segunda-feira, 27 de julho de 2009

A PROBABILIDADE DA RESSURREIÇÃO DE JESUS

Richard Swinburne*

O artigo discute a forma de um argumento em favor da ressurreição de Jesus do modo como o Cristianismo acredita que esta ocorreu, o qual, se bem-sucedido, seria um forte indício histórico da existência de Deus. O artigo sustenta que Deus teve boas razões para se encarnar por certos propósitos e que, se assim ele o fez, ele viveria um certo tipo de vida como um ser humano, que seria culminada por um supermilagre como sua ressurreição. Se encontrarmos um e apenas um ser humano em toda a história sobre o qual haja uma quantidade modesta de indícios do tipo que se esperaria se ele viveu aquele tipo de vida e uma modesta quantidade de indícios do tipo a ser esperado se aquela vida fosse culminada por um supermilagre como a ressurreição, isso é um indício bem forte de que aquele ser humano era Deus encarnado. Assim, aqueles indícios aumentariam significativamente a probabilidade de que Deus existe.
Palavras-chave: ressurreição, Jesus, probabilidade, encarnação.
A discussão nesta conferência de um argumento para a existência de Deus difere das discussões dos argumentos apresentados nas duas palestras anteriores em dois aspectos. Em primeiro lugar, ela discute apenas a forma de um argumento a partir de um certo indício histórico. O indício histórico é complicado e tem sido discutido extensamente por inúmeros especialistas em Novo Testamento. Eu mesmo fiz algumas contribuições pormenorizadas para essa literatura num livro recente1. O que estou preocupado em mostrar aqui é o tipo de indício histórico que precisamos e o quão forte ele tem de ser para que alcancemos nossa conclusão. Em segundo lugar, a conclusão que estou buscando estabelecer não é apenas de que Deus existe, mas que ele se tornou encarnado em Jesus Cristo, que ressurgiu dos mortos fisicamente na manhã do primeiro dia de Páscoa. Isso obviamente acarreta que Deus existe! Mas se a prática de qualquer religião deve ser racional, as crenças que devem ser racionais não são apenas as crenças de que existe um Deus, mas crenças mais pormenorizadas – incluindo, no caso da religião cristã, aquela que eu acabei de mencionar. Precisamos de crenças acerca de como Deus interage conosco para nossa religião se tornar relevante. E para essas crenças serem racionais, deve haver bons argumentos probabilísticos que as mostrem como tais. Assim,
vamos considerar como poderíamos mostrar que Jesus (provavelmente) ressurgiu dos mortos depois de sua morte por crucifixão 36 horas antes. Uma conclusão acerca de quem Jesus era será vista na seqüência.
Na avaliação de qualquer hipótese histórica, devemos levar em conta três tipos de indícios. O primeiro tipo é o mais óbvio – o relato de testemunhas acerca dos dados físicos causados pelo que aconteceu no tempo e lugar em questão. Se é sugerido que John roubou um certo cofre, então nossa evidência histórica óbvia é o que as testemunhas disseram (sobre quem estava perto do cofre no momento em questão e onde John estava naquela hora) e dados físicos tais como impressões digitais no cofre, dinheiro achado na garagem de John, etc. Chamarei tais indícios de indícios históricos posteriores. Na medida em que a hipótese é simples e os indícios históricos posteriores são tais que você esperaria encontrá-los se a hipótese em questão for verdadeira, mas não de
outro modo, isso é prova de que a hipótese é verdadeira. Por exemplo, se John roubou o cofre, você esperaria encontrar suas impressões digitais nele, mas não esperaria encontrá-las se ele não o tivesse roubado. Na falta de indícios para uma hipótese da inconfiabilidade das testemunhas, se John roubou o cofre, você esperaria que qualquer pessoa que viu John naquela hora, ou que estivesse perto do cofre naquela hora, dissesse que viu John ali. Mas não esperaria que ela o dissesse se John não estivesse ali.
Enfatizo aqui, como nas conferências anteriores e em outro ponto nesta conferência, a importância crucial da simplicidade ao avaliar a verdade de uma teoria. Há sempre um número infinito de teorias possíveis na ciência, história ou qualquer outra esfera de investigação que são tais que, se elas fossem verdadeiras, você esperaria encontrar o indício encontrado. As impressões digitais de John no cofre, o testemunho de George acerca da presença de John na cena do roubo na hora de sua ocorrência e o fato de John ter um monte de dinheiro escondido em sua garagem poderiam ser facilmente explicados por Harry ter impresso as impressões digitais ali por brincadeira, George dizer uma mentira porque ele não gosta de John e Jim ter colocado o resultado de outro roubo na garagem de John. Mas, na falta de indícios a mais, a teoria de que John cometeu o crime é a mais provavelmente verdadeira, pois é a mais simples ao postular que uma pessoa (John), ao fazer algo (roubar o cofre), causou, de diferentes maneiras, os três indícios elencados. A menos que a teoria mais simples sobre os dados seja a mais provavelmente verdadeira, nenhuma teoria científica teria qualquer justificação, pois é muito fácil inventar um número infinito de teorias que são tais que tornam provável a ocorrência dos dados, mas que discordam totalmente entre si em suas predições para o futuro. A menos que haja algo interno à teoria, que não sua relação com os dados, que a faça provavelmente verdadeira, devemos abandonar qualquer investigação; e nossas claras convicções sobre o que é evidência do que indicam que a simplicidade é aquela característica interna que tomamos como evidência da verdade.
Assim como os indícios históricos posteriores, precisamos levar em conta indícios gerais de fundo acerca do quão provável a hipótese é verdadeira, independentemente dos indícios históricos pormenorizados. Em meu humilde exemplo, este indício será evidência do comportamento passado de John e o comportamento passado de outros sujeitos que poderiam, por exemplo, sustentar
fortemente (como sua explicação mais simples) uma teoria de que John não é o tipo de pessoa que roubaria um cofre, enquanto George é exatamente este tipo de pessoa. Nesse caso, ainda que os indícios históricos posteriores fossem exatamente os que nós esperaríamos se John tivesse roubado o cofre, mas não os que nós poderíamos esperar se George tivesse roubado o cofre, nós
poderíamos corretamente concluir que George é provavelmente o culpado.
Neste exemplo, os indícios de fundo eram bastante limitados – o comportamento passado de John ou George. Mas a influência conjunta dos indícios de fundo e dos indícios históricos posteriores opera onde os indícios de fundo são muito mais gerais. Suponha que o astrônomo observe em seu telescópio um certo padrão de pontos de brilho que é exatamente o que você encontraria se esses pontos fossem os estilhaços de uma explosão de supernova. É correto interpretá-los assim, se a teoria física mais sustentada por todos os indícios disponíveis ao físico – ou seja, os indícios gerais de fundo – permitem dizer que supernovas podem explodir. Mas se sua teoria física diz que supernovas não podem explodir, então, a hipótese de que uma explodiu nesta ocasião vai precisar de uma enorme quantidade de indícios históricos pormenorizados (eles próprios altamente improváveis em vista de quaisquer hipóteses de simplicidade igual), diferentes da hipótese de que foram causados por uma explosão de supernova, antes que possamos encará-los como prováveis – e se de fato os encaramos como tais, teremos que encarar como improvável toda a teoria física que a exclui, dado nosso novo indício histórico pormenorizado.
O indício geral de fundo pode indicar não apenas que a hipótese postulada é ou não é provavelmente verdadeira, mas que é provavelmente verdadeira apenas sob certas condições – por exemplo, que John provavelmente rouba cofres quando, e apenas quando, está financeiramente quebrado, ou que supernovas provavelmente explodem quando, e apenas quando, elas atingem uma certa idade. Nesse caso, um outro tipo de indício histórico vai entrar na equação, indícios mostrando que aquelas condições condutoras estavam ou não estavam presentes. Isso, de novo, será forte na medida em que isso é o que você esperaria encontrar se aquelas condições estivessem presentes e não de outro modo (e na medida em que a suposição destas condições for simples). Chamarei um tal indício de indício histórico prévio.
Quando estamos lidando com uma hipótese h que não seria improvável demais segundo uma visão de mundo t, mas que seria imensamente provável segundo uma visão de mundo rival, o indício geral de fundo será formado de todo o indício que for relevante para a probabilidade das diferentes visões de mundo; e à medida que ele sustenta mais fortemente a visão de mundo t que faz h não tão improvável, precisamos de menos indícios históricos pormenorizados para a afirmação de que h é verdadeira, ou seja, provável em geral. A hipótese de que Jesus ressurgiu dos mortos é exatamente desse tipo. Pois, se Deus não existe, o determinante último do que acontece no mundo são as leis da natureza, e se alguém morto há 36 horas voltasse a viver, seria (com imensa probabilidade) uma clara violação daquelas leis, e, portanto, seria impossível. Isso diz respeito à razão que Hume deu – de que todos os indícios de que alguma regularidade operou em muitas outras ocasiões passadas conhecidas é prova de que isso é uma lei da natureza e, assim, que operou naquela ocasião também e que Jesus não ressurgiu. Mas, se um Deus do tipo tradicional existe,
as leis da natureza operam apenas porque Ele as faz operar e ele tem o poder de as suspender por um momento ou para sempre. Assim, se Jesus ressurgiu dos mortos, Deus o ressuscitou. Desse modo, tratarei a hipótese de que Jesus ressurgiu como equivalente à hipótese de que Deus ressuscitou Jesus. Mas se existe um Deus com o poder de ressuscitar Jesus, ele apenas o fará na medida
em que ele tiver razão para fazê-lo; e se Ele não a tiver, essa ressurreição não deve ser esperada.
Portanto, para determinar se Jesus ressurgiu dos mortos, não é o bastante investigar se o que eu chamei de indício histórico posterior (o que São Paulo escreveu, que o texto original do Evangelho de Marcos terminou em 16.8, ou o que foi escrito no texto original das Antigüidades de Josefo) é o tipo de indício a ser esperado se Jesus ressurgiu, mas não o contrário. Pode-se também investigar se os indícios gerais de fundo sustentam a visão de mundo de que existe um Deus de um tipo capaz e propenso a intervir na história humana dessa maneira, nesse tipo de situação, ou se não existe um tal Deus. Devemos também investigar os indícios históricos prévios, ou seja, se a natureza e circunstâncias da vida de Jesus eram tais que, se Deus existe, Ele seria propenso a ressuscitar esta pessoa dos mortos. Na medida em que nossos indícios gerais de fundo e históricos prévios sustentam a visão de que existe um Deus que seria propenso a ressuscitar Jesus dos mortos, precisaremos de muito menos indícios históricos minuciosos para tornar provável em geral que Jesus ressurgiu dos mortos, dada a totalidade dos nossos indícios. Por outro lado, na medida
em que nossos indícios prévios (de fundo ou históricos) sustentam uma visão de mundo rival de que Deus (do tipo tradicional) não existe, ou que, se existe um tal Deus, Ele não tem razão para intervir na história humana desse modo, ou que mesmo se Deus de fato tem tais razões, Jesus não era o tipo de pessoa que ele teria trazido à vida novamente, precisaríamos de uma imensa quantidade de indícios históricos posteriores para que a totalidade de nossos indícios tornasse provável que Jesus ressurgiu.
Estudiosos do Novo Testamento, tanto aqueles que acreditam como aqueles que não acreditam que a ressurreição aconteceu, fazem afirmações como: “Eu [diferentemente de meus oponentes] vou chegar à minha conclusão apenas com base nos indícios históricos”, (e com isso eles querem dizer o que eu chamei indícios históricos posteriores) e nada mais. Se fosse possível fazer uma tal coisa, seria altamente irracional, pois significaria levar em conta apenas parte dos indícios. Mas não é nem mesmo possível fazê-lo, pois, a fim de se chegar a uma conclusão acerca de se seus indícios tornam provável que a ressurreição ocorreu ou não, você precisa de uma visão acerca de quantos indícios históricos posteriores são requeridos para mostrá-lo; e você não pode ter isso sem ter uma visão acerca de quão provável seja que um evento ocorra em todo caso – e isso envolve tomar uma perspectiva acerca de se Deus existe e o que é provável que Ele faça. O que os estudiosos do Novo Testamento estão prontos a negar que fazem, eles na verdade fazem implicitamente, pois ao chegar a uma conclusão acerca da ressurreição, eles devem assumir uma perspectiva acerca de quão fortes os indícios históricos posteriores precisam ser.
Argumentei nas duas conferências anteriores em favor da visão de que a existência de um universo, sua quase total conformidade às leis naturais, o fato daquelas leis serem tais que levam à evolução de seres humanos e de que estes têm almas (uma vida mental contínua, cuja continuidade é separada da continuidade de sua vida física) são indícios que dão probabilidade significativa à existência de Deus. Não tive tempo de discutir outros indícios publicamente disponíveis e muito gerais em favor da existência de Deus, incluindo – crucialmente – o indício muito difundido da experiência religiosa. Nem tive tempo de discutir os indícios contra a existência de Deus, especialmente a evidência da dor e do sofrimento. Não podemos repassar a base anterior de novo, nem discutir esses tipos cruciais adicionais de indícios. Assim, vou simplesmente pedir-lhes que no momento suponham que todos esses indícios da teologia natural (e da ateologia natural) tornam tão provável quanto não que Deus existe; que a probabilidade de que Deus existe, dados todos esses indícios, é de 0,5. Veremos em dado momento as conseqüências de enfraquecer ou fortalecer esta suposição. Se Deus existisse, então Ele claramente poderia, se assim escolhesse, ressuscitar Jesus dos mortos. Assim, na medida em que, em virtude de sua bondade, Ele tem razão para fazê-lo, é provável que Ele o faça. Deus muito raramente ressuscita os mortos (nos seus corpos originais, enquanto outros na Terra continuam suas vidas normais). Jesus precisaria, portanto, ser um tipo bem especial de pessoa para que Deus tivesse razão para ressuscitá-lo. Podem haver várias razões pelas quais Deus escolheria ressuscitar Jesus, mas considerarei aqui apenas as razões que Deus teria se Jesus fosse Deus Encarnado – pois, como veremos posteriormente, dado o tipo de vida que Jesus viveu, Ele apenas poderia tê-lo ressuscitado se ele fosse Deus Encarnado. Ou seja, argumentarei que em virtude da bondade de Deus, Ele tinha razão de se encarnar como um ser humano e viver um certo tipo de vida e que, se ele o fez, Deus teve razão de ressuscitar aquele ser humano dos mortos.
Os teólogos sempre afirmaram que a principal razão pela qual Deus escolheria encarnar-se seria fazer uma expiação pelos pecados humanos. Eles apresentaram suas várias teorias quanto ao motivo pelo qual os humanos precisam da expiação, como eles são incapazes de fazê-la por si mesmos e como apenas Deus poderia provê-la, tornando-se Encarnado, sofrendo e morrendo, e como, por esse modo, Deus poderia tornar a expiação disponível a todos os que aceitaram a ação de Deus em seu nome: a teoria de que a morte de Deus Encarnado pagaria um resgate para o demônio, ou a teoria de que seria uma punição penosamente sofrida em nosso nome, ou a teoria de que seria Deus Encarnado pagando uma compensação para Deus Pai pelo que nós fizemos de errado, e a teoria de que a vida e morte de Deus Encarnado constituiriam um sacrifício oferecido a Deus Pai em nome dos homens. Deus não tem direito de mandar ninguém mais para fazer uma tarefa tão formidável (qualquer que seja sua natureza exata) em seu nome. Ele deve agir por si mesmo. Essas teorias, então, buscam explicar porque um Deus bom poderia escolher encarnar-se em um modo em que Ele seria morto por levar uma vida santa. Enquanto levando essa vida, Ele precisaria explicar-nos que aquela vida estava sendo levada para nos redimir de nossos pecados. Assim, a ressurreição consistiria na demonstração de Deus para nós de que o resgate e a compensação foram pagos e a punição ou o sacrifício, aceitos. Pois, em todas essas perspectivas, os humanos precisam aceitar e usar esta vida e morte redentoras. A ressurreição de alguém morto por 36 horas seria, como notei, uma violação das leis da natureza, e isso só poderia ser feito por aquele que mantém as leis da natureza operativas – Deus. Trazer à vida alguém morto por viver um tipo de vida (e sofrer um certo tipo de morte) constituiria, então, a demonstração de Deus para nós de sua aceitação daquela vida com uma adequada compensação, sacrifício ou o que quer que seja; seu aval sobre aquela vida.
A segunda razão pela qual Deus escolheria encarnar-se é uma razão que valeria mesmo se os humanos não tivessem pecado. Deus fez humanos sujeitos a dor e sofrimentos de vários tipos causados por processos naturais. Deus, sendo perfeitamente bom, apenas teria permitido essa sujeição se isso servisse para um bem maior. A teodicéia busca explicar quais são os bens maiores relevantes 2 – por exemplo, o grande bem de humanos terem uma escolha livre significativa de suportar ou não, com bravura, seu próprio sofrimento e mostrar compaixão a outros que sofrem. Nós humanos, às vezes, sujeitamos corretamente nossos próprios filhos ao sofrimento em virtude de um bem maior (para eles mesmos ou outros) – por exemplo, fazendo-os comer uma dieta sem graça
ou obrigando-os a fazer algum tipo de exercício para a saúde deles, ou fazendoos freqüentar uma escola local “difícil” para que tenham boas relações comunitárias. Sob essas circunstâncias, julgamos uma boa coisa manifestar solidariedade a nossos filhos pondo-nos de algum modo na mesma situação – partilhando de sua dieta ou exercício, ou envolvendo-nos na associação de pais e mestres da escola local. De fato, se sujeitamos nossos filhos a grandes sofrimentos em vista de bens maiores que outros, surge um ponto no qual não é apenas bom, mas obrigatório identificarmo-nos com o sofredor e mostrar-lhe que o estamos fazendo. Um Deus perfeitamente bom julgaria ser uma boa coisa partilhar a dor e o sofrimento a que Ele nos sujeita, em vista de bens maiores – encarnando-se. Viver uma vida santa, protestando contra a injustiça sob condições difíceis, pode levar à execução. Deus precisaria nos ter dito ou mostrado que ele é o Deus Encarnado. Nesse caso, sua ressurreição constituiria o aval de Deus àquele ensinamento e, assim, mostrar-nos que Deus se identificou com o nosso sofrimento.
E, finalmente, precisamos de melhor informação acerca de como levar boas vidas no futuro e de encorajamento e ajuda para fazê-lo. Os humanos podem, e até certo ponto nos séculos antes de Cristo o fizeram, descobrir por si mesmos o que é certo ou errado. Mas embora as linhas gerais possam ser descobertas, os pormenores não são fáceis de se encontrar. Será que aborto e eutanásia são sempre errados, ou apenas sob certas condições? Será que relações homossexuais são algumas vezes permissíveis ou nunca?, e etc. Em tudo, nesses assuntos, os humanos não estão prontos a enfrentar o que indicam suas consciências. Eles precisam de informação. Certo, isso poderia ser provido por uma revelação a algum profeta sem necessidade de encarnação. Mas a informação moral precisa ser preenchida pelo exemplo moral – precisamos ser apresentados a em que consiste a vida perfeita e que Deus não tem direito de dizer a ninguém mais para fazê-lo por Ele. Seria bom para essa informação incluir uma mensagem encorajadora, por exemplo, de que Deus vai nos levar para o céu se confiarmos nele e atendermos seus mandamentos. Seria bom se Deus nos desse alguma ajuda extra para levarmos a vida moral – uma comunidade de encorajamento, por exemplo. Novamente, Deus, ressuscitando alguém morto por pregar um certo ensinamento e por viver um certo tipo de vida constitui esse aval daquele ensinamento.
Temos agora três razões pelas quais um Deus bom poderia escolher se encarnar de modo a sofrer e provavelmente morrer e como ele precisaria nos mostrar que era ele que tinha feito isso – o que seria alcançado por um supermilagre como a ressurreição. No meu ponto de vista, enquanto é muito provável que, em virtude de sua bondade, Deus pudesse escolher encarnar-se pela primeira e terceira razões, Ele não tem nenhuma obrigação de fazê-lo e há outras maneiras (talvez menos satisfatórias) de lidar com problemas para os quais sua encarnação por esses motivos proveria uma solução. Mas, na minha opinião, dada a extensão do sofrimento humano, nosso criador tem uma obrigação de partilhá-lo conosco e, assim, é necessário que ele se encarne pela segunda razão.
Assim, se Deus de fato se encarnou em um ser humano (chamê-mo-lo um “profeta”) pela segunda razão e uma ou ambas as outras razões, então ele precisaria viver um certo tipo de vida. Para se identificar com nosso sofrimento e nos dar um exemplo, Deus Encarnado precisa viver uma vida boa em circunstâncias difíceis, e uma vida boa, mas difícil, terminando em uma execução judicial, seria certamente isso. Para nos mostrar que Ele é Deus, que foi Deus que fez isso, Ele precisa nos mostrar que Ele acredita ser Ele mesmo Deus. Para nos possibilitar usar sua vida e morte para o pagamento dos nossos pecados, Ele precisa nos dizer que ele está vivendo sua vida por esse propósito. A fim de tornar plausível que Ele esteja pregando uma revelação, Ele precisa nos dar um ensinamento moral bom e profundo acerca de como viver. E para tornar tudo isso disponível a gerações e culturas diferentes daquela na qual Ele viveu, Ele precisa fundar uma Igreja para ensinar os homens o que Ele fez e estender a eles sua vida redentora. Assim, temos razão prévia para esperar uma ressurreição, não de qualquer ser humano, mas de um homem de quem há indícios de que tenha levado uma vida do tipo acima. Quanto mais fortes os indícios de fundo de que existe um Deus cuja bondade o levaria a se encarnar pelas razões citadas, e quanto mais fortes os indícios históricos prévios de que Jesus levou o tipo de vida descrito acima, mais forte a razão que temos para supor que Deus daria seu aval a esta por um supermilagre como a ressurreição.
Nossos indícios históricos acerca da vida e ensinamentos de Jesus não são, é claro, em enorme quantidade e requerem uma cuidadosa triagem. Minha avaliação do balanço da erudição acerca do Novo Testamento é que os indícios são tais que esperaríamos que, se Jesus levou uma vida boa e santa, deu-nos um bom e profundo ensinamento moral, fundou uma Igreja que realmente ensinou que Ele era Deus Encarnado, que pagou por nossos pecados. É, penso eu, impossível de entender seu ato de formar uma comunidade de 12 líderes a não ser de modo a criar um novo Israel, seja para no final torná-la independente ou mesmo para se fundir novamente com o antigo Israel. A erudição do Novo Testamento é, contudo, dividida acerca de se os indícios são tais que se poderia
esperar que se, e apenas se, Jesus proclamou que sua vida e morte seriam um pagamento pelos pecados; e se, no geral, afirma-se que os indícios não são tais como se esperaria se Jesus ensinasse sua divindade. Minha posição é de que os indícios históricos prévios são tais que se pode esperar com modesta probabilidade (digamos, 1/4) que Jesus ensinou tanto sua expiação quanto sua divindade. Mas não estou defendendo isso aqui. Minha tese aqui é de que quanto mais fortes são os indícios históricos prévios de que a vida e ensinamentode Jesus eram de um certo tipo, mais razão nós temos para esperar que Deus o ressuscitou dos mortos.
Apenas à luz dos indícios gerais de fundo e dos indícios históricos prévios podemos abordar o tipo de indícios que normalmente apenas estudiosos do Novo Testamento consideram relevantes – o relato de testemunhas (ou a falta disso) acerca das aparições de Jesus ressuscitado e o túmulo vazio, o que tenho chamado de indícios históricos posteriores. A isso acrescento o indício muito negligenciado da celebração universal pela Igreja primitiva da eucaristia aos domingos. A última ceia original foi celebrada em uma quinta-feira. Seria natural repeti-la em uma quinta, ou no sábado judaico, ou anualmente, no tempo da Páscoa, mas foi celebrada subseqüentemente em um domingo, o que só pode ser plausivelmente explicado por uma Igreja que acreditava que o seu principal
evento de fundação ocorreu em um domingo. Os discípulos fundaram novas igrejas fora de Jerusalém dentro do primeiro ou segundo ano da Paixão e da suposta ressurreição. Esse costume universal da celebração do domingo mostrou que, já em seu primeiro ano, a Igreja acreditava que seu evento de fundação mais importante tinha acontecido em um domingo, e há apenas um evento
possível assim – a ressurreição. Aqui a questão é: se Jesus ressurgiu, seria esperado esse tipo e quantidade de testemunhas? Caso a resposta seja sim, então, é claro, os indícios sustentam a ressurreição.
Preciso agora acrescentar mais um indício para os indícios históricos prévios. É o de que Jesus levou a vida que levou quando não havia outro sério pretendente conhecido (antes ou depois de Jesus) para satisfazer, como Jesus, os requisitos prévios ou posteriores para ser um Deus Encarnado. Por requisitos prévios quero dizer viver uma vida boa e santa, dando-nos um ensinamento moral bom e profundo, mostrando-nos que ele acreditava ser Deus Encarnado, que estava fazendo um sacrifício para os nossos pecados e fundou uma Igreja que ensinou essas coisas. Por requisitos posteriores quero dizer sua vida ter culminado em um supermilagre tal como a ressurreição dos mortos. Outros fundadores de grandes religiões viveram, é claro, vidas boas, deram ensinamento moral profundo e fundaram Igrejas – o Buda, por exemplo. Mas, manifestamente, Buda não ensinou sua própria divindade e nem o fez Maomé. Manifestamente, nenhum deles ensinou que suas vidas eram o pagamento por nossos pecados. Houve muitos messias modernos que disseram ser Deus, mas eles não satisfizeram os outros requisitos – em particular, suas vidas não foram
santas. Nenhuma outra grande religião afora o Cristianismo afirmou ter sido fundada por um supermilagre para o qual haja o tipo de testemunho pormenorizado que há para o milagre de fundação do Cristianismo (mesmo que isso possa parecer inadequado para alguns). Ao fazer essas observações acerca de outras religiões, não pretendo rebaixá-las – estou apenas apontando para o elemento historicamente incontestável de que elas não fazem o tipo de afirmações (verdadeiras ou falsas) acerca de seus fundadores tal como o Cristianismo faz acerca do seu. Não é com base nisso que elas buscam sua legitimidade.
A relevância desse fato é que mostra que ou Deus se tornou encarnado em Jesus pelas razões apresentadas ou que Ele até agora não se encarnou por essas razões. Nossas razões para esperar uma encarnação não foram atendidas, no entanto; é claro, pois, em teoria, elas poderiam sempre ser atendidas em um momento posterior. Mas a não-existência, até agora, de qualquer outro candidato plausível para satisfazer ou os requisitos prévios ou os posteriores mostra que a coincidência dos indícios prévios e posteriores (mesmo que fracos) em um candidato é um evento extremamente improvável no curso normal das coisas – ou seja, a menos que Deus tenha causado isso, seja por intervir na história ou por fazer as leis naturais em condições iniciais como eram para o único propósito de produzir esse efeito. No entanto, se Deus iria encarnar pelas razões que eu considerei e, contudo, ele não se encarnou em Jesus, causar a existência da quantidade e tipo de indícios de sua encarnação (inclusive o indício de que ele proclamou que estava se sacrificando por nossos pecados – o que Deus não deveria permitir que outros fizessem) em Jesus, e também a quantidade e tipo de indícios que há de sua ressurreição, sem que ele fosse Deus Encarnado, seria enganador por parte de Deus. Seria como colocar as impressões digitais de uma pessoa inocente na cena do crime. Isso um Deus perfeitamente bom não faria.
Tendo delineado em termos qualitativos o tipo de indícios que precisam ser pesados a fim de se ver se tornam provável que Jesus ressuscitou dos mortos, demos a isso o rigor quantitativo em termos do cálculo de probabilidades, particularmente, em termos do Teorema de Bayes, que a essas alturas já é bastante familiar a vocês. De qualquer modo, vamos recordá-lo brevemente. Eu expresso nesse teorema usando as letras e, h e k quaisquer proposições; mas, em nosso caso particular, e representa os indícios observados (dados), k representa “indícios de fundo” e h é a hipótese sob investigação.

Esse teorema estabelece de um modo formal os fatores que determinam o quanto indícios observacionais sustentam uma hipótese. P(h/e.k) pode ser chamada a probabilidade posterior de h, ou seja, sua probabilidade dadas e e k. O teorema propõe que a hipótese h se torna provável pelos indícios observacionais e e indícios de fundo k, na medida em que (1) P(e/h.k) (a probabilidade posterior de e) é alta; (2) P(h/k) (a probabilidade prévia de h) éalta; e (3) P(e/k) (a probabilidade prévia de e) é baixa. A primeira condição é satisfeita na medida em que você esperar encontrar e se h for verdadeira (dado k). A segunda condição é satisfeita na medida em que h for simples e que você espere que h seja verdadeiro dados apenas os indícios de fundo. A terceira condição é satisfeita na medida em que P(e/k) não é muito maior que [P(e/h.k) x P(h/k)]; ou seja, você não esperaria encontrar e a não ser que h fosse verdadeiro. É claro que, quando se está avaliando a probabilidade de um teoria científica ou histórica, não se podem dar valores numéricos exatos a todos esses termos – a não ser em caso de valores extremos. Mas nós podemos dar valores aproximados a eles – digamos que alguns termos tenham um valor alto ou baixo, ou que seja maior que esse termo ou menor que aquele outro – e isso é freqüentemente o bastante para nos dar algum resultado interessante.
Agora, admita-se que k seja o conjunto de indícios da teologia natural, muitos dos quais considerei nas minhas duas primeiras conferências. Admitase que e seja o conjunto dos indícios históricos, consistindo de uma conjunção de três indícios (e1 & e2 & e3). Admita-se que e1 e e2 sejam duas partes dos indícios históricos prévios que é útil manter separados – e1 seriam os indícios históricos prévios da vida de Jesus e e2 seria o indício de que nenhum outro profeta conhecido satisfez os requisitos prévios ou os posteriores para ser um Deus Encarnado, se os compararmos com o que nossos indícios (por exemplo, e1 e e2) sugerem acerca de Jesus. Admita-se que e3 seja um indício histórico posterior tal como o relato de testemunhas da pós-crucifixão acerca da ressurreição. Admita-se que h seja a hipótese de que Jesus ressurgiu dos mortos. Nosso interesse está em P(h/e.k), a probabilidade de que Jesus ressurgiu dos mortos (h), dados os indícios tanto da teologia natural (k), da história pormenorizada de Jesus e de outros profetas humanos (e).
O Teorema de Bayes nos diz que isso é uma função de três elementos. Mas estes, por sua vez, de acordo com o cálculo, são funções de outras probabilidades; e devemos abordar nosso resultado gradualmente. À medida que seguimos, atribuiremos certos valores a essas outras probabilidades – algumas das quais eu defendi hoje; outras para as quais eu dei argumentos em conferências anteriores. Indicarei, então, que aqueles valores tornam h muito provável em vista de (e.k) e que teríamos que atribuir alguns valores bem diferentes a algumas das probabilidades para evitar aquela conclusão; deixo para vocês refletirem acerca da plausibilidade disso.
Representemos por t o teísmo, a afirmação de que um Deus do tipo tradicional existe. P(t/k) é a probabilidade de que existe um tal Deus com base nos argumentos da teologia natural. Em vista do tipo de argumentos que delineei nas minhas duas outras conferências, atribuamos a isso o modesto valor de 0,5. Representemos então por c a afirmação de que Deus se tornaria (em algum tempo) encarnado, por duas ou três das razões apresentadas antes, que requereriam um supermilagre ao final daquela vida para autenticá-la como vida de Deus (c representa “encarnação calcedônia”). Atribuamos também o modesto valor de 0,5 à P(c/t.k), a probabilidade de que, se Deus existe, ele se encarnaria da maneira exposta. O valor que você dá medirá o grau pelo qual você está impressionado por argumentos acerca da probabilidade, ou mesmo necessidade, de uma encarnação. Lembre-se que meus argumentos sugerem um valor muito mais alto. P(c/k) é a probabilidade dos argumentos da teologia natural de que existe um Deus que encarna por aquelas razões. P(c/k) = P(c/ t.k) x P(t/k), considerando os valores sugeridos, ou seja, 0,5 x 0,5 = 0,25.
Agora, inicialmente, ao invés de e1, e2 e e3, tomemos f1, f2 e f3. f1 é o indício de que os requisitos prévios para ser Deus encarnado são satisfeitos em um profeta qualquer (em um certo grau, mas não necessariamente no mesmo em que eles são satisfeitos em Jesus). f3 é o indício de que requisitos posteriores para ser Deus encarnado (ou seja, sua vida culminar com um supermilagre) são satisfeitas naquele mesmo profeta (no grau em que são satisfeitos em Jesus). f2 é o indício de que nem os requisitos prévios nem os posteriores são satisfeitos naquele grau em qualquer outro profeta 3. Ora, se c é verdadeiro, se uma encarnação ocorre, quão provável é que haverá indícios f, a conjunção (f1 & f2 & f3)? Argumentei que se esperaria que um Deus Encarnado que vivesse uma vida santa ensinasse-nos verdades morais profundas, fundasse uma Igreja que ensinasse a sua encarnação e expiação, bem como que ele mesmo ensinasse que sua vida era uma expiação e que ele era divino. Sugeri que o tipo de indícios que temos acerca da vida de Jesus é tal que a esperaríamos com base nos três primeiros elementos, mas possivelmente não, com base nos dois últimos. E, talvez, se a vida de Jesus fosse culminada com um supermilagre como o da ressurreição, poder-se-ia esperar ainda mais indícios de aparições e de uma tumba vazia do que se tem de fato. Assim, que valor daríamos para P(f/ c.k)? Sejamos modestos e atribuamos 0,1. Assim, dados os argumentos da teologia natural, a probabilidade de que existe um Deus que encarnou pelas razões expostas e nos deixa com os indícios do tipo f, temos:
P(f.c/k) = P(f/c.k) x P(c/k) = 0,25 x 0,1 = 0,025
Agora, voltemos para P(f/k). Esta é igual {a probabilidade, dado k, de que existe um Deus que encarnou e deixou indícios do tipo f} mais {a probabilidade, dado k, de que ou não existe Deus ou que Ele não encarnou, mas que deixou indícios do tipo f}:
P( f / k) = P( f / c.k)P(c / k) + P( f / ~ c.k)P(~ c / k)
O primeiro termo composto do lado direito da equação é aquele que nós acabamos de calcular e para o qual demos a estimativa provisória de 0,025. E quanto ao segundo termo? P(~c/k) = 0,75, dado que (como assumimos provisoriamente) P(c/k) = 0,25 – uma vez que, por um axioma óbvio do cálculo, P(c/k) + P(~c/k) = 1. E quanto à P(f/~c.k)? Esta é a probabilidade de que não há encarnação (ou porque Deus não existe ou porque Ele não encarnou), no entanto, há indícios da teologia natural e f ainda assim ocorre. f, lembre-se, é o indício total de que um profeta satisfez tanto os requisitos prévios quanto posteriores para a encarnação, embora apenas um profeta na história humana tenha satisfeito os requisitos prévios e um profeta tenha satisfeito os requisitos posteriores naquele grau. A probabilidade de uma tal coincidência casual é enormemente baixa, a menos que Deus tenha planejado isso. Se Deus de fato planejou esta conexão, então teria sido enganador da parte dele que aquele profeta não fosse Deus Encarnado, pois – se assumimos um Deus com razão para se encarnar – a ocorrência simultânea dos indícios prévios e posteriores seria tomada como mostrando isso. Assim, digamos que a P(f/~c.k) = 0,001.
Assim, P(f/k) = 0,025 + 0,75 x 0,001 = 0,02575
, que é um número bem próximo de 1. Isso representa a probabilidade do tipo de indícios que temos acerca de Jesus de que Deus se encarnou ou se encarnará. No entanto, nossos indícios agora são um pouquinho maiores do que f. É o indício e de que o profeta ao qual f se refere é Jesus. Isso dificilmente faz alguma diferença para a probabilidade de que f (dado k) nos dá c, se acrescentamos a f quem é o profeta, uma vez que todos os fatos relevantes acerca de Jesus estão incorporados em f, em todo caso. Assim,
P(c/e.k) = P(c/f.k) = 0,97085
Ora, a probabilidade de c dado (e.k) será virtualmente a mesma que a probabilidade de h dado (e.k). Pois se Deus se torna encarnado em um modo tal que sua vida precisa ser culminada por um supermilagre, e há apenas um (dado e) sério candidato para tanto, há Ressurreição, ou seja, deve ter havido uma ressurreição. Além disso, dado o indício do tipo de vida que Jesus levou e que ninguém jamais tinha levado, seria enganador por parte de Deus causar a ressurreição de Jesus, a não ser que Jesus fosse Deus Encarnado. Assim, h é verdadeiro se, e somente se, c é verdadeiro. Logo, por um outro óbvio axioma do cálculo, P(h/c.k) = P(c/e.k) = 0,97085. Ou seja, a probabilidade, dada a totalidade de nossos indícios, de que a ressurreição ocorreu, é da ordem de 97%.
Cheguei a esse valor alto, apesar de atribuir o valor baixo de 0,1 à probabilidade de que, se Jesus era Deus Encarnado, teríamos o tipo de indícios históricos pormenorizados acerca de sua vida e da suposta ressurreição que de fato nós temos. Para evitar minha conclusão, um opositor, se deixar os outros valores probabilísticos intactos, terá que diminuir este valor [o de que Jesus era Deus Encarnado]4 para 0,003. Antes do valor posterior de h e, portanto, de c, ficar abaixo de 0,5. De outro modo, o opositor deverá descartar a teologia natural muito mais do que eu. Se, por exemplo, ele pensar que a teologia natural dá uma probabilidade de 0,0196 (1/51), ao invés de 0,5 (1/2) para a existência de Deus, ou de que há apenas uma probabilidade de 0,0196 (1/51) de que se Deus existe, Ele se encarnará, tem-se uma probabilidade em torno de 0,5 (1/2) de que Deus se encarnou em Cristo. Ou, de modo implausível para mim, um opositor poderia afirmar que não é de todo improvável (mesmo se Deus não fosse responsável por isso) que poderíamos ter essa coincidência de indícios em um mesmo profeta que satisfizesse os requisitos prévios e os requisitos
posteriores, embora para nenhum outro profeta houvesse aquela qualidade de indícios que ele satisfez, segundo qualquer dos dois requisitos. Mas, assim, o opositor precisaria aumentar o valor de P(f/~c.k) de 0,001 para acima de 0,033 (1/30) para ter a probabilidade posterior de h caindo para abaixo de 0,5 (1/2).
Sherlock Holmes fez a famosa observação de que: “Quando você eliminou o impossível, o que quer que permaneça, não importa o quão improvável, deve ser a verdade”5. Parafraseando (e ignorando o problema da probabilidade prévia para termos uma bela máxima), temos: “Quando você eliminou o que torna muito, muito improvável que teríamos os indícios que temos, o que quer que permaneça, mesmo que isso torne muito improvável que encontrássemos os indícios que encontramos, é provavelmente a verdade”. Se você concorda comigo que a coincidência dos indícios que temos da satisfação dos requisitos prévios e posteriores é (salvo intervenção divina) muito, muito improvável, e que o indício de sua coincidência (se Deus interveio para se encarnar e ressurgir dos mortos) é apenas muito improvável, segue-se que é muito provável que Jesus ressurgiu dos mortos, e, também, que ele era Deus Encarnado, então, obviamente, segue-se que Deus existe.
Ora, repito, não apresentei para vocês os indícios históricos pormenorizados de que, na minha visão, há uma probabilidade de 0,1 de que Jesus fosse Deus Encarnado. E há muitos livros céticos bem-instruídos acerca do que esses indícios mostram. Meu tópico nesta conferência é que se você faz certas suposições modestas acerca da força da teologia natural (pressupostos para os quais apresentei argumentos nas minhas conferências anteriores), você terá de ser muito cético mesmo acerca do valor dos indícios históricos pormenorizados para evitar a conclusão cristã e, portanto, teísta.
Notas
1. The Ressurection of God Incarnate, Oxford: Clarendon Press, 2003.
2. Para a minha teodicéia, veja meu Providence and the Problem of Evil (Oxford: Clarendon Press, 1998).
3. Os indícios históricos podem ser descritos em termos gerais amplos ou termos bastante precisos. Por frases usadas depois, como “o tipo e quantidade de indícios” e “o grau e modo” pelos quais os requisitos são satisfeitos, tinha em mente uma descrição de indícios elaborada de modo muito amplo – por exemplo, “Jesus disse algumas palavras em ocasiões cruciais no sentido de que sua vida e morte constituíam uma expiação e fez seus discípulos acreditar em nisso”, ao invés de que ele disse e eles disseram exatamente as palavras que disseram. Certamente, em minha hipótese, aquela deverá ser muito mais provável que esta última. De fato, é um teorema do cálculo de probabilidades no qual se uma proposição (precisa) acarreta uma outra proposição (imprecisa), esta última é sempre ao menos tão provável, e, normalmente, mais provável, do que a primeira, com base nos mesmos indícios. Mas não interessa o quão exatamente nós construamos os indícios. Isso porque, enquanto a probabilidade daquele indício preciso em vista da hipótese de que Jesus era Deus que ressurgiu dos mortos será menor quanto mais preciso o indício for construído, aquela probabilidade também será menor na mesma proporção da negação daquela hipótese. As duas diminuições de probabilidade vão anular uma à outra.
4. Interpolação do tradutor.
5. A. Conan Doyle, The Sign of Four, in The Complete Sherlock Homes, Vol. 1 (Doubleday, 1930, p. 111).
* Richard Swinburne é professor da Universidade de Oxford, na Inglaterra.
Artigo publicado na revista Episteme, Porto Alegre, n. 18, p. 87-102, jan./jun. 2004.

Nenhum comentário:

Postar um comentário