pentecostes. “Senhor e Cristo”. Conquanto o testemunho especial dado aos judeus é que Ele era o Cristo, entre os gentios era dada a ênfase sobre a verdade de que Ele era o Senhor. Do mesmo modo como lemos que em Jerusalém os apóstolos pregavam “a Jesus Cristo” (Atos 5:42). Porém os cristãos foram dispersos, com a perseguição a Estevão, entraram em contato com os gentios e começaram a pregar o Senhor Jesus Cristo como “o Filho de Deus” (Atos 9:20). E aos coríntios o Apóstolo Paulo declarou com ênfase: “Porque não nos pregamos a nós mesmos, mas a Cristo Jesus, o SENHOR; e nós mesmos somos vossos servos por amor de Jesus” (2 Coríntios 5:4). Os escritos do Apóstolo Pedro mostram como esta consideração o influenciou, ao nomear o Senhor na Primeira Epístola de Pedro endereçada aos cristãos hebreus, conforme a 1 Pedro 1:1-2: “Pedro, apóstolo de Jesus Cristo, aos estrangeiros dispersos no Ponto, Galácia, Capadócia, Ásia e Bitínia; eleitos segundo a presciência de Deus Pai, em santificação do Espírito, para a obediência e aspersão do sangue de Jesus Cristo: Graça e paz vos sejam multiplicadas.” O Senhor é nomeado oito vezes como “Jesus Cristo”, enquanto na Segunda Epístola dirigida aos crentes gentílicos, ele escreve: “Simão Pedro, servo e apóstolo de Jesus Cristo, aos que conosco alcançaram fé igualmente preciosa pela justiça do nosso Deus e Salvador Jesus Cristo: graça e paz vos sejam multiplicadas, pelo conhecimento de Deus, e de Jesus nosso Senhor”
Ao estudar as epístolas nesta conexão, devemos levar em conta o texto revisado. Pois em muitas ocorrências de “Cristo Jesus”, na V.A. King James, a leitura revisada coloca “Jesus Cristo”, o que demonstra como a autoridade dos MSS é conflitante. Na versão do Deão Alford, por exemplo, lemos “Cristo” na 2 Coríntios 4:6 e “Cristo Jesus” em Filipenses 1:6, sendo assim em toda parte. De fato, a leitura correta é duvidosa em quase metade das passagens onde ocorre “Jesus Cristo” em nossa V.A. Essa distinção tem uma significação doutrinária. Pois “Jesus Cristo” nos fala do Senhor como Pessoa, enquanto “Cristo Jesus” é, segundo o termo de alguns escritores, o “Cristo Oficial” - o Cristo em relação ao Seu povo. Comparem, por exemplo, “o homem Jesus Cristo”, em Romanos 5:15, com “Batizados em Jesus Cristo” em Romanos 6:3. [Na BKJ e na FIEL lemos “Jesus Cristo”, na BLH e na NVI é “Cristo Jesus”, conforme defendido pelo escritor]. Na 2 Coríntios 13:5, se o texto adotado nas duas versões inglesas for aceito, ele deve ser entregue como “Jesus Cristo está em vós” (BKJ e Fiel), exatamente como na 1 Coríntios 14:25, onde o Apóstolo fala de “Deus entre eles”. A Escritura não fala de um cristão estar em Jesus Cristo, ou de Jesus Cristo estar em um cristão, pois a verdade “em Cristo” ou “em Cristo Jesus” é tão clara como preciosa (2 Coríntios 5:17).
Muitos estudiosos da Bíblia poderiam encontrar resultados surpreendentes no estudo do uso do nome “Jesus Cristo” no Novo Testamento. Por exemplo, em todos os 4 evangelhos ele ocorre 5 vezes, 8 vezes incluindo o seu uso pelo próprio Senhor em João 17:3. Ele é usado 7 vezes em Atos e nunca de maneira incidental ou narrativa, conforme é tão comum nos dias de hoje. Com respeito às epístolas, tendo em vista as diferentes leituras, uma completa análise das passagens onde Ele é citado envolveria uma digressão séria demais. Basta que se diga, primeiro, que nos escritos apostólicos o uso de um ou outro dos nomes ou títulos do Senhor tem sempre uma significação definida e não é, como acontece conosco, devido meramente à eufonia ou ao capricho. Segundo, todos os que crêem na inspiração divina da Sagrada Escritura devem reconhecer que até mesmo as declarações humanas mais formais e solenes estão em nível diferente e inferior. Portanto, um assunto desse tipo, ao que nos concerne, não é copiar a linguagem da Palavra de Deus, mas ser governados pelos seus preceitos e pelo exemplo daqueles, cujos caminhos e palavras foram controlados pela presença e pelo ensino individual do Senhor.
“O que faria Jesus” é a mais do que irreverente fórmula pela qual algumas pessoas desejariam estabelecer cada questão. Há alguns anos, se pudéssemos confiar nos jornais, os criados da casa de um certo nobre inglês, onde o Socialismo havia se estabelecido, foram encorajados a dirigir-se ao nobre patrão pelo nome cristão. Mas, certamente, até mesmo na degradação de um lar como esse, a linguagem de saudação dos criados não seria “O que George faria?” Mas “O que George deseja que façamos?”
E neste assunto não devemos apenas nos mirar nos exemplos dos santos antigos, pois temos palavras de definida direção do próprio Senhor: “Vós me chamais mestre e Senhor e fazeis bem...”. E certamente isso deveria nos bastar a todos nós que O amamos e tememos. Mas também devemos nos lembrar de Suas palavras registradas em João 5:22,23, palavras por demais explícitas e solenes, apoiando exatamente essa questão diante de nós: “Pois, assim como o Pai ressuscita os mortos, e os vivifica, assim também o Filho vivifica aqueles que quer. E também o Pai a ninguém julga, mas deu ao Filho todo o juízo.”
Elas são lidas, geralmente, como se nada significassem além de que devemos honrar o Pai, mas também o filho. Contudo a linguagem não pode ser mais definitiva e clara. A prerrogativa divina do Julgamento foi a Ele confiada, a fim de que Ele, o Filho, possa receber a mesma homenagem que é prestada ao Pai. Suas palavras não podem ter outra significação. E cada um de nós deve fixar bem isso na consciência, tendo em vista o Tribunal de Cristo, meditando se estamos agindo da mesma maneira pela qual Ele é nomeado hoje em dia, não apenas na conversação normal, mas também nos púlpitos e na literatura “cristã”.
O fato tão definitivamente observado nas páginas anteriores é que, ao longo das epístolas, o Senhor é ocasionalmente chamado “Jesus” ou “Jesus Cristo”, nomes tão apropriados por muitos com a desculpa de relaxamento ou indiferença neste sentido. Não é para esses que estou fazendo este apelo, embora até mesmo estes deveriam estudar os versos de abertura da 1 Coríntios, como ilustração do pensamento e uso apostólico. Citando a edição revisada, o Apóstolo se dirige aos coríntios como “santificados em Cristo Jesus” (BKJ e FIEL). Após a saudação em Jesus Cristo, ele agradece a Deus pela graça que lhes foi dada em Jesus Cristo, falando do testemunho de Cristo, etc., abrindo a epístola com a nomeação de “nosso Senhor Jesus Cristo” (v. 8). Pois em muitos livros cristãos, ao longo de 200 páginas, esse título de glória não será encontrado tão freqüentemente como aqui ele ocorre em menos de 200 palavras.
Este capítulo deve terminar de acordo, chamando a atenção para um preceito que o texto da edição revisada recobrou para nós: “Santificai a Cristo em vossos corações como Senhor”. [Na BKJ é “Lord God”, na Fiel é “Senhor Deus”, enquanto na BLH é “respeito por Cristo” e na NVI é “Santificai a Cristo”]. Alguns cristãos, ansiosos para confessá-Lo diante dos homens, muitas vezes se retraem pelo temor de causar escândalo. Temos aqui, então, uma maneira de confessá-Lo, tão eficiente como inofensiva. Se esses cristãos se habituarem a nomeá-Lo sempre com a reverência que Lhe é devida, a confissão habitual dos lábios irá ajudar a santificá-Lo como Senhor na vida diária.
Um documento que me tem tocado, desde que este capítulo foi escrito, supre um vibrante comentário sobre minhas palavras na página 58 [do livro em Inglês]. Um jornal lido diante do Victoria Institute por um dos eminentes bispos irlandeses dá a seguinte resposta à questão onde deve ser encontrada a base para a verdade. “Devemos encontrá-la, não em um mero livro, mas na revelação que ele contém. Ao longo de todas as eras, a fonte do poder tem sido, não a simples letra de certos documentos, mas a personalidade e a influência de Jesus Cristo... O maravilhoso caráter de nosso Senhor... Isso é o que torna Jesus Cristo a personalidade mais vívida na história da literatura”.
Tais pensamentos são expressos com muito maior entusiasmo por Renan, o incrédulo. Mas não é isso que o Apóstolo quer dizer com “conhecer Cristo segundo a carne”? Uma vívida personalidade na história e na literatura bem pode ser uma base permanente para a “religião cristã”, mas não para a fé em Cristo. Ela não trará paz à consciência desperta às tremendas realidades do pecado e do julgamento vindouro. O Cristianismo está embasado na revelação de Jesus Cristo, o qual viveu e morreu, mas agora está entronizado em glória - uma revelação que nos vem, não através de “um mero livro”, mas nos escritos sagrados inspirados pelo Divino Espírito. Nenhum pensador mais esclarecido e destemido pode encontrar qualquer compromisso inteligente entre a “fé simples” e o agnosticismo.
Capítulo 10
Diz Renan que “o deismo do século 18 e um certo tipo de Protestantismo têm nos habituado a pensar sobre o fundador da fé cristã como sendo apenas um grande moralista, um benfeitor da humanidade”. Esse é o “Jesus” do racionalista - o “Jesus” de muitos livros “cristãos” e de certos púlpitos “cristãos”. Mas o Racionalismo é apenas um dos três “Rs” pelos quais tem sido minado o Cristianismo. O Romanismo e uma certa fase do Reavivalismo, embora se opondo ao Racionalismo e um ao outro, tende em vários graus a produzir idênticos resultados. A autoridade da “Igreja” é o lábaro de um; o sentimentalismo é a característica de ambos e a descrença é a base do Racionalismo. Sob o engodo do Romanismo encontramos um erudito e grande pensador bestificando a si mesmo pelas superstições da sua religião e, em seguida, apelando a uma “luz tremulante” para conduzi-lo “através do nevoeiro religioso que o cerca”, nevoeiro esse decorrente de ter ele fechado os olhos, tanto à razão como à revelação. E essa “luz tremulante” o leva a adorar a mítica “Mãe de Deus”, a qual excede até mesmo ao “Homem Deus” em ternura e piedade.
O Bispo Whatley ensinou que os erros de Roma têm suas raízes na natureza humana. E a mesma tendência que leva o católico romano a criar a mitológica Virgem Maria, conduz o protestante a personalizar as suas qualidades femininas no mítico “Jesus” de certos populares livros de devoção e alguns dos nossos hinos.
A hinologia é um assunto delicado do qual tratar. E mesmo sendo tão grande a influência dos hinos, seria bom que os cristãos considerassem, com atenção inteligente, as letras que estão cantando. Não me refiro aqui aos hinos sentimentalistas e irreverentes, que nenhum cristão deveria tolerar, mas ao verso de um hino familiar, muito menos tolerável do que possa ilustrar a minha objetividade.
Salvo nos braços de Jesus / salvo em seu terno seio / ali coberto pelo seu amor / docemente minh’alma deve repousar./ Ouço a voz dos anjos / cantando uma canção para mim / nos umbrais da glória / sobre o mar de jaspe. Temos aqui “os braços maternais e o seio terno”, que nada combinam com o Senhor da Glória. Temos ainda “a voz dos anjos, nos umbrais da glória”, tudo isso navegando “num mar de jaspe”, totalmente embasado no sentimentalismo.
Quanta diferença das palavras e pensamentos dos homens poderosos na fé, os quais ganharam para nós a liberdade, trazendo-nos de volta a Bíblia! Quanta diferença das palavras e ações dos apóstolos do Senhor! Poderia alguém imaginar o discípulo amado cantando um hino com essas palavras tolas? Mesmo tendo mantido um lugar de proximidade com o Senhor e tendo até se debruçado sobre o seu seio, durante a última ceia, ele também caiu aos Seus pés, quando O viu na glória celestial que Ele desfruta hoje, à destra do Pai.
Existem outros hinos, nos quais o pensamento deveria se levantar em louvor, mas que se expandem em puro sentimentalismo. E muitos deles são considerados de alto nível. O hino que inicia com “Vinde a mim, vós cansados!” pode servir de exemplo. Poderia realmente ser um belo hino, se como uma ode a “Jesus”, ele fosse mudado como segue para uma letra de fé e adoração ao Senhor.
Vinde a mim, vós cansados / e eu vos darei descanso. / A bendita voz, Senhor Jesus / que chega ao coração oprimido / Ela fala de bênção, / de perdão, de graça e paz / O’, alegria sem fim /amor que não pode cessar.
Dou estes exemplos e muitos hinos deveriam ser testados do mesmo modo.
Vinde a mim, vós errantes / e luz eu vos darei / é a voz amorosa do Senhor Jesus, / que nos chega para confortar a noite.
Nossos corações estão cheios de tristeza / e perdemos nosso rumo / Mas Tu nos trouxeste alegria / Vinde a mim, vós desmaiados / e vida vos darei. / Tua voz consoladora, Senhor Jesus / põe fim à nossa tristeza.
O inimigo é forte, tenaz e ansioso / a luta é feroz e longa / Mas Tu nos tens dado força / e nos tornado mais fortes / mais fortes que os fortes.
Qualquer um que venha / não o lançarás fora / Vossa voz bem-vinda, Senhor Jesus, / jogas para longe as nossas dúvidas. // Que nos chama, grandes pecadores /embora sendo indignos /de amor tão gracioso e sem fronteiras / para vir, Senhor, a Ti.
As exigências de ritmo e rima têm muito a ver em nossa hinologia. Mas, até mesmo sem essa desculpa, alguns dos nossos hinos são maculados em nome destes, o que tem acontecido até mesmo em nossos hinos mais nobres.
Por todos os santos que descansam de suas obras / que pela fé Te confessam diante do mundo / Teu Nome, ó Jesus, para sempre bendito seja, Aleluia!
Até mesmo como um poema este hino poderia ser melhorado, se a confissão fosse mudada para “Senhor Jesus” em lugar do anticristão “O’ Jesus” da terceira linha. Se algum membro da família real se dirigisse a Sua Majestade como “O’ George!”, a indignação do palácio seria maior do que aquela causada nos dias antigos, se algum ministro, ao conduzir as orações de louvor na igreja, tivesse se dirigido ao Senhor como “O’ Jesus!” E o que dizer dos “hinos infantis”?
Muitos livros escritos para os jovens nos causam grande tristeza. A idéia prevalecente é que no caso dos pequeninos é necessário recorrer ao que um cínico descreveria como “bobos”. Deus é deixado no pano de fundo, para os policiar e castigar, quando se comportarem mal. Esse mesmo “Jesus” é apresentado como um ser gentil, o qual lhes dará carinho, se forem bons meninos. Estes hinos deveriam ser repelidos pela verdade, tal como mudam o caráter e as guerras antigas de Samuel e do Rei Davi, de João Batista e de Timóteo. Será que já existiu uma tolice assim?
Nenhum livro de “bondade-bondade” é tão fascinante para uma criança como a grande alegoria de John Bunyan. E nenhum desses hinos irreverentes poderia atrair e encantar esses meninos como os Salmos de Davi. As crianças nunca se impressionam em tristeza no que é inspirado com ais. E para elas o que é sentimental e familiar é mais prejudicial, até mesmo do que para as pessoas maduras. Se desejamos “santificar a Cristo como Senhor em nossos corações”, é na vida inicial que os hábitos podem ser mais facilmente formados. Mesmo assim, em muitos lares cristãos é permitido que as crianças falem sobre o tio predileto da família. O que admira é que os filhos dos cristãos precisam se converter. Converter-se é voltar-se para Deus, abandonando os maus caminhos e um pai que os cria na disciplina e admoestação do Senhor deve confiar no Senhor para cumprir a Sua promessa de que uma criança deve ser ensinada no caminho que deve seguir para que deste nunca se aparte.
“Não podemos jamais chamar o Senhor de “Jesus” ou “Jesus Cristo?” Essa pergunta vem de um lar que é considerado, não apenas pelo refinamento e cultura, mas por um alto teor de Cristianismo. Não é extraordinário que essas pessoas, em vez de buscar oportunidades de confessá-Lo como Senhor, desejem encontrar ocasião de negar-Lhe a reverência e a honra que Ele exige de todos os que O conhecem?
Estas páginas já excederam os limites, conforme antes previsto. Contudo, não posso concluir sem antes declamar com ênfase a intenção ou desejo de baixar regras para guiar os outros nesse assunto. Meu propósito foi despertar um inteligente interesse no assunto e tornar urgente entre os cristãos a importância de também seguirem aquele instinto espiritual ao qual apela o Apóstolo João, quando escreveu: “E a unção que vós recebestes dele, fica em vós, e não tendes necessidade de que alguém vos ensine; mas, como a sua unção vos ensina todas as coisas, e é verdadeira, e não é mentira, como ela vos ensinou, assim nele permanecereis” (1 João 2:27). Como indica o contexto, não é que o Apóstolo credite os discípulos com a compreensão de todos os mistérios e todos os conhecimentos, mas ele está apelando aos seus instintos espirituais, a fim de torná-los intolerantes a tudo que possa manchar a honra do Senhor.
Nas cartas de Wiliam Carey (o sapateiro que se tornou, não apenas um pioneiro e um príncipe entre os missionários, mas um conselheiro e amigo de três grandes vice-reis), encontraremos a seguinte frase inspiradora: “Ser cavalheiro é o mais próximo melhor caráter de um cristão e ser cristão inclui ser cavalheiro!” No espírito dessas palavras eu iria sugerir que à parte, até mesmo dos instintos espirituais, se o povo bem considerado seguisse o seu sentido natural do que é certo e adequado, poderia descobrir a impropriedade de nomear o Senhor Jesus Cristo como um herói morto, ou coisa assim...
O caráter de um cavalheiro não é formado a partir de um “livro de boas maneiras”. É por um instinto de cortesia que nossas palavras e atos são regulados. Contudo, se o Socialismo tem prevalecido nesta terra, até mesmo por uma geração apenas, e pelo intercurso diário com os seus degradados leitores esquecemos aquele código que não foi escrito, o qual Edmund Burke descreve como “A gratuita Graça da Vida”, poderemos necessitar não apenas de uma pequena escolaridade hoje em dia, na esfera social. Então, é não é estranho que, após tantos séculos de “Religião da Cristandade”, precisemos ter os nossos instintos espirituais acelerados e treinados através de um estreito e habitual contato com a Escritura Sagrada?
“Cingi os lombos de vossas mentes” é um preceito do qual ninguém é mais carente e negligente. Pois na esfera da verdade cristã a “mente relapsa” é o que mais existe por aí. Em nenhuma outra esfera ela seria tolerada. Na literatura, na arte e na ciência, a exatidão e o cuidado na terminologia de cada assunto são considerados essenciais. Contudo, nesta sagrada esfera, honoráveis professores exibem uma chocante indiferença e ignorância da terminologia cristã bíblica.
A mente relapsa influencia a conduta. Ela tende a fazer com que se esqueça “o temor do Senhor” e a solenidade do julgamento de Cristo. Daí que algumas das “coisas melhores” que poderiam ser esperadas, evitemos “manter comunhão” com homens que não apenas difamam o Senhor, desprezando a Sua Palavra Santa, mais ainda pela falsa afirmação de serem os Seus ministros, cometendo o pecado de Judas de traí-Lo com um beijo. Nesses dias de apostasia é nosso dever buscar a presença do nosso Mestre e Senhor, tanto pela denúncia como pela demonstração de intolerância a homens tão degradados. Não com os pecadores comuns - pelos quais eles não nutrem qualquer compaixão - mas com os pecadores das “sinagogas”, para quem Ele tem reservado apenas admoestações e ais. A Reforma Protestante resgatou a doutrina da salvação exclusivamente pela fé, mas a salvação pela graça tem sido a grande verdade do reavivamento evangélico.
Esta verdade descortinada como um sol de abril, nos escritos dos reformadores protestantes, tornou-se novamente obscurecida pelo agrupamento de nuvens. Logo foi esquecido que a graça que traz salvação também ensina o salvo a viver sóbria, reta e piedosamente neste mundo, se ele estiver sempre em contato com a Palavra de Deus. O cristão foi relegado à escola da lei, quando deveria viver com a “liberdade com que Cristo nos libertou” (Gálatas 5:1). Mas do que tudo, devemos nos lembrar de que a verdade distintiva do cristão de modo algum anulou a revelação procedente de um Deus de infinita santidade e majestade. Nem um pouco da pregação e do ensino atual sugere que o Cristo dos evangelhos suplantou “o grande e tremendo Deus” da antiga Aliança. Mas o “Jesus” apresentado nesse tipo de ensino é apenas um mito. “Aquele que foi manifestado em carne” não é outro senão o Deus do Sinai, e o “nosso Deus é um fogo consumidor”. Na presença da glória do Sinai Moisés falou: “Grande temor e terremoto”. Mas quando o discípulo amado contemplou a Sua Glória, mesmo tendo se reclinado em Seu seio, na noite da traição, ele caiu aos seus pés como morto.
Entre os que proclamam em altíssima voz que “toda Escritura é inspirada por Deus...” (2 Timóteo 3:16) quão poucos são os que realmente dão importância ao Livro de Apocalipse, como sendo realmente a Palavra de Deus.
Deus é o mesmo do sermão a Nicodemos, no capítulo 3 do Evangelho de João. O Apocalipse é tratado como um apêndice do Novo Testamento, mas é um livro que deve ser estudado pelas pessoas cultas e honestas. Não existe um livro mais necessário para os nossos dias. Para uma mente esclarecida pelo capítulo de abertura, cada detalhe apresentado na narrativa da humilhação do Senhor tem um significado mais completo e brilha com uma luz celestial. Vamos ao registro dessa visão, conforme Apocalipse 1:13-18:
“E no meio dos sete castiçais um semelhante ao Filho do homem, vestido até aos pés de uma roupa comprida, e cingido pelos peitos com um cinto de ouro. E a sua cabeça e cabelos eram brancos como lã branca, como a neve, e os seus olhos como chama de fogo; e os seus pés, semelhantes a latão reluzente, como se tivessem sido refinados numa fornalha, e a sua voz como a voz de muitas águas. E ele tinha na sua destra sete estrelas; e da sua boca saía uma aguda espada de dois fios; e o seu rosto era como o sol, quando na sua força resplandece. E eu, quando vi, caí a seus pés como morto; e ele pôs sobre mim a sua destra, dizendo-me: Não temas; Eu sou o primeiro e o último; e o que vivo e fui morto, mas eis aqui estou vivo para todo o sempre. Amém. E tenho as chaves da morte e do inferno”.
Na presença de uma glória tão tremenda, uma pessoa que depende da “religião do crucifixo” [ou da prosperidade], a figura de um “Jesus” criado segundo a imagem do homem se desvanece como a neblina à luz do sol. Mas o fulgor “do evangelho da glória de Cristo, que é a imagem de Deus” (2 Coríntios 4:4), traz uma paz eterna e infalível. Não que devamos desistir de um “jota” ou um “til” do registro de Sua obra terrena, mas a nossa fé deve repousar sobre isso, resultando na glorificação do Senhor que há de voltar. E voltando do Cristo da glória para o Cristo da humilhação, o Seu “Está consumado” dito na cruz é coroado pelo “não temas” do trono.
E se os “olhos do nosso coração” (Efésios...) ficarem repletos de Sua glória, em vez de indagar: “Nunca devemos chamá-Lo Jesus?” será o nosso mais profundo e incessante objetivo “servi-Lo com reverência e temor divino”, a fim de ganharmos um lugar no Livro de Memória escrito diante dele, onde estão inscritos todos os nomes dos que O temem e meditam no Seu Nome.
Sir Robert Anderson/ Mary Schultze, 07/04/05
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