O Natal nunca foi uma época de alegria para o povo judeu. A efervescência e o tumulto das festividades nesses feriados parecem, para muitos judeus, uma grande onda de agitação que passa pela vida dos pagãos uma vez ao ano, quando celebram o advento da “divindade pagã” que adoram. A árvore de Natal raramente ofende alguém, mas com a cena da manjedoura a história é diferente. Para um judeu que foi criado na sinagoga, há algo em seu íntimo que exclama “goyishe, goyishe” (“gentílico, gentílico”) quando vê representações de pessoas reverenciando um bebê.
A efervescência e o tumulto das festividades nesses feriados parecem, para muitos judeus, uma grande onda de agitação que passa pela vida dos pagãos uma vez ao ano, quando celebram o advento da “divindade pagã” que adoram. A árvore de Natal raramente ofende alguém, mas com a cena da manjedoura a história é diferente.
Conseqüentemente, as pessoas do povo judeu se distanciaram tanto de Maria e José, que a maioria não sabe nada a seu respeito, nem mesmo de que tribo eram. Que vergonha, pois a história de Maria e José é um lindo testemunho de fé em Israel! Trata-se do registro histórico de uma jovem virgem judia e de seu noivo, que foram especialmente escolhidos pelo Deus de Abraão, Isaque e Jacó, para participarem do cumprimento da mais importante promessa feita por Ele a Seu povo escolhido – a promessa de um redentor.
Desde o tempo em que Deus usou Moisés para libertar Seu povo da escravidão no Egito, o tema da redenção teve papel de destaque na história judaica. Os dias de glória de Israel sob os reis Davi e Salomão duraram apenas 80 anos. Depois disso, Israel mergulhou na idolatria e no pecado. A recusa de retornar ao Deus que o amava custou a Israel sua preeminência, sua terra e seu reinado. Em 586 a.C., Deus enviou Nabucodonosor que varreu para sempre os últimos vestígios da monarquia davídica e levou o reino do Sul, Judá, para o cativeiro na Babilônia.
Na época em que Maria e José viviam, a nação judaica estava sob o controle de Roma. O que restava da promessa feita por Deus ao rei Davi, há mais ou menos mil anos – de que a semente de Davi “durará para sempre, e o seu trono, como o sol perante mim. Ele será estabelecido para sempre” (Sl 89.36-37) – podia ser comparado a uma brasa que mal se percebia estar ainda ardendo.
Nessa promessa de um Messias e de um reinado sem fim para Davi apegava-se o remanescente de judeus justos dos tempos antigos, enquanto esperava sua redenção ao longo de séculos de domínio gentio. A essa promessa também se apegavam Maria e José, quando César Augusto governava o mundo conhecido a partir de Roma, e Herodes, o Grande, era seu rei-fantoche, assentado no trono da Cidade Santa, Jerusalém.
José e Maria, cujo verdadeiro nome bíblico em hebraico era Miriam, viviam a aproximadamente 112 quilômetros ao norte de Jerusalém, na pitoresca cidadezinha de Nazaré, aninhada entre os declives circundantes da linda Galiléia Inferior. Ambos eram descendentes de Davi, da tribo de Judá. José, embora um simples carpinteiro, era o herdeiro direto de um trono e de um reino judaicos que jaziam em cinzas já há 580 anos. Deus não havia sequer se comunicado com Seu povo há séculos. Esse era um tempo de grande sequidão espiritual em Israel , conforme profetizado por Isaías (Is 53.2).
Finalmente, por volta do ano 5 ou 6 a.C., Deus quebrou Seu silêncio de 400 anos. Primeiro, enviou o anjo Gabriel a um sacerdote idoso chamado Zacarias. Anteriormente, o anjo Gabriel havia aparecido duas vezes ao profeta Daniel (Dn 8.16 e 9.21), nos dias do cativeiro babilônico. Gabriel disse a Zacarias que sua esposa Isabel, idosa e estéril, geraria um filho que deveria receber o nome de João. João seria um profeta como Elias, afirmou Gabriel, cumprindo a promessa de Malaquias, segundo a qual viria um mensageiro especial a fim de “habilitar para o Senhor um povo preparado” (Lc 1.17; compare Ml 3.1). Esse levita tornou-se conhecido como João Batista.
Depois, durante o sexto mês da gravidez de Isabel, Deus novamente enviou Gabriel, dessa vez a Maria, uma virgem, noiva de José. De acordo com o costume da época, Maria deveria ter no máximo 14 ou 15 anos de idade, e José, 17 ou 18. Ela era uma donzela de profunda humildade e fé, conforme revela sua imediata submissão à vontade de Deus e seu magnífico louvor e conhecimento dEle, de acordo com o relato em Lucas 1.46-55.
Gabriel revelou a Maria que ela conceberia um filho, a quem deveria dar o nome de “Yeshua”, que em hebraico significa “salvação”. Em português, esse nome é “Jesus”. “Este será grande”, disse Gabriel, “e será chamado Filho do Altíssimo; Deus, o Senhor, lhe dará o trono de Davi, seu pai; ele reinará para sempre sobre a casa de Jacó, e o seu reinado não terá fim” (Lc 1.32-33). Assim, Gabriel revelou a Maria que seu filho viria a ser “o Ungido”, o Messias de Israel.
Embora a doutrina de um Messias nascido de uma virgem pareça absurda a judeus modernos, bem como a alguns gentios também, esse não era o caso em Israel nos tempos antigos. “O caráter sobrenatural e o nascimento virginal do Messias foi, por muitos séculos, uma crença messiânica bem estabelecida entre os judeus” (Victor Buksbazen, “Miriam, The Virgin of Nazareth”, p. 82).
Essa notícia chegou até Maria em algum momento durante o seu período de noivado. De acordo com os costumes judaicos quanto ao casamento naqueles tempos, os pais de Maria e José provavelmente fizeram os arranjos necessários, tendo José dado uma soma de dinheiro (chamada “mohar”) ao pai de Maria, assegurando assim o casamento com ela. Então o casal entrou num período de noivado formal de doze meses.
Esse tempo de noivado era considerado sagrado, como o próprio casamento. Apenas um divórcio formal poderia desfazê-lo. Geralmente, um contrato escrito selava o acordo, e nesse caso um abuso moral constituía adultério, podendo ser punido com a pena de morte. Tradicionalmente, depois do acordo selado, o noivo voltava para casa a fim de preparar um lugar para sua esposa, retornando em algum momento indeterminado no fim dos doze meses para buscar sua noiva, consumar o casamento e levá-la para o lar.
É muito difícil imaginar a extensão da tristeza de José, um jovem justo, quando voltou para buscar sua noiva. Ao contrário da crença popular, a gravidez de Maria provavelmente não era visível ou publicamente conhecida quando José chegou. A Bíblia não nos diz quando o anjo Gabriel veio, durante o período de noivado, ou quanto tempo depois disso Maria concebeu. A Escritura nos relata, isto sim, que logo que Gabriel lhe contou da gravidez de Isabel, sua prima, ela imediatamente viajou à casa dela e passou lá três meses. O fato de que Isabel a saudou como “a mãe do meu Senhor” (Lc 1.43) indica que o nascimento do Messias era algo já consumado diante de Deus. Além disso, nunca se questionou acerca de quem seriam os pais de Jesus. Ele freqüentemente lia as Escrituras na sinagoga (Lc 4.16), um privilégio rigorosamente proibido a filhos ilegítimos (Dt 23.2), e era amplamente conhecido como “o filho do carpinteiro” (Mt 13.55; Mc 6.3).
Muito provavelmente, José foi buscar Maria logo após ela ter voltado da casa de Isabel. Nessa época, ela já sabia que estava grávida. Sendo um rapaz bondoso, justo e, provavelmente, apaixonado, José não queria que Maria fosse apedrejada até a morte, nem que fosse humilhada publicamente. Por isso, planejou divorciar-se dela sem nenhum alarde, quando um anjo lhe apareceu em sonho. Dirigindo-se a ele com a saudação real, “filho de Davi, o anjo disse-lhe que concretizasse o seu casamento com Maria, pois “o que nela foi gerado é do Espírito Santo” (Mt 1.20). O anjo ainda o instruiu, como Gabriel havia feito com Maria, a chamar a criança de “Jesus” – “salvação”. E então ele disse a José algo que não havia sido dito a Maria: “ele salvará o seu povo dos pecados deles” (Mt 1.21).
Por alguma razão, Deus revelou uma faceta de Seu plano de salvação a Maria e outra a José. Pelo anjo, Maria soube a respeito da segunda vinda do Messias, quando Ele viria redimir o povo judeu do domínio gentio e para reinar no trono de Davi para sempre. A revelação para José foi a respeito da primeira vinda do Messias para redimir a humanidade do pecado, por meio de Sua morte vicária. José deve ter se questionado a respeito de tudo o que estava reservado para essa criança. Como alguém que seguia a lei judaica, ele sabia muito bem que remissão de pecados apenas acontecia por meio de um sacrifício de sangue (Lv 17.11). Para que pudesse salvar “o seu povo dos pecados deles”, essa criança estava destinada a oferecer um sacrifício, ou a tornar-se um sacrifício.
Desde o tempo em que Deus usou Moisés para libertar Seu povo da escravidão no Egito, o tema da redenção teve papel
de destaque na história judaica.
Em obediência ao Deus em quem ele confiava, José casou-se com Maria (Mt 1.24). Ele viveu com ela, cuidou dela e providenciou tudo o que lhe era necessário – possivelmente, por um período de seis a oito meses –, mas não teve relações com ela até que nascesse seu primogênito. Que testemunho de retidão moral e de fé!
No nono mês da gravidez, perto de completarem-se os dias para dar à luz, “foi publicado um decreto de César Augusto, convocando toda a população do império para recensear-se” (Lc 2.1). Como era da casa e da linhagem de Davi, José e Maria, desposada com ele (desposada, pois o casamento ainda não havia sido consumado) fizeram uma viagem de três a quatro dias, de Nazaré a Belém, a cidade de Davi, onde deveriam alistar-se no recenseamento do Império Romano. Ali, na privacidade de um humilde estábulo, com José ao seu lado, Maria deu à luz o Salvador. Ela o envolveu em faixas de panos e deitou-O numa manjedoura.
“Havia, naquela mesma região, pastores que viviam nos campos e guardavam o seu rebanho durante as vigílias da noite” (Lc 2.8). Então, um anjo lhes anunciou o cumprimento de uma antiga promessa que Deus havia feito ao povo judeu: “hoje vos nasceu, na cidade de Davi, o Salvador, que é Cristo,[*] o Senhor. E isto vos servirá de sinal: encontrareis uma criança envolta em faixas e deitada em manjedoura” (Lc 2.11-12; Mq 5.2).
Sinais bíblicos sempre foram ocorrências sobrenaturais operadas pela mão de Deus e que não poderiam ser duplicadas pelo esforço humano. Embora a grande maioria dos eruditos mantenha a opinião de que o “sinal” dado aos pastores foram as faixas de pano e a manjedoura, essas não eram sobrenaturais. Naquele tempo, os bebês costumeiramente eram envoltos em faixas de pano, e, embora fosse incomum colocar um bebê numa manjedoura, nada havia de sobrenatural nisso. Essa informação meramente identificava o local correto.
O sinal era o bebê. O profeta Isaías, 700 anos antes, já dissera à casa de Davi que esperasse por um bebê que nasceria de uma virgem (Is 7.14). O bebê que acabara de nascer, diante do qual os pastores se encontravam, era aquele ao qual se referia a profecia. Tratava-se de um sinal para as pessoas de fé, de que Deus não desistira de Seu povo escolhido, mas que se lembrara da aliança feita com Davi. O bebê era um sinal de que o reino dos céus estava próximo.
Em vez de anunciar a importante notícia aos sacerdotes ou aos líderes de Israel, Deus escolheu revelar essa notável verdade a humildes pastores, os quais ocupavam o lugar mais baixo na escala social dos judeus. Como eles ficavam muito tempo sozinhos com os animais, eram considerados tão sonhadores que seu testemunho não era aceito no tribunal. Apesar disso, esses pastores eram homens de fé. Eles se apressaram ao estábulo em Belém para ver o grande milagre “que o Senhor nos deu a conhecer” (Lc 2.15). O testemunho desses pastores deve ter sido, para Maria e José, uma confirmação bem vinda de que sua obediência e sua fé não tinham sido em vão. Como fazia freqüentemente, em sua maneira silenciosa e submissa, Maria “guardava todas estas palavras, meditando-as no coração” (Lc 2.19).
Provavelmente, nem ela, nem José, algum dia compreenderam inteiramente o plano final de Deus e o seu papel nele. O reino de Deus verdadeiramente estava próximo, mas o povo judeu não estava disposto a arrepender-se e voltar-se para Deus para recebê-lO. José não viveu para ver Jesus se dirigir à cruz e salvar o Seu povo dos seus pecados, tornando-se o sacrifício final que satisfez a lei judaica. Talvez o grito de vitória de Jesus, “Está consumado!” (Jo 19.30), tenha ressoado nos céus, onde o carpinteiro o ouviu e se alegrou.
Maria não viveu para ver Jesus reinar em glória, porque essa profecia ainda aguarda o seu cumprimento. Algum dia, quando Jesus retornar, tornar-se-ão realidade as palavras do profeta Zacarias, no Antigo Testamento, e o povo judeu olhará “para aquele a quem traspassaram; pranteá-lo-ão como quem pranteia por um unigênito” (Zc 12.10). Então Israel se arrependerá e compreenderá que Deus lhe providenciou a redenção por meio de Jesus Cristo – o Messias de Israel, o filho legítimo de José, o filho natural de Maria, o eterno Filho de Deus (Ez 36.31; Zc 12.12-13.1; Rm 11.26; Is 9.6). Então Deus restaurará a Israel a sua preeminência, a sua terra e o seu reinado (Is 60; Zc 8.23). Jesus se assentará no trono de Davi, e o Seu reino não terá fim.
Nesse tempo, nenhum detalhe da cena da manjedoura de Natal parecerá “goyishe”, porque ao nome de Jesus todo joelho se dobrará, e toda língua confessará que Jesus Cristo é o Senhor, para a glória de Deus, o Pai (Fp 2.10-11). (Israel My Glory - http://www.beth-shalom.com.br)
Lorna e Tom Simcox são representantes regionais de “The Friends of Israel” em Trenton (Nova Jersey/EUA).
[*] “Cristo” (em grego) = “Messias” (em hebraico). As duas palavras significam “Ungido”.
Publicado anteriormente na revista Notícias de Israel, dezembro de 2002.
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